De dentro de casa: Excepcionalmente, verba salarial pode ser penhorada

06/07/2011

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

A legislação prevê que o salário de uma pessoa não pode ser penhorado. O objetivo da norma é preservar os meios necessários à subsistência da pessoa, mantendo livre da penhora a sua remuneração básica, encarada como de natureza alimentar. Essa é a regra. Porém, se for constatado que o valor recebido é mais do que suficiente para o suprimento das necessidades básicas do devedor, vindo este a compor uma reserva de capital, a verba perde seu caráter alimentar, tornando-se penhorável. Foi o que sustentou o Teixeira Fortes em uma ação de execução proposta por uma factoring por si representada. A tese foi acolhida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), que assegurou para a empresa o direito de penhorar os valores depositados na conta bancária do devedor. Foi demonstrado que o devedor vinha juntando dinheiro mês a mês, valores que ele pretendia utilizar para o pagamento de viagem internacional, em detrimento da dívida que possuía perante a factoring. Diante das provas apresentadas pela factoring, o TJPR considerou que o dinheiro depositado na conta bancária do devedor, ainda que proveniente de salário, perdeu o caráter alimentar, sendo por isso penhorável. O inteiro teor da decisão pode ser conferido abaixo.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. AGRAVO. ESPÉCIE POR INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. EXEGESE DO ART. 557, CPC. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA “ON LINE”. CONTA CORRENTE. SALÁRIO. SALDO REMANESCENTE. VERBA EXCEDENTE. PERDA DO CARÁTER ALIMENTAR. POSSIBILIDADE DE PENHORA.

1. Penhora. Com o advento da Lei 11.382 de 06/12/2006, que alterou a redação do inc. I do art. 655, restou expresso a possibilidade de penhora de dinheiro em espécie, em depósito ou aplicação em instituição financeira, podendo o Juiz valer-se dos meios eletrônicos para determinar a indisponibilidade do numerário.

2. Salário. Penhorabilidade. As verbas de origem salarial, desde que descaracterizadas do caráter alimentar, podem ser objeto de penhora,
notadamente, se as movimentações financeiras in casu, não asseguram que o saldo disponível em conta corrente se trata somente de verba salarial.

Recurso de agravo desprovido.

Vistos e examinados estes autos de recurso de Agravo, na espécie de Instrumento, autuado sob nº 790.548-6, o qual encontra-se apto a suportar decisão monocrática do Relator, a teor do art. 557, do CPC.

1. Trata-se de recurso de agravo, na espécie por instrumento, em face de decisão interlocutória proferida em “execução de título extrajudicial”, autuada sob nº 33.173/2010, a qual indeferiu o pedido de nulidade da penhora realizada na conta bancária da executada.

2. Irresignada, pretende a agravante a reforma da decisão, alegando em síntese: a) que a penhora recaiu sobre os proventos recebidos da empresa Nissan do Brasil na condição de assistente de compras; b) que os valores existentes na conta corrente são para custear sua viagem à Irlanda; c) que a quantia havida na conta é composta pelos salários e pelas verbas rescisórias da agravante; d) que o fato da agravante se prevenir e guardar seu salário não retira o caráter salarial da verba; e) alternativamente, seja efetuada a penhora no limite de 30% da conta do agravante.

Verbas Salariais – Impenhorabilidade

3. Via de regra, as verbas salariais não podem ser objeto de penhora, por força da impenhorabilidade absoluta prevista no artigo 649, IV, do Código de Processo Civil:

“São absolutamente impenhoráveis: (…) os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios, as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no §3º deste artigo”.

3.1. O escopo do legislador foi o de preservar os meios necessários à subsistência do executado, mantendo livre da penhora a remuneração do devedor, em razão de seu caráter alimentar.

4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça1 já decidiu diversas vezes que é indevida a penhora de percentual de depósitos em conta-corrente, onde são depositados os proventos do assalariado, por ser uma das garantias asseguradas pelo art. 649, IV, do CPC.

4.1. Esse também é o entendimento deste eg. Tribunal de Justiça do Paraná: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA SOBRE 30% DAS VERBAS SALARIAIS. IMPOSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA DO SALÁRIO. ART. 649, IV, DO CPC. PENHORA RESTRITA AOS DEMAIS VALORES EXISTENTES EM CONTA. DECISÃO MANTIDA.

Em que pese a penhorabilidade dos valores existentes em conta de titularidade do devedor, inclusive naquela em que há o depósito de salário, as verbas salariais não podem ser objeto de penhora, nem mesmo se limitadas ao percentual de 30%, por força de sua impenhorabilidade absoluta, prevista no artigo 649, IV, do Código de Processo Civil. Agravo de Instrumento não-provido2”.

Salário. Penhora.

5. Entretanto, analisando as particularidades apresentadas, denota-se possível a penhora dos valores depositados na conta corrente da agravante.

5.1. Extrai dos documentos3 acostados que a recorrente auferia vencimentos no valor de R$2.237,09 à R$4.414,98, conforme o mês, e a quantia penhorada de sua conta corrente foi de R$13.027,52 (fls.181TJ). Embora o bloqueio judicial tenha incidido sobre conta bancária utilizada para depósito dos proventos do devedor, infere-se que há uma “sobra” na referida conta, o que possibilita sua penhora.

5.2. Ainda que alegue a agravante que o valor excedente é decorrente do recebimento de suas verbas rescisórias, não há qualquer prova neste sentido. Pelo contrário, verifica-se que a rescisão do contrato de trabalho ocorreu em 03/12/20104, e o bloqueio judicial em 01/12/2010 (fls. 181-TJ), ou seja, anterior ao recebimento de tais verbas.

6. Tendo o valor entrado na esfera de disponibilidade do recorrente, sem que tenha sido consumido integralmente para o suprimento de necessidades básicas, vindo a compor uma reserva de capital, a verba perde seu caráter alimentar, tornando-se penhorável.

6.1. Note-se, que a própria agravante reconhece que os valores existentes na conta estavam sendo mantidos para custear sua viagem à Irlanda. Como bem destacou a decisão objurgada (fls. 254-TJ), “se a executada guardou dinheiro para viajar, é porque se tratava de numerário excedente e, portanto, não indispensável a sua sobrevivência”.

A recorrente vem economizando seu salário em detrimento da dívida contraída frente ao exequente. Evidentemente, este não é o espírito
norteador do art. 649, IV, do CPC, que estabelece a impenhorabilidade de vencimentos somente para garantir os meios de subsistência do trabalhador.

7. Tratando-se de remunerações e parcelas salariais que perderam o caráter alimentar, pois lhe foram atribuídas outras finalidades estranhas à
subsistência do beneficiado, nada obsta que possam compor o complexo de bens sujeitos à expropriação. Prova de que necessitava de todo numerário vinculado à conta bancária para subsistência alimentar, incumbia ao devedor, a teor do art. 333, inc. I do CPC, o que inexistiu.

7.1. É inaceitável que verbas de origem salarial, que perderam o caráter de subsistência, fiquem inteiramente isentas de excussão patrimonial. Se a Lei permite a penhora de saldo de poupança, nos termos do art. 649, inc. X, é porque pouco importa a origem ou natureza da verba depositada, podendo ser atingida pela constrição executiva5.

8. A constrição patrimonial ora questionada, por si só, não viola a regra da menor onerosidade, prevista no art. 620, do CPC, já que esta não se sobrepõe a outros que informam o processo de execução, especificamente, aquela inserida no art. 612, que consagra a maior utilidade da execução para o credor e impede que seja realizada por meios ineficientes à solução do crédito exeqüendo. O Superior Tribunal de Justiça já operou a compatibilização entre os diversos princípios e regras que informam o processo de execução, concluindo pela possibilidade de a penhora recair em dinheiro existente em conta bancária.

8.1. Vale destacar, que grande parte da população é formada de assalariados que possuem como única fonte de renda os rendimentos do trabalho. Impedir que as contas e depósitos bancários dessas pessoas sejam passíveis de penhora, equivale a tornar ineficaz o processo de execução. Necessário se faz, buscar um equilíbrio entre a regra da impenhorabilidade salarial e a satisfação do direito de crédito do exeqüente. Não é possível admitir que o devedor assalariado continue a preservar suas aplicações e depósitos bancários, sem sofrer qualquer diminuição em seu patrimônio, apesar de não adimplir com a dívida que contraiu. A imunidade absoluta das verbas de origem salarial, além de ser injusta para o credor, também produz uma demasiada proteção processual ao devedor, gerando um sentimento de ineficiência da máquina judiciária, em um desequilíbrio nos negócios.

9. Nesse sentido, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de justiça: “Processual civil. Recurso Especial. Ação revisional. Impugnação ao cumprimento de sentença. Penhora on line. Conta corrente. Valor relativo a restituição de imposto de renda. Vencimentos. Caratér alimentar. Perda. Princípio da efetividade. Reexame de fatos e provas. Incidência da Súmula 7/STJ. (…). Em princípio, é inadmissível a penhora de valores depositados em conta corrente destinada ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte do devedor. – Ao entrar na esfera de disponibilidade do recorrente sem que tenha sido consumido integralmente para o suprimento de necessidades básicas, a verba relativa ao recebimento de salário, vencimentos ou aposentadoria perde seu caráter alimentar, tornando-se penhorável. – Em observância ao princípio da efetividade, não se mostra razoável, em situações em que não haja comprometimento da manutenção digna do executado, que
o credor não possa obter a satisfação de seu crédito, sob o argumento de que os rendimentos previstos no art. 649, IV, do CPC gozariam de impenhorabilidade absoluta. – É inadmissível o reexame de fatos e provas em recurso especial. Recurso especial não provido”.

“PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. ATO JUDICIAL. EXECUÇÃO. PENHORA. CONTA-CORRENTE. VENCIMENTOS. CARÁTER ALIMENTAR. PERDA. (…). Em princípio é inadmissível a penhora de valores depositados em conta-corrente destinada ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte do devedor. Entretanto, tendo o valor entrado na esfera de disponibilidade do recorrente sem que tenha sido consumido integralmente para o suprimento de necessidades básicas, vindo a compor uma reserva de capital, a verba perde seu caráter alimentar, tornando-se penhorável. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento”. 7

9.1. Na mesma trilha, a jurisprudência deste eg. Tribunal de Justiça do Paraná: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – EXECUÇÃO – VALOR REFERENTE A HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – CARÁTER ALIMENTAR – BLOQUEIO DE CONTA BANCÁRIA – CONTA UTILIZADA PARA RECEBIMENTO DE FUNDO DE PENSÃO – VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR – IMPENHORABILIDADE – NÃO COMPROVADA A EXCLUSIVIDADADE DE CONTA SALÁRIO – PENHORA “ON LINE” – POSSIBILIDADE – VALORES EM CONTA CORRENTE – MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS – 30% DO SALDO REMANESCENTE – VERBA EXCEDENTE – PERDA DO CARÁTER ALIMENTAR AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO”.

9.1.1. Ainda: – TJPR – 11ª C.Cível – AI 0638940-2 – Rel. Des Mendonça de Anunciação – J. 17.03.2010;

– TJPR – 6ª C.Cível – AI 0624885-7 – Rel. Des. Sérgio Arenhart – J. 02.03.2010;

– TJPR – 15ª C.Cível – AI 0530227-0 – Rel. Des. Jurandyr Souza Junior – J. 14.01.2009;

– TJPR – 1ª C.Cível – AI 0544913-0 – Rel. Desª Dulce Maria Cecconi – Unânime – J. 07.04.2009;

– TJ-PR- 1ª. C.Cível – AI nº. 410.008-7- Dec. Mnocrática. Rel. Edgard

Fernando Barbosa. DJ 21.09.2007;

10. Por tais razões, com fincas no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, por decisão monocrática do Relator, conclui-se em negar provimento ao recurso de agravo, eis que a decisão objurgada encontra-se em consonância com a jurisprudência deste Tribunal e dos Tribunais Superiores.

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.