Por
Orlando Quintino Martins Neto
No último dia 20 de setembro foi sancionada pelo Presidente
Jair Bolsonaro a Lei 13.874/2019. É a chamada “
Lei da Liberdade Econômica”, originada da Medida Provisória nº 881/2019.
Dentre outros assuntos que aborda, a referida lei trouxe alterações relevantes ao Código Civil, que afetam diretamente as relações contratuais.
Pela nova lei, foram alterados os artigos 113 e 421, e incluído o artigo 421-A no Código Civil, cuja redação atual dos dispositivos legais ficou da seguinte forma:
“
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
§ 1º. A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:
I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio;
II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio;
III - corresponder à boa-fé;
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
§ 2º. As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.
[....]
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”
Antes das alterações trazidas pela nova lei, não existiam os parágrafos 1º e 2º no artigo 113, o parágrafo único no artigo 421, e nem o artigo 421-A, todos ora introduzidos ao Código Civil.
Até então, no que se refere às relações contratuais, prevalecia o princípio da
função social do contrato (CC, artigo 421, caput),
regra aberta que, devido à sua subjetividade, permitia ao Estado (o Poder Judiciário) intervir de forma quase que irrestrita.
Em que pese esse princípio tenha sido mantido pela nova lei, já que o
caput do artigo 421 não foi alterado substancialmente, com a inclusão do artigo 421-A e seus incisos, houve significativa redução no poder de intervenção do Estado, pois a revisão contratual passou a ser considerada como uma medida excepcional.
Quando a lei atual menciona “
intervenção mínima”, “
excepcionalidade da revisão contratual” e que “
a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”, nada mais fez o legislador do que fortalecer o princípio do
pacta sunt servanda.
[1]
Parece-nos, com as alterações realizadas, que o objetivo do legislador foi o de (i) oferecer mais liberdade às partes contratantes para estabelecer seus entendimentos; bem como (ii) proporcionar maior segurança jurídica aos negócios. Tenta o legislador trazer uma certeza – ou o mais próximo possível disso – de que as regras definidas pelas partes serão observadas.
Mas é importante registrar que a liberdade de contratar traz, em consequência, também uma maior responsabilidade, tanto para quem contrata, quanto para quem elabora o instrumento contratual.
Isso porque, com as alterações realizadas, as partes podem, por exemplo, estabelecer parâmetros objetivos para interpretação das cláusulas contratuais, ou mesmo definir a alocação dos riscos a que cada uma estará sujeita.
Mas, em caso de dúvidas na interpretação do instrumento contratual, segundo o inciso V, do artigo 113, do Código Civil, inserido pela nova lei, prevalecerá a interpretação que “
for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável”.
Ou seja, elaborar um contrato que reflita exatamente o entendimento das partes tornou-se muito mais relevante. Doravante, ou a redação do contato contempla todas as questões jurídicas de acordo com o que foi ajustado pelas partes, ou, a despeito da presunção de serem as partes paritárias, prevista no caput do artigo 421-A do Código Civil, a eventual interpretação será realizada, sempre, em favor da parte que não redigiu o instrumento.
Acreditamos que, com as alterações trazidas ao Código Civil pela nova lei, finalmente, perdem espaço os “modelos de contratos” e entram em cena os trabalhos customizados.