17/05/2013
Quando uma empresa vendedora ou prestadora de serviços aliena uma mercadoria ou realiza algum serviço e aceita o pagamento a prazo, ela origina um crédito a receber, também chamado de direito creditório. Esse direito creditório é considerado um bem móvel, de acordo com a definição do Código Civil (art. 83)1, e pode ser cedido (i) em definitivo a terceiros, operação comumente realizada com Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios ou empresas de fomento mercantil, ou (ii) em garantia, a qualquer pessoa jurídica ou física.
Um banco, por exemplo, poderá condicionar a liberação de um empréstimo à apresentação de garantias pela sua cliente. Se essa garantia for representada por recebíveis da cliente perante terceiros (os sacados), será ajustada a chamada cessão fiduciária de créditos em garantia, disciplinada na Lei n° 4.728/1965 art. 66-B, parágrafos 3º e 4º.
Se esse mesmo tipo de garantia for oferecido em contrato ajustado entre pessoas jurídicas não integrantes do sistema financeiro (uma empresa de fomento mercantil, por exemplo), os recebíveis da devedora, nesse caso, seriam transferidos à credora por meio da alienação fiduciária prevista no artigo 1.361 e seguintes do Código Civil.
Frise-se, não se trata de uma operação exclusiva de instituições financeiras, podendo a cessão ou alienação fiduciária de direitos creditórios ser realizada por qualquer pessoa, jurídica ou física.
A controvérsia sobre o tema se inicia quando a cedente dos direitos creditórios entra em recuperação judicial. A Lei de Recuperação Judicial estipula em seu artigo 49 que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos3. Entretanto, o parágrafo 3º do aludido artigo dispõe que o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais4.
Apesar de a Lei prever que a propriedade fiduciária não se submete aos efeitos da Recuperação Judicial, a jurisprudência não é unânime nesse sentido.
Alguns julgados proferidos defendem que o crédito garantido por cessão fiduciária de títulos de crédito estaria sujeito aos efeitos da Recuperação Judicial em virtude de o legislador não ter incluído expressamente essa modalidade no rol das exceções disposto na Lei, apesar de o aludido dispositivo legal mencionar que o proprietário fiduciário de bens móveis não se submete aos efeitos da Recuperação Judicial. Outros julgados dispõem que a manutenção da cessão fiduciária de créditos, nessas ocasiões, seria incompatível com o princípio constitucional da preservação da empresa, além de prejudicar o pagamento aos demais credores, sujeitos à Recuperação Judicial.
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo de consolidar o dissídio jurisprudencial, se manifestou acerca do tema ao julgar o Recurso Especial nº 1.263.500-ES. A Quarta Turma, em decisão unânime, entendeu que os créditos garantidos por cessão fiduciária não se submetem aos efeitos da Recuperação Judicial, justamente em virtude da regra do artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005.
Ademais, como bem destacou o aludido julgado, se as garantias conferidas aos credores forem gradativamente minadas por decisões proferidas pelo Juízo da recuperação, a própria sociedade em recuperação poderá sofrer consequências mais sérias, como não conseguir mais crédito no mercado, sendo absolutamente justificável o tratamento conferido aos cessionários-fiduciários no âmbito do processo recuperacional.
Se por um lado a disciplina legal da cessão fiduciária de título de crédito coloca os credores-fiduciários em situação extremamente privilegiada em relação aos demais credores e dificulta a recuperação da empresa, por outro, não se pode desconsiderar que a forte expectativa de retorno do capital decorrente deste tipo de garantia permite a realização de negócios com menor taxa de risco e, portanto, induz à diminuição das taxas cobradas, o que beneficia a atividade empresarial.
A interpretação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça parece adequada à realidade, pois é importante zelar pelo bom uso do princípio da preservação da empresa economicamente viável, mas tal princípio não pode ser usado como justificativa para desrespeito à lei ou às condições contratuais pactuadas.
Por: Thaís de Souza França.
1-Código Civil – Artigo 83: “Consideram-se móveis para os efeitos legais: (…) III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações”.
2- Lei 4.728/1965 – Artigo 66-B: Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos. (…)§ 3o É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada. § 4o No tocante à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica-se, também, o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997.
3-Lei 11.101/2005 – Artigo 49: “Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”.
4-Lei 11.101/2005 – Artigo 49: (…) § 3º: “Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.
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