O ICMS nas operações interestaduais

12/10/2010

Por Vinícius de Barros

Publicado no Valor Econômico, edição de 11/10/10
por Vinicius de Barros

 

Alguns Estados estão implantando programas de benefícios fiscais para atrair investimentos para os seus territórios e, por consequência, aumentar a arrecadação do ICMS. Suspensão do pagamento do imposto, créditos outorgados e isenções são alguns dos atrativos oferecidos pelos governos para angariar novos contribuintes.

 

Um dos exemplos é o programa oferecido por Santa Catarina. Lá é possível que uma empresa importe mercadorias sem pagar o ICMS no momento do desembaraço, normalmente cobrado pelos Estados, e revendê-las pagando um valor bem menor de imposto – por volta de 4%, enquanto que a alíquota em uma situação normal é de 18% em média. Outra vantagem é que na nota fiscal de transferência ou venda interestadual o ICMS, embora seja recolhido por um valor menor, é destacado pela alíquota cheia (12% para São Paulo, por exemplo), o que permite ao destinatário se creditar normalmente do imposto. Não é à toa que muitas empresas estão transferindo as operações de importação para os portos catarinenses.

 

Não há decisão judicial declarando ilegítima a implantação do benefício fiscal

 

Do outro lado dessa história estão os Estados prejudicados com a fuga dos contribuintes locais – ou de parte de suas operações – para os Estados que oferecem tais benesses. Eles consideram os programas como o de Santa Catarina ilegais e, por isso, ameaçam autuar os contribuintes que de alguma forma se beneficiam deles. A alegação é que eles violam a Lei Complementar nº 24, de 1975, que prevê que para a validade de um benefício do qual resulte, por exemplo, a redução ou isenção do ICMS, ele deve ser aprovado por todos entes da Federação, condição que grande parte dos programas de incentivo não observa.

 

A postura natural – e juridicamente correta — que se deveria esperar do Estado lesado seria a de ir ao judiciário contra o Estado que age de maneira ilegal, via Adin. Contudo, como esse tipo de medida na prática não dá resultado, sobretudo por conta da morosidade do Judiciário, a solução encontrada pelos Fiscos estaduais foi a de atacar diretamente os contribuintes, intimidando-os para não se envolverem em operações amparadas por benefícios fiscais ilegais.

 

A principal maneira com que se vem fazendo isso na prática é o não reconhecimento do direito do destinatário ao crédito do ICMS sobre as mercadorias adquiridas por meio de operações amparadas por esses programas. O Governo de São Paulo se posicionou sobre a questão no Comunicado CAT nº 36, de 2004, por meio do qual afirmou que os contribuintes apenas poderiam efetuar o crédito do ICMS até o montante do imposto efetivamente pago no Estado de origem, independentemente da alíquota destacada no documento fiscal. Esse tipo de prática, no entanto, é absolutamente ilegítima. Quem adquire as mercadorias tem direito ao crédito do imposto destacado na nota fiscal.

 

Para o contribuinte se valer do direito de se creditar do ICMS destacado na nota fiscal, não se pode exigir o efetivo pagamento do imposto na operação que lhe originou, sob pena de se ofender a sistemática da não cumulatividade. Basta para tanto que o documento fiscal esteja formalmente em ordem e que tenha havido a incidência do imposto. O recolhimento ou não pelo remetente é irrelevante. Foi o que decidiu o STJ recentemente ao analisar um caso que tratava do tema (REsp 1125188/MT, j. 18/05/2010).

 

O Fisco somente pode considerar indevido o creditamento integral do imposto destacado na nota fiscal se houver decisão judicial declarando ilegal o benefício concedido pelo outro Estado. Não pode a fiscalização presumir que ele seja irregular e que o contribuinte esteja agindo ilegalmente. O que acontece na prática, entretanto, é que não há pronunciamento judicial declarando ilegítima a implantação do benefício fiscal. De maneira arbitrária, o Estado simplesmente pega um atalho e o considera ilegal, autuando o contribuinte.

 

Outra questão a ser considerada é que não se pode punir o contribuinte que, de boa-fé, adquira mercadorias de outros Estados em regular operação mercantil. Ora, não é razoável condicionar a validade dos créditos à comprovação do pagamento integral do ICMS ao fisco de origem, já que é quase impossível ao destinatário fazer essa prova. Para isso depende do obséquio da empresa remetente em fornecer seus livros e documentos fiscais.

 

Por fim, e para corroborar todos esses argumentos, a Ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar um caso envolvendo um benefício de Goiás sem autorização dos demais Estados, decidiu recentemente que é inconstitucional a prática de restringir o direito ao crédito como retaliação à guerra fiscal. Segundo ela, a incidência da alíquota interestadual faz surgir o direito à apropriação do ICMS destacado na nota, concluindo que não é dado ao Estado de destino, mediante glosa à apropriação de créditos nas operações interestaduais, negar efeitos aos créditos apropriados pelos contribuintes. (AC 2611 MC, j. 07/05/2010)

 

Enfim, existem vários aspectos que permitem concluir pela ilegitimidade das medidas perpetradas por Estados como o de São Paulo contra os contribuintes envoltos à guerra fiscal.

 

Vinicius de Barros é advogado da área tributária do escritório Teixeira Fortes Advogados Associados

 

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

 

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.