A Impenhorabilidade de Bens pode ser Declarada Voluntariamente

10/03/2010

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Apesar da legislação processual civil vigente no Brasil prever que o devedor responde por suas obrigações com todos os seus bens (artigo 591 Código de Processo Civil), comumente ouvirmos falar que determinados bens não respondem pelas dividas de seus proprietários em eventual ação de execução. São os chamados “bens impenhoráveis”.

Para muitos, esses “bens impenhoráveis” são aqueles que a lei expressamente assim os declara, como é o caso, por exemplo, do imóvel que serve de abrigo para a família (Lei 8.009/90), o salário e os materiais utilizados pelo cidadão para o exercício de suas atividades profissionais (artigo 649, IV e VI, do Código de Processo Civil). Note-se que todos esses bens estão intimamente ligados à subsistência do ser humano, e em razão disso têm sua impenhorabilidade declarada por lei especifica.

A teleologia dessas normas era impedir que a ação executiva se transformasse em uma ferramenta que levasse o devedor a um estado de miserabilidade, reduzindo-o a uma condição social desumana. Em outras palavras, o poder do Estado expropriar bens do individuo para pagamento de suas dividas deve ser comedida, preservando a existência decente do devedor.
Em razão disso a experiência mostrou que a regra quanto a impenhorabilidade não é exaustiva, permitindo interpretação variável quando o caso concreto assim exigir.

Mas fato é que, muitos não sabem que a mesma regra processual também reconhece como impenhoráveis certos bens declarados por ato voluntário, pelo próprio individuo, à mingua de qualquer regra. É o que dispõe o artigo 649 I do Código de Processo Civil. “São absolutamente impenhoráveis: I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução”. Ou seja, ao indivíduo é permitido gravar determinado bem com cláusula de impenhorabilidade retirando do Estado o direito de expropriá-lo para pagamento de dívidas.

Por óbvio que ao permitir esse gravame, à época, a intenção do legislador era também preservar a dignidade da pessoa humana, em detrimento do poder avassalador do credor representado pelo Estado.

Ocorre que, com o passar dos tempos, e o advento de normas especificas regendo a impenhorabilidade, esse direito de clausular livremente bens se tornou desnecessário. Todavia, esse direito permanece vigente até os dias de hoje, sem nenhuma disposição legal regulamentando-o expressamente.

A única regra evidente aplicável à essa hipótese de impenhorabilidade é de não poder ser imposta em benefício do próprio proprietário do bem, mas somente por ato de disposição, como na doação e testamento. Todavia, quanto aos motivos que levam os doadores ou testadores a gravarem essa impenhorabilidade, eles só são exigidos quando a doação se referir à parte da legítima, em contrapartida, quando o bem objeto de doação for da parte disponível do patrimônio, não há nenhuma obrigatoriedade de se justificar a cláusula.
A preocupação do nosso estudo está no fato de que a intenção do legislador pode perfeitamente ser desvirtuada em beneficio exagerado do devedor, e absoluto prejuízo do credor.

É cediço que as doações exigem a solvabilidade dos doadores, o que à primeira vista não demonstra problema algum alguém doar seu bem gravando-o com cláusula de impenhorabilidade, pois eventual fraude seria facilmente detectada e denunciada.

O problema está quando essa doação e gravame ocorrem não exatamente em fraude contra credores, mas com pré-disposição à fraudes, e isso tanto do doador como dos donatários, que na maioria das vezes são os próprios filhos, e o benefício acaba favorecendo os próprios doadores.

Veja que nesses casos tanto quem doa como quem recebe o bem pode estar fraudando veladamente seus credores.
Nesses casos, o que não se pode perder de vista é a intenção da legislação e do legislador, que é proteger um patrimônio mínimo ao individuo, e não facultar-lhe a blindagem de seu patrimônio sem qualquer observância.

A impenhorabilidade, portanto, pode perfeitamente ser imposta por ato voluntário na doação e no testamento, mas ela cederá quando se mostrar excessivamente benéfica aos devedores em detrimento do credor, representado pelo Estado, o que deverá ser analisado caso a caso pelo Judiciário

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