A licitude da cláusula de tolerância em contratos imobiliários

01/10/2012

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Quem já comprou um imóvel deve conhecer a cláusula de tolerância que permite às construtoras atrasar em até 180 dias (ou seis meses), a entrega do empreendimento, sem pagar multa.

É praxe no mercado imobiliário estipular esse prazo de tolerância nos contratos envolvendo imóveis na planta ou em construção. Bem por isso é comum surgirem reclamações dos consumidores adquirentes no sentido de que as construtoras não cumprem os prazos de entrega inicialmente previstos, causando-lhes toda sorte de transtornos e aborrecimentos. Regra geral, as insurgências voltam-se contra a benesse concedida exclusivamente às construtoras, que podem atrasar o cumprimento da sua obrigação sem sofrerem qualquer sanção, o que não é dado aos consumidores em relação ao pagamento das parcelas.

Recentemente, foi julgada ação civil pública (1) movida pelo Ministério Público de São Paulo em face de empresa pertencente a grupo representado pelo Teixeira Fortes, cujo resultado foi a improcedência do pedido. Na decisão veiculou-se o entendimento de que o adimplemento da obrigação assumida pela construtora depende, além da sua diligência, de fatores alheios à sua vontade, tais como atos administrativos do Poder Público, fluxo de matéria prima, intempéries climáticas, entre outros, o que torna razoável e justifica a estipulação de uma tolerância de 180 dias a partir da data estimada para a entrega da obra. Nas palavras do julgador, “a construção de vultuoso empreendimento, o que se estende por largo lapso temporal, dificulta a previsão da data de sua concretização, mostrando-se razoável, como ordinariamente se verifica, a estipulação de prazo de tolerância de cento e oitenta dias, porém não mais, salvo hipótese de caso fortuito ou força maior, a ser constatada em cada caso concreto.”

Também foi rechaçada a recorrente tese – sustentada à exaustão pelos patronos dos consumidores – de que, para haver isonomia contratual, a mesma pena prevista para a hipótese de mora do comprador deveria ser imposta à construtora em caso de atraso na entrega da obra. Corroborando o entendimento defendido por este signatário, a decisão firmou-se no caminho da impossibilidade de ser acolhida tal pretensão, em razão da disparidade da natureza das obrigações de uma e outra parte. Ou seja, não se pode fixar a pena moratória em desfavor das construtoras nos mesmos moldes que se aplica aos compradores inadimplentes, até porque, para estes, os encargos moratórios incidem tão somente sobre a(s) parcela(s) em atraso, enquanto que, para as construtoras, deveriam incidir sobre o valor total da obra, o que é nitidamente desproporcional.

Isso não quer dizer que as construtoras estão acima do bem e do mal, nem que são livres para atrasar o cumprimento da sua obrigação a seu belprazer. Evidentemente, constatado o inadimplemento da construtora para além da tolerância, responderá ela por perdas e danos na forma do artigo 475 do Código Civil, o que abrange tanto as perdas materiais quanto os danos morais, caso comprovados. Assim, eventuais prejuízos suportados com locação de imóvel, perda de oportunidade de venda, bem como abalos psíquicos que possam advir do atraso deverão ser objeto de indenização. Tudo a depender da situação fática concreta e das provas produzidas em juízo.

Com isso, o Judiciário mostra estar atento aos inevitáveis problemas que orbitam o contexto de uma construção de grande porte, os quais, muitas vezes, escapam à esfera de prudência e diligência exigidas das construtoras, pois imputáveis a fatores externos. Por estas razões, a cláusula de tolerância vem sendo admitida como válida e não abusiva, já que, como dito, o cumprimento tempestivo da obrigação da construtora requer a conjugação de diversos elementos extrínsecos a ela, o que não ocorre com os compradores, cujo único dever (pagar as prestações em dia) depende apenas deles próprios.

Enfim, abstraídas decisões de cunho teratológico, parece que a Têmis vem abrindo os olhos para a realidade dos fornecedores ligados à construção civil, abandonando o engessado entendimento “pró consumidor” e equilibrando, de fato, a balança da justiça.

Marcelo Augusto de Carvalho Fôlego
 


(1) Processo nº 583.00.2011.117820-1.

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