A dinâmica do comércio e dos serviços, e a praxe incorporada à atividades das sociedades empresárias, naturalmente tornaram inviável colher, nas duplicatas mercantis e de serviços, a assinatura do próprio sócio ou representante legal do sacado, no ato da entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços. A obrigação da assinatura na duplicata é, quase que invariavelmente, dirigida a um terceiro, sem poder de representação. Daí decorrem certos questionamentos acerca da eficácia daquele ato jurídico. Esse fenômeno de há muito já foi reconhecido pela Doutrina e pela Jurisprudência. Segundo Rubens Requião “É exigir demais, com efeito, no âmbito do comércio, onde as operações se realizam em massa, e por isso sempre em oposição com o formalismo, que a todo instante o terceiro que contrata com uma sociedade comercial solicite desta a exibição do contrato social, para verificação dos poderes do agente” (Comentários ao Novo Código Civil, 2006, vol. XIV, p. 187/188). Na jurisprudência, é adotada a teoria da aparência, na qual é reputado válido o ato praticado por aquele que aparenta ser titular do direito ou ter os necessários poderes, como uma necessidade de se conferir segurança às operações jurídicas, amparando os que procedem de boa-fé. Nesse sentido:
STJ, REsp nº 68.682/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Barbosa, j.13/02/2007:
RECURSO ESPECIAL. COMERCIAL. TÍTULOS DE CRÉDITO. DUPLICATA. ACEITE. TEORIA DA APARÊNCIA. AUSÊNCIA DE ENTREGA DAS MERCADORIAS. EXCEÇÃO OPOSTA A TERCEIROS.PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DAS CAMBIAIS. IMPOSSIBILIDADE. (…) Debate-se, in casu, a possibilidade de oposição à recorrente, empresa de factoring e atual portadora dos títulos (dezenove duplicatas aceitas por funcionário da empresa recorrida), da inexistência de lastro negocial entre os contratantes originários, como restou comprovado nas instâncias ordinárias. (…) Ademais, houve o aceite dos títulos, por parte de funcionários da empresa recorrida, cuja ausência de poderes bastantes para tanto, como registrado na sentença primeva, não constituiu empecilho à validade do ato; verbis: "(…) Em relação aos aceites apostos às cártulas pelos ex-empregados Gilberto Carlos Lopes e Hélio Ribeiro da Costa, respectivamente Gerente de Setor e Gerente do Departamento de Bazar, tais subscrições não renderiam ensejo, por si só, à invalidação do negócio, vindo em socorro à embargada, neste tópico, a Teoria da Aparência nas relações mercantis, não lhe sendo exigível o prévio conhecimento dos Estatutos Sociais da empresa para averiguação dos poderes conferidos aos aceitantes das cártulas. Pelo exposto, tenho que a solução se encontra na reforma dos julgados precedentes, isso porque, ainda que a duplicata mercantil tenha por característica o vínculo à compra e venda mercantil ou prestação de serviços realizada, ocorrendo o aceite – como verificado nos autos -, desaparece a causalidade, passando o título a ostentar autonomia bastante para obrigar a recorrida ao pagamento da quantia devida, independentemente do negócio jurídico que lhe tenha dado causa” (grifou-se)
STJ, REsp nº 1102227/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12/05/2009:
DIREITO COMERCIAL. DUPLICATA ACEITA E ENDOSSADA EM GARANTIA PIGNORATÍCIA. EXECUÇÃO PELO ENDOSSATÁRIO DE BOA-FÉ. OPOSIÇÃO PELO SACADO. IMPOSSIBILIDADE. AUTONOMIA E ABSTRAÇÃO DO TÍTULO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. FINS NÃO PROCRASTINATÓRIOS. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, CPC. INAPLICABILIDADE. “A duplicata mercantil é título de crédito criado pelo direito brasileiro, disciplinada pela Le i 5.474/68, submetendo-se a o mesmo regime jurídico cambial dos demais títulos de crédito, sujeita, portanto, aos princípios da cartularidade, da literalidade e, principalmente, da autonomia das obrigações. Nos termos do art. 15 da Lei nº 5.474/68, para execução judicial da duplicata basta o próprio título, desde que aceito. Assim, não se exige que o endossatário confira a regularidade do aceite, pois se trata de ato pelo qual o título transmuda de causal para abstrato, desvencilhando-se do negócio originário. Ausente qualquer indício de má-fé por parte do endossatário, exigir que ele responda por fatos alheios a o negócio jurídico que o vinculam à duplicata contraria a própria essência do direito cambiário, aniquilando sua principal virtude, que é permitir a fácil e rápida circulação do crédito. Embargos de declaração que tenham por fim o prequestionamento não se sujeitam à sanção do artigo 538, parágrafo único, do CPC. Súmula 98/STJ. Recurso especial conhecido e parcialmente provido” (grifou-se).
TJSP, Apelação nº 0000595-87.2009.8.26.0291, 37ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Dimas Carneiro, j. 07/07/2011:
EMBARGOS À EXECUÇÃO – DUPLICATA – EXIGIBILIDADE DO TÍTULO – MERCARDORIAS ENTREGUES NA SEDE DA EMPRESA – RECEBIMENTO E ASSINATURA ATRAVÉS DE PRESUMIDO FUNCIONÁRIO DA EMPRESA – ADMISSIBILIDADE – TEORIA DA APARÊNCIA – IMPROCEDÊNCIA MANTIDA – APELO DESPROVIDO.
“Dessa forma, se a pessoa que assinou o comprovante de recebimento de mercadorias era ou não funcionário da embargante não importa, pois é dever da empresa organizar-se e controlar o acesso de pessoas à sua sede, não sendo o entregador obrigado a supor que o recebedor, embora presente na sede da empresa destinatária, não é funcionário desta última. É a teoria da aparência a beneficiar a embargada. Pacífica a jurisprudência nesse sentido:
“EMBARGOS À EXECUÇÃO – Duplicata – Exigibilidade – Título acompanhado de nota fiscal, comprovante de entrega dos produtos e protesto – Ausência de demonstração de que os produtos não foram entregues – Recibos de parte do pagamento – Assinaturas por pessoa com o mesmo sobrenome da razão social da empresa – Teoria da aparência – Sentença mantida. Recuso não provido". (Apelação nº 0000317-05.2001.8.26.0441, 37ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Tasso de Melo, j. 06/08/2010).
"(…) Cambial – Duplicatas – Alegação de que a compra e venda não foi efetuada por alguém que faça parte da diretoria da autora – irrelevância – teoria da aparência – Teoria que visa protegero o terceiro de boa-fé, que contrata com quem, aparentemente, pelas circunstâncias em que atua, tem poderes para tanto (…)". (Apelação nº 9221153-50.2003.8.26.0000, 23ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. José Marcos Marrone, j. 14/04/2010 – grifou-se).
Assim, é válido o aceite em duplicata, por quem não tem poderes expressos para esse fim, em face do princípio da boa-fé que deve nortear a rotina do comércio. Ademais, seria inviável exigir sempre o contrato social da empresa para verificar se a pessoa que irá assinar a duplicata tem ou não poderes de representação, e também é sabido que na prática, são os funcionários dos estabelecimentos que recebem as mercadorias, pois, na maioria das vezes, o empresário sequer permanece no estabelecimento.
Gabriela de Andrade Coelho Terini
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