STJ decide que não há ISS na incorporação direta

01/05/2010

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Leia abaixo a decisão do Superior Tribunal de Justiça a respeito da não incidência do ISS na incorporação direta:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.039 – RN (2009⁄0222579-7)

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇO. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA DIRETA. CONSTRUÇÃO FEITA PELO INCORPORADOR EM TERRENO PRÓPRIO, POR SUA CONTA E RISCO. NÃO INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO A TERCEIRO.
1. A incorporação imobiliária é um negócio jurídico que, nos termos previstos no parágrafo único do art. 28 da Lei 4.591⁄64, tem por finalidade promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações compostas de unidades autônomas.
2. Consoante disciplina o art. 48 da Lei 4.591⁄64, a incorporação poderá adotar um dos seguintes regimes de construção: (a) por empreitada, a preço fixo, ou reajustável por índices previamente determinados (Lei 4.591⁄64, art. 55); (b) por administração ou “a preço de custo” (Lei 4.591⁄64, art. 58); ou (c) diretamente, por contratação direta entre os adquirentes e o construtor (Lei 4.591⁄64, art. 41).
3. Nos dois primeiros regimes, a construção é contratada pelo incorporador ou pelo condomínio de adquirentes, mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços, em que aqueles figuram como tomadores, sendo o construtor um típico prestador de serviços. Nessas hipóteses, em razão de o serviço prestado estar perfeitamente caracterizado no contrato, o exercício da atividade enquadra-se no item 32 da Lista de Serviços, configurando situação passível de incidência do ISSQN.
4. Na incorporação direta, por sua vez, o incorporador constrói em terreno próprio, por sua conta e risco, realizando a venda das unidades autônomas por “preço global”, compreensivo da cota de terreno e construção. Ele assume o risco da construção, obrigando-se a entregá-la pronta e averbada no Registro de Imóveis. Já o adquirente tem em vista a aquisição da propriedade de unidade imobiliária, devidamente individualizada, e, para isso, paga o preço acordado em parcelas.
5. Como a sua finalidade é a venda de unidades imobiliárias futuras, concluídas, conforme previamente acertado no contrato de promessa de compra e venda, a construção é simples meio para atingir-se o objetivo final da incorporação direta; o incorporador não presta serviço de “construção civil” ao adquirente, mas para si próprio.
6. Logo, não cabe a incidência de ISSQN na incorporação direta, já que o alvo desse imposto é atividade humana prestada em favor de terceiros como fim ou objeto; tributa-se o serviço-fim, nunca o serviço-meio, realizado para alcançar determinada finalidade. As etapas intermediárias são realizadas em benefício do próprio prestador, para que atinja o objetivo final, não podendo, assim, serem tidas como fatos geradores da exação.
7. Recurso especial não provido.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Cuida-se de recurso especial fundado na alínea “a” do inciso III do art. 105 da Constituição da República e interposto pelo Município de Natal contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. APELAÇÕES CÍVEIS. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR INOBSERVÂNCIA DO ART. 2º DA LEI Nº 8.437⁄92, SUSCITADA PELO DEMANDADO. REJEIÇÃO. MÉRITO: INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR DO ISS. EMPRESA DE CONSTRUÇÃO CIVIL EM ATIVIDADE DE INCORPORAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. FAZENDA PÚBLICA VENCIDA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. FIXAÇÃO DENTRO DOS PARÂMETROS ESTABELECIDOS NA LEI DE REGÊNCIA. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DOS RECURSOS (e-STJ fl. 694).

O recorrente sustenta a violação do item 32 da tabela anexa ao Decreto Lei 406⁄88, substituído pelo item 7.02 da lista anexa à Lei Complementar 116⁄2003. Argumenta que a atividade de incorporação envolve o contrato de empreitada e que a venda das unidades imobiliárias ainda na fase de construção configura, por si só, prestação de serviço, atraindo a incidência do ISS.
Aduz, nas suas razões recursais, o seguinte:

É que o negócio jurídico da incorporação conjuga em si mesmo diversos outros pequenos negócios, razão pela qual integra a figura de distintas pessoas, as quais podem, ao mesmo tempo, consubstanciar-se na única pessoa do incorporador. É o que ocorre, por exemplo, quando o incorporador é o dono do terreno, é um industrial da construção civil e ainda um comerciante, como ocorreu no caso concreto, em que a empresa autuada, na qualidade de proprietária do empreendimento e sendo empresa do ramo da construção civil, vem construindo imóvel no intuito de os transferir para os adquirentes finais, alienando as unidades no decorrer da obra e antes do “habite-se” (e-STJ fl. 716).

Quando (…) o incorporador assume para si além de tantas outras, a função de construtor das unidades, como é o caso da empresa autora, surgem irresignações quanto à incidência do ISS, o que não se aplica ao caso presente uma vez que a autora, na qualidade de construtora responsável pela obra cujas alienações ocorreram no decorrer da construção e antes do habite-se, está, necessariamente, prestando serviços de construção civil a terceiros, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, por administração, fato que subsume na regra da lei complementar federal consubstanciada no DL 406⁄68, item 32 de sua lista anexa, posteriormente modificada pelo item 7.02 da lista anexa à Lei Complementar 116⁄2003, devidamente reproduzidas na lista do art. 60, da Lei 3.882⁄89 e que serviu de fundamento para a autuação aqui discutida (e-STJ fl. 717).

Contrarrazões ofertadas às e-STJ fls. 720-741, nas quais a recorrida afirma que “praticou a incorporação imobiliária a preço global, edificando em terreno próprio, com recursos próprios, negociando as unidades através de contrato de promessa de compra e venda, para entrega futura, conforme reconhecido pelas duas instâncias inferiores” (e-STJ fl. 729). Defende, ainda, serem distintas as atividades de construção civil e incorporação imobiliária, e que a celebração de contrato de promessa de compra e venda não transfere a propriedade do imóvel.
Admitido o recurso especial na origem (e-STJ fls. 743-746), subiram os autos a esta Corte.
Inicialmente, dei provimento ao apelo, em decisão resumida na seguinte ementa:

TRIBUTÁRIO. ISS. INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS. PROMESSA DE VENDA DURANTE A CONSTRUÇÃO. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. CONTRATO DE EMPREITADA.
1. A promessa de venda das unidades habitacionais durante a construção da obra revela o aspecto da empreitada presente na incorporação de imóveis, determinando a incidência do imposto sobre serviços, nos termos da jurisprudência pacificada nesta eg. Corte.
2. Na espécie, tanto a instância ordinária atestou quanto o próprio recorrido afirmou que durante a construção dos edifícios foram vendidas unidades autônomas.
3. Recurso especial provido (e-STJ fl. 747).

Interposto agravo regimental, tornei sem efeito o mencionado decisum, com fundamento no art. 259 do RISTJ, determinando o retorno dos autos para novo julgamento, com inclusão do feito em pauta (e-STJ fl. 836).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.039 – RN (2009⁄0222579-7)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso especial. Passo ao exame do mérito.
Debate-se acerca da possibilidade de cobrança do Imposto sobre a Prestação de Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN na atividade de incorporação imobiliária, quando a construção é feita pelo incorporador em terreno próprio, por sua conta e risco, consoante assentou o Tribunal de origem no seguinte excerto:

Da análise dos documentos acostados aos autos, verifica-se que os imóveis são de propriedade da empresa Demandante, destinando-se a empreendimentos prestados com seus próprios recursos, e não por terceiros (e-STJ fl. 699).

O art. 156, III, da Constituição da República atribuiu aos Municípios a competência para instituir imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”.
O Decreto-lei 406, de 31 de dezembro de 1968 – vigente à época da lavratura dos autos de infração ora impugnados (e-STJ fl. 07) –, com as alterações posteriores da Lei Complementar 56⁄87, foi recepcionado pela CF⁄88 com status de lei complementar e cumpriu, até a edição da Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, a função de lei definidora dos serviços tributáveis pelo ISS.
Em seu art. 8º, disciplinava o fato gerador do ISS, nos seguintes termos:

Art. 8º O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa.
No caso dos autos, a controvérsia surge na interpretação do item 32 da lista de serviços, com a redação dada pela LC 56⁄87, que prevê como tributável pelo ISS a atividade de construção civil executada por administração, empreitada ou subempreitada, verbis:

32. Execução por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM);

Fundando-se nessa previsão, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que a incorporação envolve dois contratos: o de compra e venda e o de empreitada. Logo, o construtor-incorporador é também empreiteiro e, ao exercer esta atividade, materializa a hipótese de incidência do ISS.
Nesse sentido, são os seguintes precedentes:

I – PROCESSUAL – NULIDADE – REPETIÇÃO DO ATO – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO (CPC art. 249, § 1º).
II – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – DL 406⁄68 – INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS – INCIDÊNCIA – TABELA ANEXA AO DL 406⁄68 – ITEM 32.
I – Mesmo em se reconhecendo nulidade, não se repetirá o ato, quando não se constatar prejuízo as partes (CPC – art. 249, § 1º).
II – Na incorporação, fundem-se dois contratos: compra e venda e empreitada.
Assim, o construtor-incorporador é, também, empreiteiro. Sua atividade constitui ”execução por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil”, correspondendo ao tipo fiscal descrito no item 32 da Tabela anexa ao DL 406⁄68.
Imposto sobre serviço devido. Segurança denegada (REsp 15.301⁄RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 24.05.93);

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – DL 406⁄68 – INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS – INCIDÊNCIA – TABELA ANEXA AO DL 406⁄68 – ITEM 32.
– Na incorporação, fundem-se dois contratos: compra e venda e empreitada.
Assim, o construtor-incorporador é, também, empreiteiro. Sua atividade constitui “execução por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil”, correspondendo ao tipo fiscal descrito no item 32 da Tabela anexa ao DL 406⁄68. Imposto sobre serviço devido. Segurança denegada (REsp 57.478⁄RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 15.05.95);

TRIBUTÁRIO. ISS. INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS. INCIDÊNCIA.
I – Na incorporação verifica-se a presença de dois contratos: o de compra e venda e o de empreitada. Portanto, não há dúvida de que o construtor também é um empreiteiro, enquadrando-se na atividade descrita no item 32 da Lista Anexa ao Decreto nº 406⁄68. Sendo assim, deve incidir o ISS sobre essa atividade.
II – Recurso especial improvido (REsp 746.861⁄MG, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 10.04.06);

TRIBUTÁRIO. ISS. INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS. INCIDÊNCIA. DECRETO 406⁄68.
I – Na incorporação verifica-se a presença de dois contratos: o de compra e venda e o de empreitada. Portanto, não há dúvida de que o construtor também é um empreiteiro, enquadrando-se na atividade descrita no item 32 da Lista Anexa ao Decreto nº 406⁄68. Sendo assim, deve incidir o ISS sobre essa atividade. Precedentes: REsp nº 57478⁄RJ, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 15⁄05⁄1995 e REsp nº 41383⁄RJ, Relator Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ de 19⁄12⁄1999.
II – Recurso especial provido (REsp 884.778⁄MT, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 07.11.06);

TRIBUTÁRIO. ISS. INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS. INCIDÊNCIA.
1. A incorporação-construção é também empreitada, atividade que se enquadra no tipo fiscal descrito no item 32 da tabela anexa ao Decreto-Lei 406⁄68, razão pela qual está sujeita à incidência do Imposto sobre Serviços (ISS).
2. Recurso especial provido (REsp 489.383⁄PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 24.05.07);

TRIBUTÁRIO – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – ISS – INCORPORAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE IMÓVEIS – VENDA DE UNIDADES ANTES DO “HABITE-SE” – OFENSA AO ART. 9º, § 1º DO DECRETO-LEI 406⁄68 – RECURSO INTERPOSTO PELA ALÍNEA “A” DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL: DESCABIMENTO.
1. Se no recurso especial a parte alega que a lei local está em testilha com a lei federal, o recurso deveria ter sido interposto com amparo na alínea “b” do permissivo constitucional, vigente até o advento da EC 45⁄2004.
2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de entender que, na incorporação, há dois contratos: o de compra e venda e o de empreitada, sendo legítima a cobrança de ISS (item 32 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei 406⁄68).
3. Recurso especial da empresa não conhecido e provido o recurso especial do Município (REsp 766.278⁄PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 26.09.07);

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE DE INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS. EXISTÊNCIA DE DOIS CONTRATOS: O DE COMPRA E VENDA E O DE EMPREITADA. CARACTERIZAÇÃO DE FATO GERADOR DE ISS. DL 406⁄68. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
…………………………………………………………………………………………………………..
2. Ao que se constata, a pretensão é de inteira procedência, uma vez que o acórdão recorrido se encontra em diametral oposição ao entendimento adotado pela reiterada jurisprudência do STJ, que é no sentido de que a atividade de incorporação imobiliária, por compreender um contrato de compra e de venda e, também, um contrato de empreitada, constitui fato gerador do ISS. Precedentes: REsp 766.278⁄PR, DJ 26⁄09⁄2007, Rel. Min. Eliana Calmon; REsp 766.278⁄PR, DJ 26⁄09⁄2007, Rel. Min. Eliana Calmon.
3. Recurso especial conhecido e provido, para o fim de reconhecer legal a tributação do ISS (REsp 998.437⁄AM, Rel. Min. José Delgado, DJe de 20.08.08).

Concomitante à formação da mencionada jurisprudência, firmou-se também nesta Corte o entendimento de que não incide o ISS quando a parte constrói em terreno próprio, por sua conta e risco, para venda futura:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇO.
I – Comprovado que a parte promovia as construcões em terrenos de sua propriedade pelo sistema de incorporação, na qualidade de proprietária-incorporadora, não ha falar-se em prestação de serviço pois impossível o contribuinte prestar a si próprio o serviço desvanecendo, destarte, o fato imponível do ISS.
II – Precedentes.
III- Recurso desprovido (REsp 1.625⁄RJ, Rel. Min. Geraldo Sobral, DJ de 25.03.91);

TRIBUTÁRIO. ISS. CONSTRUÇÃO CIVIL.
I – A empresa que, em terreno seu, constrói imóveis, por conta própria, para revenda, não esta sujeita ao pagamento do ISS. Aplicação das Súmulas 282⁄STF e 356⁄STF e do art. 255 e parágrafos do Regimento Interno desta Corte.
II – Recurso especial não conhecido (REsp 39.735⁄RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 11.11.96);

ISS – CONSTRUCÕES DE EDIFÍCIOS.
Não fica sujeito ao ISS a parte que promove construcões em terrenos de sua propriedade por sua conta e risco, visto ser impossível falar-se em prestação de serviço.
Recurso provido (REsp 13.385⁄RJ, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 06.04.92);

TRIBUTÁRIO. ISS. CONSTRUÇÃO CIVIL. NÃO INCIDÊNCIA.
– Não esta sujeita a incidência do ISS a empresa que, em terreno seu constrói imóveis, por conta própria, para revenda.
– Recurso não conhecido (REsp 10.054⁄RJ, Rel. Min. Américo Luz, DJ de 06.06.94);

TRIBUTÁRIO. ISS. HIPÓTESE DE NÃO-INCIDÊNCIA. INCORPORADOR QUE, POR CONTA PRÓPRIA, CONSTRÓI EM SEU PRÓPRIO TERRENO.
1. Não há prestação de serviços a terceiros quando o incorporador, por conta própria, constrói em terrenos de sua propriedade.
2. Inexistência de contrato de empreitada com terceiros.
3. A venda de imóvel pelo incorporador não é, por si só, fato gerador de ISS.
4. Recurso especial improvido (REsp 1.012.552⁄RS, Rel. Min. José Delgado, DJe de 23.0608).

Outros julgados resolveram controvérsias semelhantes mediante a aplicação do enunciado da Súmula 7 desta Corte, por considerarem que a pretensão dos recorrentes demandava a reanálise dos fatos e provas constantes dos autos: REsp 41.383⁄RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 19.12.94; REsp 43.228⁄RJ, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 11.11.96; e REsp 619.122⁄MS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 25.05.06.
Diante desse quadro, de existência de entendimentos divergentes no âmbito desta Corte formados a partir de uma mesma base fática – em que a parte exerce a atividade de incorporação imobiliária, construindo em terreno próprio, por sua conta e risco, para venda futura – faz-se imperioso melhor análise da matéria.
Inicio pelo instituto da incorporação imobiliária, disciplinado na Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964.
A incorporação imobiliária é um negócio jurídico que, nos termos previstos no parágrafo único do art. 28 da Lei 4.591⁄64, tem por finalidade promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações compostas de unidades autônomas.
Engloba, portanto, diversos ajustes voltados, basicamente, à venda de unidades imobiliárias autônomas em construção e à formação de um condomínio, como acentua Maria Helena Diniz:

Economicamente, a incorporação é um empreendimento que visa obter, pela venda antecipada dos apartamentos, o capital necessário para a construção do prédio.
É um contrato que abrange as obrigações de dar e fazer, operando seus efeitos em etapas sucessivas, até a conclusão do edifício e a transferência definitiva das unidades autônomas aos seus proprietários, e do condomínio do terreno e das áreas de utilização comum. Esse ajuste que é celebrado no período que antecede a construção, vale, para os tomadores de apartamentos, como compromisso preliminar de aquisição futura, e, para o incorporador, como promessa de construção e venda de apartamentos, com o correspondente condomínio no terreno e nas áreas de utilização comum (In: Curso de Direito Civil Brasileiro. V. 3. 24.ed. São Paulo, Saraiva, 2008, 650).

Por sua vez, incorporador é “a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas” (Lei 4.591⁄64, art. 29).
Ele é o elemento central da incorporação: planeja a edificação, mobiliza e coordena os fatores de produção, comercializa as unidades imobiliárias autônomas que comporão a futura edificação coletiva, averba a construção no Registro de Imóveis, com a consequente individualização das unidades, e institui o condomínio especial.
Nos termos do art. 31 desse diploma legal, a iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador, que somente poderá ser o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou promitente cessionário – com título que lhe assegure a imissão na posse do imóvel e não tenha estipulações impeditivas de sua alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e construção – e o construtor. Admite-se, também, que ele contrate com o proprietário, atribuindo-lhe unidades autônomas como contraprestação.
Como visto, o incorporador não precisa ser o construtor, tanto que a Lei é explícita ao ressalvar no art. 29 “que embora não efetuando a construção”, pois a sua obrigação é promover a construção e alienar frações ideais vinculadas a futuras unidades imobiliárias, formando, ao final, o condomínio edilício.
Ao tratar da atividade de construção no âmbito da incorporação, Melhim Namen Chalhub distingue com precisão:

A atividade de construção está presente no negócio jurídico da incorporação, mas incorporação e construção não se confundem, nem são noções equivalentes. A atividade da construção só integrará o conceito de incorporação se estiver articulada com a alienação de frações ideais de terreno e acessões que a elas haverão de se vincular; mas, independente disso, a atividade de incorporação pode, alternativamente, ser representada somente pela alienação de frações ideais, objetivando sua vinculação a futuras unidades imobiliárias. Obviamente, a incorporação compreende a construção, mas não é necessário que a atividade da construção seja exercida pelo próprio incorporador, pois esse pode atribuir a outrem a construção (Da Incorporação Imobiliária. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 11).

Sob o regime de construção, assim dispõe o art. 48 da Lei 4.591⁄64;

Art. 48. A construção de imóveis, objeto de incorporação nos moldes previstos nesta Lei poderá ser contratada sob o regime de empreitada ou de administração conforme adiante definidos e poderá estar incluída no contrato com o incorporador, ou ser contratada diretamente entre os adquirentes e o construtor (sem destaque no original).

A incorporação, portanto, poderá adotar um dos seguintes regimes de construção:

(a) por empreitada, a preço fixo, ou reajustável por índices previamente determinados (Lei 4.591⁄64, art. 55);
(b) por administração ou “a preço de custo” (Lei 4.591⁄64, art. 58); ou
(c) diretamente, por contratação direta entre os adquirentes e o construtor (Lei 4.591⁄64, art. 41).

Nos dois primeiros regimes, a construção é contratada pelo incorporador ou pelo condomínio de adquirentes, mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços, em que aqueles figuram como tomadores, sendo o construtor um típico prestador de serviços. Nessas hipóteses, em razão de o serviço prestado estar perfeitamente caracterizado no contrato, o exercício da atividade enquadra-se no item 32 da Lista de Serviços, configurando situação passível de incidência do ISSQN.
Na incorporação direta, por sua vez, o incorporador constrói em terreno próprio, por sua conta e risco, realizando a venda das unidades autônomas por “preço global”, compreensivo da cota de terreno e construção. O contrato firmado com os adquirentes, nesse caso, é um compromisso de compra e venda de imóvel em construção.
Nos presentes autos, discute-se, justamente, a incidência do ISS sobre essa última modalidade. Assim, passo a analisá-la.
Utilizo-me, inicialmente, do ensinamento do tributarista Gustavo Masina, exposto no artigo “Incorporação por Contratação Direta (art. 43, Lei 4.591⁄64). Construção Realizada pelo Incorporador em seu Próprio Terreno. Venda de Imóveis antes da Conclusão da Obra. ISSQN: Não incidência”, in verbis:

A incorporação por contratação direta é negócio jurídico no qual de um lado figura o incorporador e de outro os adquirentes. Necessariamente, em tal espécie de negócio (incorporação por contratação direta), o incorporador é o proprietário do terreno. Ele se compromete a construir em seu próprio terreno, individualizar as unidades e vendê-las. A obrigação do incorporador é típica obrigação de dar, não se enquadrando, sob qualquer hipótese, ao conceito constitucional de serviço (obrigação de fazer). O fazer (construir) é simples meio à realização da finalidade do contrato: a venda de unidades imobiliária (RDDT nº 165, junho-2009, p. 77 – sem destaque no original).

De fato, na incorporação direta, o incorporador assume o risco da construção, obrigando-se a entregá-la construída e averbada no Registro de Imóveis. Já o adquirente objetiva adquirir a propriedade de unidade imobiliária, devidamente individualizada e, para isso, paga o preço acordado parceladamente.
A sua finalidade, portanto, é a venda de unidades imobiliárias futuras, concluídas, conforme previamente acertado no contrato de promessa de compra e venda. Desse modo, não cabe a assertiva de que, após a celebração desse contrato, passa a existir uma obrigação de fazer, consistente no término da construção. No caso, a construção é simples meio para atingir-se o objetivo final da incorporação; o incorporador não presta serviço de “construção civil” ao adquirente, mas para si próprio.
Logo, não cabe a incidência de ISSQN na hipótese, já que o alvo desse imposto é atividade humana prestada em favor de terceiros como fim ou objeto; tributa-se o serviço-fim, nunca o serviço-meio, realizado para alcançar determinada finalidade. As etapas intermediárias são realizadas em benefício do próprio prestador, para que atinja o objetivo final, não podendo, assim, serem tidas como fatos geradores da exação.
Nesse sentido, é o ensinamento de Geraldo Ataliba, verbis:

Os leigos tendem a confundir o exercício de “atividades-meios” com prestação de serviço. Calcados na nomenclatura dos serviços – cuja tributação pelo Município é sugerida pelos indigitados Decs.-leis 406⁄68 e 834⁄69 – misturam, embaralham, confundem, equiparam, “tarefas-meio” com prestação de serviços. Na sua simplicidade ingênua, não distinguem a consistência do esforço humano prestado a outrem, sob regime de direito privado, com conteúdo econômico, das ações intermediárias que tornam possível o fazer para terceiros. Reúnem o que não se amalgama. Tratam como iguais fatos absolutamente díspares.
A designação da ação humana pode representar: a) um ato, feito ou obra constitutivos de passo ou etapa para a consecução de um fim; b) o próprio fim ou objeto.
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A baliza põe-se, de modo nítido, a partir da seguinte reflexão: as atividades desenvolvidas em benefício próprio, como requisito, condição (até requinte) para a produção de outra utilidade qualquer para terceiros são sempre ações-meio; além desse marco, situam-se essas mesmas ações ou atividades como fim ou objeto, quando elas, em si mesmas consideradas, refletem a utilidade colocada à disposição de outrem.
Alvo da tributação é o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto. Não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim. Não a ação desenvolvida como requisito ou condição do facere (fato jurídico posto no núcleo da hipótese de incidência do tributo).
As etapas, passos, processos, tarefas são feitas, promovidas, realizadas “para” o próprio prestador e não “para terceiros” ainda que estes indiretamente os aproveitem (já que, aproveitando-se do resultado final, beneficiam-se das condições que o tornaram possível) (ISS – Construção Civil – Pseudo-Serviço e Prestação de Serviço – Estabelecimento Prestador – Local da Prestação. RDT nº 40, abril-junho de 1987, p. 90 – destaque no original).

Além disso, acha-se ausente a figura do tomador de serviço, já que o adquirente assume o papel de promitente-comprador, ou apenas comprador de unidade imobiliária futura. Para fins de tributação, não se pode cogitar de serviço prestado a si mesmo.
De outro turno, não procede o argumento de que a venda das unidades imobiliárias, ainda na fase de construção configura, por si só, prestação de serviço. Em verdade, a celebração de contratos de compra e venda das unidades, quando apenas projetadas ou em construção, é inerente à própria incorporação. Se a aquisição dá-se após a conclusão da obra, haverá uma simples compra e venda.
Nessa linha, cumpre reproduzir excerto da obra Condomínio e Incorporações de Caio Mário da Silva Pereira, que bem resume a sistemática do instituto da incorporação imobiliária, verbis:

Um indivíduo procura o proprietário de um terreno bem situado, e incute-lhe a idéia de realizar ali edificação de um prédio coletivo. Mas nenhum dos dois dispõe do numerário e nenhum deles tem possibilidade de levantar por empréstimo o capital, cada vez mais vultoso, necessário a levar a termo o empreendimento. Obtém, então, opção do proprietário, na qual se estipulam as condições em que este aliena o seu imóvel. Feito isso, via o incorporador ao arquiteto, que lhe dá o projeto. De posse dos dados que lhe permitem calcular o aspecto econômico do negócio (participação do proprietário, custo da obra, benefício do construtor e lucro), oferece à venda as unidades. Aos candidatos à aquisição não dá um documento seu, definitivo ou provisório, mas deles recebe uma “proposta” de compra, em que vêm especificadas as condições de pagamento e outras minúcias. Somente quando já conta com o número de subscritores suficientes para suportar os encargos da obra é que o incorporador a inicia. Se dá a sua execução por empreitada, contrata com o empreiteiro; se por administração, ajusta esta com o responsável técnico e contrata o calculista, contrata os operários, contrata o fornecimento de materiais, etc.
Vendidas todas as unidades, promove a regularização da transferência de domínio, reunindo em uma escritura única o vendedor e compradores que nunca viu, aos quais são transmitidas as respectivas quotas ideais do terreno. (…) Quando o edifício está concluído, obtém o “habite-se” das autoridades municipais, acerta suas contas com cada adquirente e lhe entrega as chaves de sua unidades. Normalmente, é o incorporador que promove a lavratura da escritura de convenção do condomínio.
Nem sempre é observado todo este esquema.
Pode o incorporador, como nota PONTES DE MIRANDA, ser o próprio dono do terreno, que pretende promover a elevação do edifício; (…) (Condomínio e Incorporações. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 231-232).

Desse modo, concluo que não se materializa o fato gerador do ISSQN na hipótese de incorporação imobiliária direta, em que o incorporador constrói em terrenos de sua propriedade, conforme suas próprias especificações, por conta e risco, para venda futura, já que ausente a prestação de serviços a terceiros.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.

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