Aviso prévio proporcional ao tempo de trabalho
O aviso prévio de até 90 dias entrou em vigor em 13/10/2011 com a publicação da Lei nº 12.506 no Diário Oficial, para todos os trabalhadores que estão na ativa e têm carteira assinada, regulamentando o inciso XXI do art. 7º da Constituição Federal.
De início, vale mencionar que o texto sancionado já tramitava desde 1989 no Senado. Na verdade, a aprovação somente ocorreu após o Supremo Tribunal Federal ameaçar definir a questão por meio de decisão judicial, em face da ausência de legislação sobre o assunto.
Como a pressa é inimiga da perfeição, a função legislativa foi cumprida pela metade, pois a Lei padece de inúmeras lacunas, com repercussão nos fóruns legais e opiniões divergentes pelos especialistas da área, como a seguir demonstrado.
De forma sucinta, a Lei define que “o aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de serviço na mesma empresa” (art. 1º).
Menciona ainda que “ao aviso prévio previsto neste artigo serão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias” (parágrafo único do art. 1º).
A nova Lei não trouxe disposições transitórias quanto ao direito intertemporal aplicável, com o objetivo de evitar conflitos que emergem da aplicação da nova regra do aviso prévio com aquela anterior.
Entendemos que o novo prazo do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço não atingirá os contratos extintos nos últimos dois anos, uma vez que a própria Constituição Federal não permite a retroatividade. Em que pese a Força Sindical ter afirmado que instruirá os trabalhadores a ingressar com ações exigindo os valores pela nova regra, o STF já decidiu em outros casos análogos pela não retroatividade da Lei.
Ocorre que a lacuna mais relevante na nova Lei está no alcance do novo aviso prévio aos contratos de prazo indeterminado, que permite três interpretações quanto sua aplicação:
Para ilustrar a questão imaginemos a seguinte situação: um empregado que é dispensado hoje, contando com 4 anos de trabalho na mesma empresa. Pela primeira (i) e segunda (ii) interpretação, o aviso prévio a ser concedido será o da Lei anterior (30 dias). Pela terceira (iii) corrente, o empregado deverá ter 9 dias de acréscimo no período do aviso prévio, opção que provavelmente prevalecerá nos Tribunais e/ou eventual regulamentação posterior.
Todavia, entendemos que se o contrato de trabalho foi firmado antes da vigência da Lei, ou seja, 13/10/2011, e na época não havia regulamentação sobre a matéria, as partes não podem ser surpreendidas com o aumento repentino do período de concessão do aviso prévio, afetando essencialmente grandes empresas e contratos antigos. Trata-se de grave insegurança jurídica nas relações de trabalho, além de mais um encargo a ser suportado pelas empresas.
Fundamentamos nossa posição no art. 5º, XXXVI, da CF e no art. 6º, §§ 1º e 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) que prescrevem que a lei em vigor tem efeito imediato e geral, respeitado o ato jurídico perfeito. Assim, a nova lei não pode retroagir para incidir sobre fatos e situações jurídicas consumadas antes da sua entrada em vigência, no caso o contrato de trabalho firmado e o tempo de serviço já consumado.
Pela interpretação intermediária, no direito do trabalho se aplica a norma vigente ao tempo da constituição do direito, sendo que norma posterior terá aplicação imediata para os direitos que forem adquiridos durante sua vigência. Se a contagem do tempo de serviço passar a ser realizada para os contratos em curso, a partir da vigência da Lei, sua aplicação não deixará de ser imediata, porém terá menor impacto aos empregadores, garantindo um período mínimo de adaptação e previsão orçamentária.
Por outro lado, não faltam argumentos para sustentar a prevalência da aplicação imediata e contagem retroativa aos contratos em curso. Um deles se pactua pela analise do fato gerador (dispensa) que ocorreu na vigência da nova regra, com aplicação imediata (caráter imperativo) da norma de Direito do Trabalho sobre a relação em curso. Outro, pela natureza do contrato de trabalho, como de trato sucessivo e de prestação continuada, que por perdurar no tempo, quando da vigência da lei nova, seus efeitos ainda não estavam integralmente produzidos e poderia ter sua regra contratual alterada mediante lei posterior, desde que tenha por escopo favorecer o trabalhador, sob pena de ofensa ao princípio constitucional do não retrocesso social. Por último, não podemos esquecer a intenção de desestimular o poder potestativo do empregador de dispensar o empregado sem justa causa. Nesse sentido vale citar o jurista Amauri Mascaro Nascimento:
“Os conflitos de lei no tempo, em direito do trabalho, são resolvidos segundo o princípio do efeito imediato. Significa que uma lei nova tem aplicabilidade imediata, recai desde logo sobre os contratos em curso à data de sua vigência, embora constituídos anteriormente, mas ainda não extintos. Portanto, à medida que novas leis trabalhistas são editadas, todos os que são empregados, por ocasião de sua vigência se beneficiarão.” [1]
Importante lembrar as conseqüências para o empregador ao não aplicar a nova regra, ou seja, quitar uma rescisão contratual sem o acréscimo do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, nas opções (i) e (ii) acima abordadas. O Sindicato poderá opor ressalva na rescisão ou até mesmo se recusar a homologá-la, ocasião em que a empresa deverá buscar a Delegacia Regional do Trabalho local para realizar tal homologação, que provavelmente conterá a ressalva. Excepcionalmente a Câmara Arbitral (Lei 9307/96) poderá ser utilizada para quitação do contrato de trabalho, com liberação das guias respectivas para levantamento do FGTS e Seguro Desemprego, se o caso, mas prescinde de comum acordo entre as partes.
Vale mencionar que o não pagamento do aviso prévio ampliado poderá acarretar ainda discussão perante a Justiça do Trabalho, em eventual Reclamação Trabalhista, aumentando ainda mais o custo da dispensa ao empregador, cujas chances de êxito não podemos arriscar diante da inexistência de jurisprudência quanto ao tema.
O aviso prévio é bilateral, ou seja, pode ser exigido também pelo empregador, nos casos em que o trabalhador decide rescindir o contrato. Nesse sentido, quanto maior o prazo do aviso, maior será a indenização.
Afinal, a inovação ora tratada é dirigida somente em favorecimento aos empregados ou os empregadores também terão que ser indenizados na mesma modalidade?
No silêncio da Lei, pelas regras e princípios do direito do trabalho, a interpretação é favorável ao empregado a fim de viabilizar esta nova modalidade de aviso prévio. Assim, há entendimento de que deve ser aplicada exclusivamente quando ocorrer a hipótese de indenização do aviso prévio pelo empregador, ou seja, quando este tiver a obrigação ou optar por indenizar o aviso prévio, deverá fazê-lo nesta nova modalidade.
Do contrário, o empregado quando tiver que cumprir o período do aviso prévio, deverá fazê-lo na modalidade da Consolidação das Leis do Trabalho sem esta alteração, ou seja, somente está obrigado a trabalhar ou indenizar 30 dias de aviso prévio.
Acreditamos que esse entendimento prevaleça, pela própria natureza do instituto e do caráter protecionista do direito do trabalho, pois o período do aviso prévio é destinado à procura de um novo emprego, sendo razoável que um trabalhador que está no mesmo emprego há mais tempo precise de um período maior para se recolocar no mercado de trabalho.
Porém, há quem entenda que a nova Lei não apenas criou direitos ao empregado, mas instituiu nova obrigação, qual seja, o cumprimento do novo prazo do aviso prévio nos casos de pedido de demissão. Ainda que o empregador possa descontar o salário relativo ao prazo do aviso prévio não cumprido pelo empregado, deverá ser observado o limite previsto no art. 477, § 5º da CLT, ou seja, os descontos rescisórios não podem superar o equivalente a um mês de remuneração do empregado.
Outro desdobramento importante é o aumento do custo da rescisão para o empregador, posto que este novo aviso também integrará o contrato devendo ser computado para todos os efeitos legais, na forma do artigo 487, parágrafo primeiro, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim, além dos reflexos legais da sua projeção (férias, 13º salário, FGTS) não podemos nos esquecer das questões polêmicas já existentes para o antigo aviso prévio, tais como estabilidade provisória e justa causa no curso do aviso.
Também vale lembrar a questão da opção pela redução da jornada durante o período de cumprimento do aviso prévio em 2 horas diárias ou em uma semana. Isso continuará vigente para o cumprimento do aviso prévio ampliado?
Supondo que o trabalhador tem direito a 60 dias de aviso prévio, o mesmo poderá sair duas semanas antes de findar o período por tratar-se de dois meses e não um, ou, continuará sendo uma semana?
Cabe ainda mencionar a projeção do novo aviso para fins da indenização adicional, posto que o aumento do prazo poderá levar a ruptura do contrato para dentro do período de 30 dias que antecede a data-base de reajuste salarial da categoria. Assim, a empresa deverá redobrar a sua atenção ao dispensar um empregado.
Obviamente que a demora do legislador deu margem para alguns Sindicatos negociarem coletivamente o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.
Se a empresa já segue alguma norma coletiva que preveja esse aviso, deverá avaliar qual norma é mais vantajosa ao empregado. Será possível sustentar que a existência de norma coletiva com regras distintas deverá prevalecer sobre a lei, pelo princípio da adequação. Porém, acreditamos que esta posição não será adotada pela Justiça do Trabalho.
Os Sindicatos dos empregados entendem que a regra desestimulará demissões e reduzirá a rotatividade de trabalhadores nas empresas. Já as entidades ligadas ao setor patronal temem o risco de crescimento da informalidade diante do aumento da rigidez da legislação e do custo para a empresa.
Há quem defenda ainda que as negociações para a troca de emprego tendem a mudar, com maior antecedência e eventual responsabilização pelo novo empregador pela indenização que o demissionário ter que arcar para sua saída da empresa.
Pelos aspectos polêmicos ora analisados e outros que ainda serão gerados, o tema deve ser tratado com cautela, principalmente pela falta de precedentes. Porém, resta claro que a lei deverá mudar para ficar mais clara ou a jurisprudência mais uma vez cuidará do assunto.
12 setembro, 2024
21 março, 2024
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