Sociedade em bancarrota, sócio abastado. A repetição desse cenário, frustrando expectativas e direitos de credores de boa-fé, de longa data deu ensejo à disregard doctrine, ou disregard of legal entity, do direito anglo-saxão. Preenchidos certos requisitos, a desconsideração da personalidade jurídica, como é conhecida pelos que por aqui praticam o idioma de Camões, tornou-se quase uma regra geral, com previsão legal esparsa e aplicação em diversas áreas do direito. Não demorou para que os devedores percebessem que, uma vez aceita a desconfortável condição pessoal de insolvência, poderiam evitar a excussão de seus bens adotando uma terceira estrutura societária, para onde se pode conferir bens e direitos. Em resposta, a Doutrina e a Jurisprudência passaram a aplicar a chamada "desconsideração inversa", alcançando também o patrimônio dessa terceira sociedade. Confira abaixo recentíssima decisão prolatada em caso patrocinado pela nobre advogada do escritório Dra. Patrícia Costa Agi Couto, em que se reconheceu a fraude e se determinou a desconsideração inversa: "Vistos. Assiste razão à credora quanto à dispensa de busca de bens móveis junto à ARISP ante a ausência de declaração quanto à existência de tal espécie de bem para fins de imposto de renda. No mais, efetuada a tentativa de bloqueio de ativos financeiros da empresa executada, nenhum valor foi encontrado em seu nome (fls. 11/12). Deferida a desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, foi determinado que seus sócios Cleusa Martins do Prado e José Edvaldo Martins do Prado integrassem o polo passivo da relação jurídico-processual (fls. 24/26). Por duas vezes foi tentado o bloqueio de ativos financeiros em nome dos executados pessoas física (fls. 39/42 e 100/104)), nada sendo encontrado. Foram efetuadas, ainda, pesquisas junto à Receita Federal e ao Detran, sem que se encontrassem bens passíveis de penhora. Não se pode deixar de observar, ademais, que a empresa cuja desconsideração inversa ora é pretendida atua no mesmo ramo de atividade (eletrodomésticos e equipamentos de áudio e vídeo) que a devedora originária, que encerrou suas atividades em 1993. Assim, ante a insolvência do executado e considerando os indícios veementes de que utiliza a pessoa jurídica para camuflar seus rendimentos, tendo em vista que é seu sócio majoritário, deve ser deferida a desconsideração da personalidade jurídica inversa. O ilustre Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, no julgamento do Agravo de Instrumento n° 1.198.103-0/0, assim abordou questão semelhante: "Relativamente à desconsideração da personalidade jurídica em sentido inverso, quem, a nosso aviso, primeiramente tratou do tema, foi o Prof. FÁBIO KONDER COMPARATO, em sua clássica obra "O Poder de Controle da Sociedade Anônima", no capítulo 111, sob o título "Confusão Patrimonial Entre Titular do Controle e Sociedade Controlada. A Responsabilidade Externa 'Corporis'", leciona: "137. Aliás, essa desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por atos do seu controlador. A jurisprudência americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em benefício da companhia, mesmo quando não foi a sociedade formalmente parte no negócio, obrigam o patrimônio social, uma vez demonstrada a confusão patrimonial de facto." (…) "Na jurisprudência brasileira, tem-se desconsiderado, com freqüência, a personalidade jurídica das sociedades constituídas unicamente de marido e mulher, sob a alegação de nulidade. (…) Na mesma senda de entendimento, o Professor da PUCSP, FÁBIO ULHOA COELHO, invocando lição de Suzanne Bastid, René David e François Luchaire (La personalité morale et ses limites. Etudes de droit compare et de droit international public, Paris, 1960), sustenta que: "A teoria da desconsideração visa coibir fraudes perpetradas através do uso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Sua aplicação é especialmente indicada na hipótese em que a obrigação imputada à sociedade oculta uma ilicitude. Abstraída, assim, a pessoa da sociedade, pode-se atribuir a mesma obrigação ao sócio ou administrador (que, por assim dizer, se escondiam atrás dela), e, em decorrência, caracteriza-se o ilícito. Em síntese, a desconsideração é utilizada como instrumento para responsabilizar sócio por dívida formalmente imputada à sociedade. Também é possível, contudo, o inverso: desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação do sócio (Bastid-Daúd-Luchaire, 1960:47)". Assim, defiro a aplicação da desconsideração inversa da pessoa jurídica, para que a empresa MMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM, CNPJ/MF Nº 00.000.000/0000-00 passe a integrar o pólo passivo da relação jurídico-processual. No mais, defiro a penhora on-line de ativos financeiros em nome da empresa até o valor de R$ 3.333.333.33. Int. – " |
12 novembro, 2024
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