Alguns Estados estão implantando programas de benefícios fiscais para atrair investimentos para os seus territórios e, por consequência, aumentar a arrecadação do ICMS. Suspensão do pagamento do imposto, créditos outorgados e isenções são alguns dos atrativos oferecidos pelos governos para angariar novos contribuintes.
Um dos exemplos é o programa oferecido por Santa Catarina. Lá é possível que uma empresa importe mercadorias sem pagar o ICMS no momento do desembaraço, normalmente cobrado pelos Estados, e revendê-las pagando um valor bem menor de imposto – por volta de 4%, enquanto que a alíquota em uma situação normal é de 18% em média. Outra vantagem é que na nota fiscal de transferência ou venda interestadual o ICMS, embora seja recolhido por um valor menor, é destacado pela alíquota cheia (12% para São Paulo, por exemplo), o que permite ao destinatário se creditar normalmente do imposto. Não é à toa que muitas empresas estão transferindo as operações de importação para os portos catarinenses.
Não há decisão judicial declarando ilegítima a implantação do benefício fiscal
Do outro lado dessa história estão os Estados prejudicados com a fuga dos contribuintes locais – ou de parte de suas operações – para os Estados que oferecem tais benesses. Eles consideram os programas como o de Santa Catarina ilegais e, por isso, ameaçam autuar os contribuintes que de alguma forma se beneficiam deles. A alegação é que eles violam a Lei Complementar nº 24, de 1975, que prevê que para a validade de um benefício do qual resulte, por exemplo, a redução ou isenção do ICMS, ele deve ser aprovado por todos entes da Federação, condição que grande parte dos programas de incentivo não observa.
A postura natural – e juridicamente correta — que se deveria esperar do Estado lesado seria a de ir ao judiciário contra o Estado que age de maneira ilegal, via Adin. Contudo, como esse tipo de medida na prática não dá resultado, sobretudo por conta da morosidade do Judiciário, a solução encontrada pelos Fiscos estaduais foi a de atacar diretamente os contribuintes, intimidando-os para não se envolverem em operações amparadas por benefícios fiscais ilegais.
A principal maneira com que se vem fazendo isso na prática é o não reconhecimento do direito do destinatário ao crédito do ICMS sobre as mercadorias adquiridas por meio de operações amparadas por esses programas. O Governo de São Paulo se posicionou sobre a questão no Comunicado CAT nº 36, de 2004, por meio do qual afirmou que os contribuintes apenas poderiam efetuar o crédito do ICMS até o montante do imposto efetivamente pago no Estado de origem, independentemente da alíquota destacada no documento fiscal. Esse tipo de prática, no entanto, é absolutamente ilegítima. Quem adquire as mercadorias tem direito ao crédito do imposto destacado na nota fiscal.
Para o contribuinte se valer do direito de se creditar do ICMS destacado na nota fiscal, não se pode exigir o efetivo pagamento do imposto na operação que lhe originou, sob pena de se ofender a sistemática da não cumulatividade. Basta para tanto que o documento fiscal esteja formalmente em ordem e que tenha havido a incidência do imposto. O recolhimento ou não pelo remetente é irrelevante. Foi o que decidiu o STJ recentemente ao analisar um caso que tratava do tema (REsp 1125188/MT, j. 18/05/2010).
O Fisco somente pode considerar indevido o creditamento integral do imposto destacado na nota fiscal se houver decisão judicial declarando ilegal o benefício concedido pelo outro Estado. Não pode a fiscalização presumir que ele seja irregular e que o contribuinte esteja agindo ilegalmente. O que acontece na prática, entretanto, é que não há pronunciamento judicial declarando ilegítima a implantação do benefício fiscal. De maneira arbitrária, o Estado simplesmente pega um atalho e o considera ilegal, autuando o contribuinte.
Outra questão a ser considerada é que não se pode punir o contribuinte que, de boa-fé, adquira mercadorias de outros Estados em regular operação mercantil. Ora, não é razoável condicionar a validade dos créditos à comprovação do pagamento integral do ICMS ao fisco de origem, já que é quase impossível ao destinatário fazer essa prova. Para isso depende do obséquio da empresa remetente em fornecer seus livros e documentos fiscais.
Por fim, e para corroborar todos esses argumentos, a Ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar um caso envolvendo um benefício de Goiás sem autorização dos demais Estados, decidiu recentemente que é inconstitucional a prática de restringir o direito ao crédito como retaliação à guerra fiscal. Segundo ela, a incidência da alíquota interestadual faz surgir o direito à apropriação do ICMS destacado na nota, concluindo que não é dado ao Estado de destino, mediante glosa à apropriação de créditos nas operações interestaduais, negar efeitos aos créditos apropriados pelos contribuintes. (AC 2611 MC, j. 07/05/2010)
Enfim, existem vários aspectos que permitem concluir pela ilegitimidade das medidas perpetradas por Estados como o de São Paulo contra os contribuintes envoltos à guerra fiscal.
Vinicius de Barros é advogado da área tributária do escritório Teixeira Fortes Advogados Associados
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