Criação da Câmara de Direito Empresarial é notícia alvissareira

19/05/2011

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

A criação, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, da Câmara Reservada de Direito Empresarial (Resolução nº 538/11), é uma grande notícia. De acordo com a exposição de motivos, a medida teve o objetivo de agilizar julgamentos, garantir maior segurança jurídica e uniformizar a jurisprudência. Mas em termos práticos ficou claro o objetivo maior da corte: a especialização no julgamento dos temas afeitos ao direito de empresa, isto é, fazer com que estes sejam apreciados por quem de fato mais entende do riscado.

A iniciativa é por demais louvável, deve ser aplaudida por todos os operadores do direito em geral, e em especial pelos que militam no direito empresarial. O novo órgão será composto por desembargadores escolhidos dentre aqueles que se inscreveram espontaneamente na Diretoria da Magistratura (Edital 7, de 15 de março de 2011, da Diretoria da Magistratura – DIMA, por deliberação do Órgão Especial do Tribunal de Justiça). A inscrição voluntária, sem dúvida alguma, autoriza a presunção da proximidade do magistrado com os temas submetidos a julgamento pelo novo órgão.

De fato, a proposta tende a proporcionar maior segurança aos jurisdicionados, e vem no encalço de experiências bem sucedidas, eis que no âmbito desse mesmo Tribunal já funcionam duas outras câmaras especializadas – a Câmara Reservada à Falência e Recuperação, e a Câmara Reservada ao Meio Ambiente – que vêm mostrando desempenhos diferenciados, quando comparados com período anterior ao de suas respectivas concepções, ou mesmo ao trabalho dos tribunais de outras jurisdições que não adotam método similar.

A exemplo do que aconteceu nas experiências anteriores, a competência  dessa câmara foi fixada em função da relação material em litígio. Pressupõe-se, por óbvio, que o conhecimento mais aprofundado do direito material envolvido diminua a probabilidade de erro na aplicação da lei ao caso concreto.

O novo órgão pronunciar-se-á nas questões de direito empresarial, propriedade industrial, concorrência desleal e franquia. São ramos tão específicos que permitem concluir, até por intuição, que a ciência dos fatos e a valoração das provas demandam premissas e critérios diferentes daqueles que orientam a responsabilidade civil ou o direito de família, por exemplo. De fato, a especialização antecede o próprio Estado de Direito. Em tempos remotos, os anciãos eram chamados para resolver conflitos. Acreditava-se que conheciam os costumes, os valores e anseios de um determinado grupo, e que, por conhecer-lhes a integração, estavam aptos a dizer qual o interesse haveria de prevalecer em detrimento do outro.

Por outro lado, não se pode ignorar que o comando contido na norma de direito material é necessariamente abstrato, e de que é por meio da atividade jurisdicional que ganha efetividade na solução de conflitos. Sob tal enfoque, a uniformização da jurisprudência é fator de segurança, eis que são inúmeros os exemplos em que uma mesma questão mereceu entendimentos diferenciados, dependendo da turma julgadora, dentro de um mesmo tribunal, e até mesmo dentro de uma mesma Câmara!

Para ficar no âmbito do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, tome-se de exemplo caso emblemático, ocorrido na Sétima Câmara de Direito Privado. Em decisão ricamente fundamentada, proferida no Agravo de Instrumento número 645.380-4/1-00, a turma julgadora, por unanimidade, deferiu pedido de antecipação de tutela formulado por um dos sócios, suprindo a omissão de outros dois, que se negaram a fazer o aumento do capital social de uma indústria farmacêutica, e nem tampouco permitiram que o primeiro o fizesse. A medida era necessária para pagar dívida objeto de execução judicial, cujo valor equivalia a cerca de vinte vezes o valor do capital social, e já havia gerado a penhora de todas as contas bancárias da sociedade, que se vira sem capital de giro para pagar sequer despesas correntes.

Nos fundamentos daquele escorreito acórdão, que se afinara com dois princípios basilares do Direito de Empresa – o da preservação da empresa e o de que o direito de voto deve ser exercido sempre no interesse da sociedade, com primazia sobre o interesse individual – ponderou-se que a medida não teria influência na proporcionalidade da composição do capital; que esse evidentemente já não refletia o volume de negócios da sociedade; e que a providência era, afinal, inafastável, posto necessária para pagamento de haveres de ex-sócio, que já dispunha de título judicial transitado em julgado.

Mas a composição da Câmara se alterou. Dois anos mais tarde, capital integralizado e dívida paga, a mesma Câmara veio então a se pronunciar em sentido diametralmente oposto: a autorização para o aumento do capital social estava revogada. Os sócios que se entendessem, foi o que decidiu a nova composição. Ao invés de resolver o conflito, o que a decisão fez foi recrudescê-lo.

Mais curioso ainda é o fato de que a mudança na composição da Câmara não foi total. Um dos integrantes, que antes houvera votado a favor do referido aumento de capital, desta feita votou contra! Contudo, não declarou seu voto, com isso não permitindo, sequer, fossem conhecidas as razões que conduziram à mudança de entendimento. Simples assim. Ora, só mesmo o distanciamento do magistrado em relação à temática sob seu julgamento poderia explicar uma mudança tão dramática de posicionamento – e, com todo respeito, tão à margem da boa técnica. Mas veja-se o seguinte: na seção de julgamento, além do caso, constavam da pauta dezenas de casos, cujo feixe abarcava desde a busca e apreensão de uma criança por parte de um dos pais, dentre outros temas críticos ligados à área do direito de família, até conflitos possessórios, temas, enfim, absolutamente diversos daquele em comento.

A adoção de interpretações tão díspares constitui, sem dúvida, fator de insegurança jurídica, e a criação de câmara especializada em Direito de Empresa tende a atenuar esse fator, que em última análise conduz à iniqüidade e à injustiça.

A uniformização da jurisprudência, último dos motivos apontados (e já assegurada processualmente em instâncias superiores e por meios próprios), apresenta-se como instrumental útil à realização dos outros dois: agilidade e segurança. O julgador poderá pronunciar-se com mais rapidez se tiver condições de se orientar por decisões proferidas em causas semelhantes – este fato é inequívoco e dispensa comentários. Nesse diapasão, a proposta de agilizar julgamentos vem somar-se a outras que se orientam no mesmo sentido, podendo ser lembradas, por exemplo, a instituição dos processos eletrônicos, trazida pela Lei 11.419/2006, a edição de súmulas vinculantes e até o projeto de alteração legislativa para o novo estatuto processual civil, que aponta declaradamente nessa direção.

Afinal, podemos afirmar, na melhor companhia, que o processo só cumprirá sua finalidade de pacificação social se houver rapidez na prestação jurisdicional, sem o que o Estado terá falhado em sua missão, “Pois tudo toma tempo e o tempo é inimigo da efetividade da função pacificadora. A permanência de situações indefinidas constitui fator de angústia e infelicidade pessoal. (…) Eis aí a demora na solução de conflitos como causa de enfraquecimento do sistema” (Teoria Geral do Processo – Antônio Carlos de A. Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco – 20ª Ed. Malheiros – pág. 26).

Entendemos que a demora do trâmite processual em primeiro grau de jurisdição não foge ao padrão de outros países, mas que a desvantagem ocorre nas instâncias superiores, em grau de recurso. Neste sentido, a atuação de uma câmara especial deve traduzir-se em maior rapidez no julgamento da causa sem prejuízo da excelência dos julgamentos.

Só temos razões para comemorar a iniciativa do Egrégio Tribunal de Justiça Paulista e a Resolução de S. Exa. o nobre Presidente Antonio Luiz Reis Kuntz.

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