Compensação de Débitos Fiscais com Créditos oriundos de Precatórios adquiridos de Terceiros

10/03/2010

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Questão que atualmente merece destaque é sobre a possibilidade de se adquirir precatórios de terceiros para fins de compensação de débitos fiscais.

É importante mencionar, inicialmente, o artigo 40 da Instrução Normativa nº 460/04 da SRF, que veda a compensação de débitos mediante créditos de terceiros:

Art. 40 – É vedada a compensação de débitos do sujeito passivo, relativos aos tributos e contribuições administrados pela SRF, com créditos de terceiros.
Parágrafo único: A vedação a que se refere o caput não se aplica ao débito consolidado no âmbito do Refis ou do parcelamento a ele alternativo, bem como aos pedidos de compensação formalizados perante a SRF até 7 de abril de 2000.
Conclui-se da leitura do artigo acima que a vedação é regra, tendo como exceção os débitos levados aos programas de parcelamento. Oportuno considerar que este ato não trata especificamente de precatórios.

Ressalte-se também o inciso II, do parágrafo 3º do artigo 26, da mesma IN, excluindo da compensação o débito que estiver inscrito em Dívida Ativa:

Parágrafo 3º. Não poderão ser objeto de compensação mediante entrega, pelo sujeito passivo, da declaração referida no § 1º:
II – o débito que já tenha sido encaminhado à PGFN para inscrição em Dívida Ativa da União.
Com isso, os débitos inscritos em Dívida Ativa e, assim incluídos, os ajuizados em Execução Fiscal, não são passíveis de deferimento administrativo de compensação.

Há que se falar, contudo, do posicionamento jurisprudencial sobre o assunto, considerando, portanto, um débito sendo cobrado por meio de Execução Fiscal e, na contrapartida, a intenção do devedor na quitação mediante compensação por crédito objeto de precatório.

De maneira geral, os tribunais têm seguido o entendimento de que isso não é possível. O fundamento é que haveria violação à ordem cronológica de pagamento prevista no artigo 100 da Constituição Federal. Neste raciocínio, os prazos para pagamento de débitos das Fazendas e dos contribuintes são diferentes.

Outro ponto de grande relevância é a distinção da pura cessão de créditos oriundos de precatórios (negócio que comumente vinha sendo utilizado) e a sua utilização para compensação de débitos fiscais. Ou seja, ainda que seja deferida a cessão mediante homologação pelo juízo no qual se processa o precatório, não significa que a compensação será autorizada administrativa ou judicialmente, implicando no risco da aquisição e, principalmente, da multa e juros, caso ocorra o vencimento da dívida que se espera compensar.

Sobre dívidas já ajuizadas pelo Fisco, recentemente o STJ, sinalizando mudanças em seu posicionamento, permitiu o que antes vinha sendo vedado: a penhora de precatórios em execuções fiscais. O resultado prático é que, sendo os embargos à execução julgados improcedentes, o pagamento será feito através do precatório, ou seja, pela compensação.

Uma dessas decisões ocorreu no julgamento dos Embargos de Divergência nº 399557/PR, no qual foi reconhecido o direito de se garantir Execução Fiscal com precatório:

Este egrégio Sodalício tem decidido, em recentes julgados, pela possibilidade de nomeação de créditos decorrentes de precatório em fase de execução contra o próprio ente federativo que promove a execução fiscal.
Nada obstante se entenda ter o precatório natureza de direito sobre crédito, possui este a virtude de conferir à execução maior liquidez, uma vez que o exeqüente poderá aferir o valor do débito que lhe incumbiria pagar, não fosse a sua utilização para quitação do débito fiscal do executado.

Não se recomenda, destarte, levar a ferro e a fogo a ordem de nomeação prevista no artigo 11 da LEF, sob pena de, não raro, obstruir a possibilidade de pronto pagamento da dívida.
E o acórdão extraído do julgamento acima faz menção aos seguintes julgados:

A Lei 6.830/80, art. 9º, III e art. 11, VIII atribui ao executado a prerrogativa de nomear bens à penhora, que pode recair sobre direitos e ações.

Deveras, a execução deve ser promovida pelo meio menos gravoso ao devedor.Resp nº 480.351/SP

A gradação estabelecida no artigo 11 da Lei nº 6.830/80 e no artigo 656 do Código de Processo Civil tem caráter relativo, por força das circunstâncias e do interesse das partes de cada caso concreto.
A jurisprudência deste Tribunal tem admitido a nomeação à penhora de crédito da própria Fazenda Estadual, atinente a precatório expedido para fins de garantia de juízo.AGA nº 447.126/SP

A nomeação de bens à penhora deve se pautar pela gradação estabelecida no art. 11, da Lei nº 6.830/80, e no art. 656, do CPC. No entanto, esta Corte Superior tem entendido que tal gradação tem caráter relativo, já que o seu objetivo é realizar o pagamento do modo mais fácil e célere. Pode ela, pois, ser alterada por força de circunstâncias e tendo em vista as peculiaridades de cada caso concreto e o interesse das partes.
No caso sub examine, a recorrente nomeou à penhora os direitos de crédito decorrentes de ação ordinária, gerando a expedição do precatório de origem alimentícia que entrou no orçamento e deveria ter sido pago até 31/12/1999. Tem-se, assim, uma ação com trânsito em julgado, inclusive na fase executória, gerando, portanto, crédito líquido e certo, em função da expedição do respectivo precatório.
Com o objetivo de tornar menos gravoso o processo executório ao executado, verifica-se a possibilidade inserida no inciso X, do art. 655, do CPC, já que o crédito do precatório equivale a dinheiro, bem este preferencial (inciso I, do mesmo artigo).
A Fazenda recorrida é devedora na ação que se findou com a expedição do precatório. Se não houve pagamento, foi por exclusiva responsabilidade da mesma, uma vez que tal crédito já deveria ter sido pago. Trata-se, destarte, de um crédito da própria Fazenda Estadual, o que não nos parece muito coerente a recorrida não aceitar como garantia o crédito que só depende de que ela própria cumpra a lei e pague aos seus credores.Resp nº 325.868/SP

Assim, de acordo com tais decisões, foi permitida a utilização de precatórios em Execuções Fiscais, tendo como condição que a Fazenda exeqüente seja o ente devedor do referido precatório.

Ponto que merece análise é saber se também é permitida a utilização de precatórios de terceiros para este fim. Não há vedação legal para isso, muito pelo contrário, a Constituição Federal, no artigo 78 do ADCT, autoriza este procedimento:

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.
O STJ, julgando o Recurso Especial nº 365.095/ES, reformou acórdão que havia negado o direito de oferecer escritura pública de cessão de direitos creditícios oriundos de precatórios, reconhecendo, assim, o direito de se utilizar deste meio como forma de penhora e viabilidade de defesa em Execuções Fiscais.

No mesmo sentido:

Há duas questões preliminares, a saber:
a) condicionamento da cessão de créditos à outorga estatal;
b) iliquidez do crédito, à míngua de atestado.
Ambas são "data vênia", improcedentes. Com efeito, a cessão de créditos é disciplinada pelos artigos 1.065 e seguintes do Código Civil. A teor dos preceitos contidos em tais dispositivos, o credor é livre para ceder seus créditos, "se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor." Ora, na hipótese existe permissão constitucional expressa, assegurando a cessão dos créditos traduzidos em precatórios (ADCT, Art. 78). Se assim acontece, não faz sentido condicionar a cessão ao consentimento do devedor – tanto mais, quando o devedor é o Estado, vinculado constitucionalmente ao princípio da impessoalidade.RO 12.735 – STJ

Por outro lado, apesar dessas decisões serem bastante recentes, o fato é que o STJ não considerou a atual Lei 11.033/04, que trata em seu artigo 19:

Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:
I – aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;
II – aos créditos de valor igual ou inferior ao disposto no art. 3o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.
Isso significa que aqueles que tiverem débitos perante quaisquer das Fazendas (Federal, Estadual ou Municipal) ficarão impedidos de levantar precatórios.

A nítida intenção do governo foi evitar o cumprimento de suas obrigações, criando-se mecanismos de legitimidade questionáveis. Se o intuito daquele que adquire um precatório de terceiro é compensar débitos, é importante frisar que a lei foi silente em relação a este ponto.

Isto é, não tratou da questão, sendo que na prática um precatório poderá ficar com seu pagamento suspenso indefinidamente até que o credor regularize sua situação perante as Fazendas. E pior, os débitos perante o fisco não pagos estarão sujeitos aos tortuosos acréscimos de multa e juros.

Note-se que a mencionada lei também não faz distinção da origem do precatório. Razoável seria que precatórios fossem levantados, então, mediante certidões negativas de débito do respectivo ente devedor.

Inversamente, a recente lei condicionou a comprovação da regularidade fiscal perante todas as Fazendas para levantamento de qualquer precatório e, sem qualquer razoabilidade, perante também o FGTS, além de exigir o prévio aval da Fazenda, ferindo flagrantemente o princípio da separação dos poderes com a supressão do Judiciário da sua força de ordem de pagamento.

No caso do uso de precatórios para garantia de processos de execução fiscal, com a novel lei o devedor poderá enfrentar dificuldades (ainda maiores) em sua aceitação, visto que a matéria é nova e a questão ainda não foi apreciada sob este ângulo.

É fundamental que aquele que pretende adquirir precatórios avalie os riscos levando-se em conta principalmente a situação fiscal do credor para futura apresentação de todas as certidões.

Ainda, o parágrafo 2º do art. 78 do ADCT dá poder liberatório do pagamento de tributos na hipótese de mora do precatório. Isto significa que o titular do precatório em mora terá seus tributos "liberados", ou compensados, perante a entidade devedora. Em contrapartida, deve-se considerar que tais precatórios podem ser pagos em até 10 anos, ou seja, esta compensação está vinculada a cada parcela anual.

Atenção que também deve ser dada por aquele que adquire precatórios é quanto a possibilidade de o ente federativo devedor ajuizar ação rescisória, ficando seu crédito passível de desconstituição. Neste caso, há que se considerar o resultado desta ação e, sem dúvida, uma análise global de todo o processo envolvendo o precatório.

Conclusão: A aquisição de créditos de terceiros para compensação com débitos tributários é vedada pela Secretaria da Receita Federal, sendo que pedidos administrativos nesse sentido serão indeferidos por força da IN 460/04. Muito embora a própria instrução normativa preveja como exceção débitos no Refis ou parcelamento, há vedação quando estes já estiverem inscritos em Dívida Ativa.

Vale frisar que as recentes decisões favoráveis do Superior Tribunal de Justiça admitindo a utilização de precatórios de terceiros como garantia de execuções fiscais não levaram em conta a Lei nº 11.033, publicada em 22 dezembro de 2.004, que condiciona o levantamento de precatórios à apresentação de certidões de regularidade fiscal.

Finalmente, é possível o ajuizamento de ação para se garantir a compensação de débitos fiscais com créditos oriundos de precatórios, mas discutível seu êxito por haver entendimento de que o art. 78 da ADCT necessita de regulamentação, além do argumento manejado pela Fazenda Pública de que o crédito tributário tem natureza distinta do crédito do contribuinte.

Destaque-se, por fim, que as chances para um reconhecimento judicial em sede liminar do crédito oriundo de precatórios são pequenas, face à súmula 212 do STJ ("Súmula nº 212. A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar."). Por conseqüência, esta compensação deverá aguardar até a sentença ou decisão superior que lhe seja favorável.

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