Execução fiscal. Tiranossauro Rex versus contribuinte

19/11/2010

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Normas gerais mais benéficas supervenientes às normas específicas concebidas para dar tratamento privilegiado a certa categoria, a estas devem preferir em homenagem à coerência do sistema. O presente artigo, que versa sobre execução fiscal mediante emprego da teoria do dialogo das fontes, nos termos do enunciado em epígrafe, foi inspirado na excelente palestra sobre “o efeito suspensivo nos embargos a execução fiscal” proferida pelo Dr. James Marins no XXI Simpósio Nacional de Estudos Tributários, o maior e mais tradicional Encontro de Direito Tributário Brasileiro, realizado nos dias 10 a 12 de novembro de 2010 na Cidade de Porto Alegre, sob a direção e coordenação da Academia Brasileira de Direito Tributário, contando com apoio institucional de todos os órgãos públicos sediados naquela Capital, bem como, o de dezenas de instituições privadas incluindo órgãos da mídia.

Conforme sumariado  pelo insigne palestrante a jurisprudência atual em matéria de execução fiscal:

a)                  de regra não permite a nomeação à penhora de precatório judicial, mesmo na hipótese de a Fazenda exeqüente ser devedora do executado;

b)                  no geral não concede efeito suspensivo aos embargos, nem à apelação do executado;

c)                   não permite apresentação de embargos sem assegurar previamente o juízo pela penhora;

d)                  permite o bloqueio indiscriminado da conta bancária do devedor, conhecido como penhora on-line.

e)                   apenas excepcionalmente permite ao juiz conceder efeito suspensivo aos embargos a requerimento do interessado, quando houver manifesto perigo de dano de difícil ou incerta reparação.

 

A Lei de Execução Fiscal, Lei n° 6.830/80, não contém dispositivo expresso sobre o recebimento dos embargos com efeito suspensivo, mas a sua interpretação sistemática conduz a esse efeito suspensivo, respeitando a tríade que vem desde o Decreto-lei n° 960/38 gerado no ventre da Ditadura: a segurança do juízo, a apresentação de embargos e a suspensão da execução. Essa tríade foi mantida no Código de Processo Civil de 1973, quando a execução fiscal foi incorporada à lei processual genérica. Mantida, também, quando a execução fiscal retornou à regência de lei específica, a Lei n° 6.830/80.

         Não se permite embargos à execução sem penhora, mas uma vez assegurado o juízo pela penhora e apresentados os embargos a estes não se tem dado efeito suspensivo mediante aplicação subsidiária do art. 793-A do CPC, como se houvesse lacuna na lei específica. Parte da doutrina denominou de regime híbrido a técnica de aplicação de normas da lei geral apenas no que concerne aos interesses da Fazenda.

         Na verdade, trata-se de aplicação da teoria do diálogo das fontes como reconhecido, expressamente, em alguns dos julgados do STJ. Disposições benéficas da lei genérica supervenientes às normas da lei específica, Lei n° 6.830/80, são incorporadas nesta última lei em nome da coerência do sistema jurídico que dispensa privilégio à Fazenda Pública.

         Só que, no nosso entender, essa teoria do diálogo das fontes, introduzida entre nós por Cláudia Lima Marques, vem sendo aplicada às avessas, porquanto ela foi aventada para proteger determinadas categorias que merecem tratamentos privilegiados, a fim de assegurar o equilíbrio das partes litigantes: os consumidores em face dos fabricantes e fornecedores; os empregados em face dos empregadores; e por que não os particulares em face do Estado?

         Não é razoável, nos dias atuais em que vige a Constituição Cidadã de 1988, o princípio da estrita legalidade tributária, o princípio da isonomia em seu sentido material e processual conferir privilégios processuais ao Fisco, além daqueles já conferidos pela lei de regência da matéria.

         Não é possível imaginar, por exemplo, a Receita Federal do Brasil como parte que deva merecer tratamento processual privilegiado. A RFB tem como símbolo o Leão, o mais feroz animal carnívoro do planeta, o rei da selva. O gigantesco computador central da RFB é apelidado de Tiranossauro Rex (rei dos répteis tirano), um dos maiores carnívoros terrestres descoberto no oeste americano, cuja cabeça media 1,20 metros, com mandíbulas gigantescas que podiam deglutir um ser humano por inteiro. Originariamente conhecido como Dynamossaurus imperiosus, o Tiranossauro Rex só perdia em ferocidade para seus parentes Giganossauro e Carcarondontosssauro.  O Programa de Inteligência desse Tiranossauro Rex é conhecido como ARPIA, que representa o máximo em termos de tecnologia de informações.

         No momento em que o pobre contribuinte é perseguido e acuado pelo Tiranossauro Rex não faz sentido, data vênia, conceder mais privilégios ao Fisco a pretexto de que este mereceu tratamento específico pela Lei de Execução Fiscal que, repita-se, foi gerada no ventre da Ditadura e perdura até hoje com outra roupagem, apesar de não mais se compatibilizar com os ventos que sopram na nova República.

         Na realidade, tendo em vista o avanço tecnológico da Fazenda, que monitora as atividades diárias dos contribuintes e os persegue com expedição automática de milhares de intimações tiranizadas que não comportam contestação, mas simples “envelopamento”, deveria o estatuto específico da execução fiscal privilegiar  a parte fraca,  desamparada e sempre acuada, qual seja, o contribuinte. Só assim a ordem jurídica como um todo se harmonizaria com o Estado Democrático de Direito, onde vigem as garantias fundamentais protegidas por cláusulas pétreas. Isso se harmonizaria, também, com o princípio da responsabilidade objetiva do Estado incorporado no Texto Magno.

         Fornecer mais munições ao Tiranossauro Rex, para combater o indefeso o cidadão contribuinte, é o mesmo que  desequilibrar a balança da Justiça. Afinal, o Estado deve existir em função da sociedade e não o contrário. Já dizia Ataliba Nogueira que o Estado é meio e não fim.

         A verdadeira aplicação da teoria do diálogo das fontes conduz exatamente ao contrário do rumo traçado pela jurisprudência atual. É preciso que se considere incorporado ao microssistema da Lei n° 6.830/80 a possibilidade de apresentação de embargos à execução sem prévia penhora como permite o Código de Processo Civil.

         Enquanto não houver alteração jurisprudencial é conveniente que o embargante requeira sempre a concessão de efeito suspensivo aos embargos, alegando manifesto perigo de dano de difícil ou incerta reparação, pois na hipótese de decisão final favorável ao embargante este teria que pleitear a indenização, por via de ação ordinária, hipótese em que a decisão contra a Fazenda deverá ser executada por via de precatório, por si só, representativo de grave risco de dano de difícil ou incerta reparação, como proclamado pelo Superior Tribunal de Justiça.

SP, 16-11-10.

 

Kiyoshi Harada

Jurista, com 22 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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