Breves notas sobre a reclassificação fiscal de mercadorias pela Receita Federal

23/07/2012

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Para a importação de mercadoria do exterior há uma série de exigências legais para seu ingresso no território nacional, objeto de fiscalização específica, do qual ainda decorrerá a obrigação tributária de recolhimento de tributos incidentes sobre esta operação. Em regra, o importador, com base em documentos que consubstanciem o contrato de compra e venda internacional, informa o valor da operação realizada, a descrição pormenorizada do bem importado, calcula e recolhe os tributos incidentes na importação. O sistema nacional aduaneiro parametriza a operação, para fins de fiscalização, sendo finalizada com o despacho aduaneiro e a nacionalização do bem.
 
Vale esclarecer que o despacho aduaneiro, procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação às mercadorias importadas, aos documentos apresentados e à legislação específica, é processado por meio de Declaração de Importação (DI), registrada no Siscomex, que, por sua vez, é submetida à análise fiscal e selecionada para um dos canais de conferência. Tal procedimento de seleção recebe o nome de parametrização. Os canais de conferência são quatro: verde, amarelo, vermelho e cinza. A importação selecionada para o canal verde é desembaraçada automaticamente sem qualquer verificação. O canal amarelo significa conferência dos documentos de instrução da DI e das informações constantes na declaração. No caso de seleção para o canal vermelho, há, além da conferência documental, a conferência física da mercadoria. Finalmente, quando a DI é selecionada para o canal cinza, é realizado o exame documental, a verificação física da mercadoria e a aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro, para verificação de elementos indiciários de fraude, inclusive no que se refere ao preço declarado da mercadoria. Registrada a conclusão da conferência, isto é, o desembaraço aduaneiro, é autorizada a efetiva entrega da mercadoria ao importador.
 
Ocorre que, em muitos casos, após a liberação da mercadoria para a empresa importadora, em que fora realizado todo o procedimento de controle aduaneiro, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) entende ser possível a revisão do lançamento por erro na classificação fiscal da mercadoria, sendo necessária sua reclassificação.
 
De fato, a revisão de lançamento é possível, porém, sempre que houver conferência aduaneira nos canais amarelo, vermelho e cinza , que são lançamentos feitos por declaração, ou nos casos de lançamento de ofício pela SRFB no curso do despacho aduaneiro. Em sentido oposto, tem-se a impossibilidade de revisão de lançamento toda vez que houver conferência aduaneira no canal verde, pois tal conferência é classificada como lançamento por homologação e por isso a SRFB não revisa o lançamento, e sim procede a lançamento de ofício, motivado pela omissão ou inexatidão de informações, conforme dispõe o artigo 150 do Código Tributário Nacional. Ou seja, somente no canal verde é que não se admite a revisão da classificação fiscal e a consequente aplicação de multa, vez que se a SRFB teve acesso à mercadoria importada, examinando sua qualidade, quantidade, marca, modelo e outros atributos, ratificando os termos da declaração de importação preenchida pelo contribuinte, não lhe cabendo ulterior impugnação dos tributos pagos por eventual equívoco na classificação do bem. Nesse sentido, é o que estabelece o Superior Tribunal de Justiça (STJ):
 
“RECURSO ESPECIAL – ALÍNEAS "A" E "C" – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO – RECLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA – REVISÃO DO LANÇAMENTO -IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE ERRO QUANTO À IDENTIFICAÇÃO FÍSICA DA MERCADORIA – ART. 149 DO CTN. A impetrante importou da França 2.200 Kg d produto TESAL e recolheu o imposto de importação após regular conferência da mercadoria pela autoridade fiscal. Diante dessas circunstâncias, é de elementar inferência que não poderia o contribuinte, em momento posterior, ser notificado para novo recolhimento do imposto de importação, sob a alegação de que a classificação do produto deveria ser diversa, com incidência de alíquota maior. O art. 149 do CTN autoriza a revisão do lançamento, dentre outras hipóteses, "quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória", ou seja, quando há erro de direito. Se a autoridade fiscal teve acesso à mercadoria importada, examinando sua qualidade, quantidade, marca, modelo e outros atributos, ratificando os termos da declaração de importação preenchida pelo contribuinte, não lhe cabe ulterior impugnação do imposto pago por eventual equívoco na classificação do bem. Divergência jurisprudencial não-configurada ante a ausência de similitude fática entre os acórdãos confrontados. Recurso especial improvido.”( REsp 202958 / RJ, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ 22/03/2004).
 
Por outro lado, se houver conferência aduaneira nos canais amarelo, vermelho e cinza e ocorrer a reclassificação fiscal da mercadoria importada e a empresa importadora discordar da nova classificação fiscal feita pela SRFB, é possível a discussão da correta classificação fiscal da mercadoria tanto judicialmente quanto administrativamente, porém, em ambos os casos haverá necessidade de se apresentar laudo pericial para demonstrar tal discordância.
 
Na prática, a probabilidade de êxito na discussão da correta classificação fiscal da mercadoria é na esfera judicial, pois, no âmbito administrativo, dificilmente é deferida a prova pericial sob a alegação de que há elementos suficientes nos autos, não se justificando a necessidade de produção de prova pericial. A exemplo disso tem-se o seguinte julgado do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF):
 
”CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS. Data do fato gerador: 06/03/2003. AUTO DE INFRAÇÃO, NULIDADE, INEXISTÊNCIA. O laudo que serviu de base para o auto de infração está previsto no art. 509 do Decreto n° 4.543/2002, que prevê assistência técnica à auditoria-fiscal para a quantificação ou identificação da mercadoria quando da conferência aduaneira no bojo do despacho aduaneiro de importação. Trata-se de atividade fiscal da fase inquisitória do procedimento de determinação da exigência do crédito tributário, em que não há necessidade de quesitos por parte do importador. Assim, a preliminar de nulidade do auto de infração deve ser rejeitada. DECISÃO RECORRIDA. NULIDADE, INEXISTÊNCIA. Deve ser afastada a preliminar de nulidade da decisão de primeiro grau com escora no indeferimento de perícia pleiteada, uma vez que as razões do indeferimento constam do decisun a quo, e tal prerrogativa é do julgador. Demais disso, a recorrente não aponta qualquer vício no laudo que serviu de base para a imputação, e ela própria afirma, em seu arrazoado, que a conclusão do laudo está consoante com a mercadoria importada. CLASSIFICAÇÃO FISCAL. PODIUM TÉCNICO. O produto PODIUM TÉCNICO, composto heterocíclico cuja estrutura contém exclusivamente heteroátomos de nitrogênio e oxigênio, tratando-se de Propanato de Etila, de Nitrogênio e Oxigênio, outro composto hetorocícilico, classifica-se no código TEC-NCM 2934.99.39. Recurso Voluntário Negado. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.” (Acórdão 345141, Processo administrativo 11128.005048/2005-15, DS 01/10/2010).
 
Mas, a situação mais penosa à empresa importadora é quando a SRFB, por entender que houve erro na classificação fiscal, não libera a mercadoria enquanto não paga a diferença dos tributos incidentes na operação conforme a nova classificação fiscal da mercadoria. Essa retenção com a exigência de garantia para liberação é ilegal e os tribunais pátrios têm se mantido contrários a essa prática da SRFB. Confira-se:
 
Supremo Tribunal Federal (STF)
Súmula 323 “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.
 
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
“TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. MERCADORIA APREENDIDA. RECLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. LIBERAÇÃO. GARANTIA. INEXIGIBILIDADE. 1. Não se exige garantia para liberação de mercadoria importada, retida por conta de pretensão fiscal de reclassificação tarifária, com consequente cobrança de multa e diferença de tributo. Precedentes do STJ. 2. Debate-se simples cobrança de diferença de crédito tributário. Não é o caso de possível pena de perdimento, que admitiria a obrigatoriedade da garantia, como já decidiu a Segunda Turma (REsp 1.105.931/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 10/2/2011). 3. Agravo Regimental não provido.” (AgRg no REsp 1263028 / PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJ 05/06/2012)
 
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3)
“APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA DE MERCADORIA. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DE IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO COMPLEMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE CONDICIONAMENTO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 323/STF. 1. Inexistência de razões de ordem pericial para a retenção da mercadoria em questão, visto que retiradas amostras necessárias para a realização de exames laboratoriais e confirmação da natureza do produto importado. 2. Estando pagos os tributos atinentes ao procedimento de importação, deve ser liberada a mercadoria. 3. Atribuída nova valoração à mercadoria importada e promovido o lançamento complementar dos impostos incidentes sobre a operação de importação, impõe-se a liberação dos bens importados, sem prejuízo de posterior procedimento para cobrança dos valores determinados pela autoridade aduaneira. Aplicação da Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal. 4. Apelação a que se dá provimento, para conceder a segurança para a liberação da mercadoria objeto da Declaração de Importação 04/0456565-9 independentemente da solução de outros processos administrativos ou do resultado do exame laboratorial da mercadoria importada, desde que comprovado o pagamento dos tributos incidentes sobre a operação declarada.” (AMS – APELAÇÃO CÍVEL – 267628, Rel. JUIZ CONVOCADO RUBENS CALIXTO, DJ 18/06/2009).
 
Assim, nessa hipótese, o remédio jurídico cabível  é o Mandado de Segurança que, por possuir procedimento mais célere que outras ações judiciais, poderá liberar a mercadoria retida e assegurar a inexigibilidade de garantia.

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