Sociedades Limitadas: conflitos societários no regime do Código Civil

10/03/2010

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

O Código Civil de 2002 modificou substancialmente o Direito Privado e, em especial, o Direito das Sociedades, abandonado a teoria dos atos do comércio para abraçar a teoria da empresa como célula mater da regulação dos negócios jurídicos de natureza econômica.

A introdução, no direito brasileiro, da figura das sociedades simples, em contraste com as sociedades empresárias, e a criação de um figurino legal rígido para disciplinar as sociedades limitadas, suscitou uma série de questões societárias relevantes, ainda não equacionadas na Doutrina e na Jurisprudência. Como se sabe, antes do advento do Código Civil, as sociedades limitadas encontravam-se reguladas pelo Decreto 3.708/19. Vazado em não mais que 19 artigos, dos quais apenas 17 tinham interesse prático (o primeiro e o último eram meramente enunciativos), e reportando-se ao parcialmente revogado Código Comercial em dois deles (artigos 2º e 7º.), limitava-se aquele diploma a traçar diretrizes básicas para regular esse modelo societário, deixando amplas e flexíveis margens para os sócios definirem as regras sociais, de acordo com seus interesses, no contrato social ou em pactos parassociais.

O figurino legal era, por assim, dizer, amplo, e na omissão deste determinava o diploma de regência (artigo 18) a aplicação das disposições da Lei das Sociedades por Ações (“LSA”). Quase 100 anos mais tarde, o chamado Código Reale veio regular de forma ampla e pormenorizada as sociedades limitadas, atingindo o modelo societário que nos últimos anos representou mais da metade de todas as sociedades constituídas no Brasil.

De fato, de 1985 a 2005, são 4.300.257 (quatro milhões, trezentos mil e duzentas e cinqüenta e sete) sociedades limitadas constituídas no Brasil, número inferior no período, apenas, ao de firmas individuais inscritas. Dentre as sociedades em geral, (limitadas, anônimas, cooperativas e outros tipos), o percentual das limitadas é da ordem de mais de 98% (noventa e oito por cento). Fonte: http://www.dnrc.gov.br/estatisticas.

O prazo para que os estatutos sociais fossem adaptados ao novo standard legal foi fixado no artigo 2031, prazo esse sucessivas vezes prorrogado. Disciplinando as sociedades limitadas (Capítulo IV, Título II, Livro II), o Código Civil regulou importantes aspectos do relacionamento societário, passando a cuidar, com efeito, de aspectos relativos às quotas sociais (seção II); administração (seção III); conselho fiscal (seção IV); deliberações (seção V); aumento e redução do capital (seção VI); resolução da sociedade em relação aos sócios minoritários; e, finalmente, dissolução (seção VII).

A regulação trouxe como inegável efeito prático a mitigação, no âmbito societário, do princípio da autonomia da vontade, que restou igualmente jungido ao trinômio eticidade, socialidade e operabilidade, no contexto do qual conformou-se o novo codex, e que é resultante, segundo Miguel Reale, de princípios e valores fundamentais por este acolhido, a saber: (i) a boa-fé objetiva – artigos 113, 187 e 422; (ii) a função social do contrato de sociedade – artigos 187, 421, 981 e 987; (iii) o princípio da probidade – artigo 422; (iv) o fim econômico próprio e inerente ao contrato de sociedade – artigo 187; (v) os usos e costumes – artigo 187 (Cf. “Visão geral do Código Civil”, 2ª. ed., São Paulo, RT, p. XVII”, apud PENTEADO, Mauro Rodrigues, “Críticas ao novo Direito Societário: modus in rebus, São Paulo, Revista do Advogado n 71, 2003).

Com o Código Civil de 2002 houve, enfim, uma substancial mudança no regime jurídico que disciplinava as relações entre os sócios e destes com as sociedades, em especial as sociedades limitadas. Na esteira dessa regulação mais ampla e rígida das sociedades limitadas, os profissionais do direito que atuam mais diretamente com esse modelo empresarial, especialmente aqueles dedicados ao contencioso societário, puderam desde logo perceber o surgimento de alguns focos de tensão importantes, relacionados, essencialmente, (i) a divergências relacionadas à condução dos negócios sociais, antes em grande medida neutralizados pelo exercício do poder de controle do sócio ou bloco majoritário, e (ii) a incertezas quanto à possibilidade de desligamento do sócio dissidente pela vontade dele ou da sociedade, eis que extintas as correspondentes bases legais.

Como se sabe, controle societário equivale ao direito de impor a vontade eficazmente no âmbito de uma sociedade. Enquanto numa sociedade anônima de capital fechado, composta por ações ordinárias de uma mesma classe, esse controle é exercido pelo acionista ou bloco controlador (LSA, artigo 116), com a maioria dos votos nas assembléias gerais – observado o quorum de presença mínimo – para o exercício desse controle nas sociedades limitadas há agora a necessidade de quoruns significativamente maiores.

Com efeito, dentre outras importantes alterações, o novel figurino legal das sociedades limitadas passou a exigir a unanimidade dos sócios para a designação de administrador não sócio, enquanto o capital não estiver totalmente integralizado, e de dois terços deles, após a integralização (artigo 1061); para decisões que impliquem modificação do contrato social, incorporação, fusão e dissolução da sociedade, ou cessação de seu estado de liquidação, o código exigiu votos de sócios que totalizem três quartos do capital social (artigo 1076, I).

É fato que como em todas as relações humanas, aquelas existentes entre os membros de uma sociedade empresária comumente ensejam divergências relevantes na condução dos negócios: contenção versus expansão; diversificação versus concentração; investimentos versus capitalização; captação de talentos versus formação de quadros, são exemplos pontuais de possíveis conflitos.

O novo codex foi omisso no que tange à saída do sócio dissidente, eis que, no capítulo dedicado às limitadas, o único artigo que trata da saída de sócio (artigo 1.077) prevê a retirada em virtude de dissenso nas situações de modificação do contrato, fusão ou incorporação – ou seja, regulamenta o direito de recesso. Ao mesmo tempo, aumentou sobremaneira o poder dos minoritários – reflexo direto da fixação de quoruns mínimos para as deliberação dos sócios e para alguns atos da administração – e restringiu as hipóteses de sua exclusão (basicamente, a exclusão do sócio por atos de “inegável gravidade”, prevista no artigo 1085, falta grave no cumprimento de suas obrigações e incapacidade superveniente, previstas no artigo 1030, além da exclusão pela não integralização do capital subscrito).

Releva destacar que antes do advento do novo Código Civil, i.e., na vigência do Decreto 3.708/19 e do Código Comercial, o artigo 335, inciso “5”, deste último estatuto (parte revogada), facultava ao sócio que divergia dos rumos da sociedade a prerrogativa de denunciar o contrato e levar a sociedade à dissolução. Como é cediço, ao longo do tempo tal prerrogativa foi sendo mitigada pela Doutrina e pela Jurisprudência, restringindo-se o direito do sócio descontente à chamada dissolução parcial, solução que se consolidou no Judiciário ao ponto de ser estendida até mesmo às sociedades anônimas com características próprias de sociedades de pessoas – condição em que se inclui grande parte das companhias fechadas, o que se anota para uma clara fixação da abrangência dos reflexos da omissão do legislador quanto ao tema.

Assim é que, apesar de todo o desenvolvimento da teoria da dissolução parcial, o Código Reale silenciou quanto ao tratamento da saída de um sócio de uma sociedade limitada com regência supletiva da LSA. A chamada dissolução parcial, solução que permitia ao sócio descontente o direito de retirar-se, de certa forma conferia alguma estabilidade ao ambiente societário, mercê da flexibilidade proporcionada pela regra consuetudinariamente construída na esteira da disposição do Código Comercial então em vigor quanto à dissolução das sociedades pela vontade de um dos sócios (artigo 335, “5”).

Ainda que se erguessem contundentes críticas ao modelo, que segundo alguns implicava verdadeiro direito de “denúncia vazia” do vínculo societário, não se pode negar que além de veicular solução de ordem prática para as contendas societárias especialmente relevante em sociedades de menor porte (grande parte das unidades de negócios do país), harmonizava-se este com uma das características mais relevantes do contrato plurilateral, superiormente estudado por Túlio Ascarelli, isto é, a de permitir tanto o ingresso quanto a saída de sócios sem alteração das bases essenciais do pacto societário. Portanto, o novo código não apenas deixou de contemplar a teoria da dissolução parcial, como também eliminou-lhe a base legal que permitia ao sócio dissidente recorrer à via judicial para deixar a sociedade, fazendo uso da ação correspondente.

Em suma, a nova disciplina do Direito das Sociedades extinguiu a base legal da teoria que permitia ao sócio minoritário o recurso à via da dissolução parcial para desligar-se da sociedade. Nesse sentido, recente acórdão da 4ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, relator o Desembargador Carlos Stroppa, assim ementado: “Ação de Dissolução Parcial de Sociedade. Ação Distribuída após a vigência do novo Código Civil, com fundamento em dispositivos do Código Comercial, expressamente revogados. Data da constituição da sociedade ou do início dos fatos que ensejaram a dissolução não constituem marco inicial para impedir a aplicação da lei nova…Impossibilidade Jurídica do pedido reconhecida” (Apelação Cível 322.194-4/7-SP).

E também condicionou a exclusão do minoritário à ocorrência de atos de inegável gravidade, que coloquem em risco a continuidade do negócio (artigo 1085), reformando a regra anterior que facultava a prática desse ato pela maioria, e o respectivo arquivamento perante o registro mercantil, quando não houvesse cláusula proibitiva (Artigo 35, VI, da Lei 8934/94, e artigo 53, VI, do Decreto 1800/96, que a regulamentou).

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