Marcelo Augusto de Barros

Valor Econômico, Caderno de Legislação & Tributos, Opinião Jurídica, 18/02/2014

Tem crescido o número de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (ou FIDC) no Brasil, em especial aqueles que são resultado da migração de empresas de factoring, conforme matéria publicada no Valor Econômico, edição de 15/01/2014. Cresce o mercado, a concorrência, afrouxam-se as políticas de prevenção de riscos, e os problemas aparecem. No último dia 29 de janeiro, o mesmo Valor Econômico noticiou um caso de prejuízo aos investidores de um FIDC. Por isso, a adoção de medidas para precaver ou mitigar os riscos de uma carteira de recebíveis é sem dúvida mais do que recomendável.

Para entender um pouco desse mercado, citamos alguns exemplos da origem dos direitos creditórios que podem ser alvo de um FIDC, bem como dos riscos a que estão expostos. As aplicações em FIDC são destinadas, principalmente, à aquisição de créditos originados por empresas contra os seus clientes, que aqui os chamaremos de sacados. São recebíveis, normalmente, representados por duplicatas ou cheques. Mas podem ter lastro em qualquer outro título ou direito de crédito, tais como as cédulas de crédito bancário ou imobiliário ou em parcelas de contratos de prestação de serviços, de leasing ou locação.

O principal risco assumido por um FIDC, portanto, diz respeito à qualidade do direito creditório adquirido. O FIDC, por mais conservadora que a sua política de investimento possa ser, não está imune à aquisição de créditos originados de relações com vícios ocultos ou emitidos contra devedor que se revelar insolvente.

Uma das medidas para mitigar os riscos de aquisição de um crédito (que se revelar) de duvidosa liquidação é a imposição ao cedente – e aos seus sócios – da obrigação residual de pagamento do crédito cedido. Vale lembrar que a responsabilidade pela existência do direito creditório é decorrente da Lei; já a coobrigação de pagamento do crédito performado, recomenda-se, deve ser expressamente ajustada no contrato de cessão. A coobrigação é uma medida perfeitamente lícita, prevista em Lei e em normas do mercado de capitais. Vide Lei Uniforme da Letra de Câmbio, art. 15, Código Civil, art. 296, e Instrução CVM 356/2001, art. 2º, XV.

A previsão da coobrigação, entretanto, não é suficiente para diminuir os riscos de forma minimamente eficaz. O coobrigado cedente, por exemplo, pode pedir recuperação judicial e obter um parcelamento da dívida em condições tais, que mais se assemelham a uma anistia. Recentemente, por exemplo, uma empresa paulista aprovou um plano de recuperação com a previsão de pagamento de apenas 30% do crédito, em 20 anos, com juros de 1% ao ano. O Tribunal de Justiça de São Paulo referendou a homologação desse plano (AI 0111389-39.2013.8.26.0000).

Daí a pertinência de vinculação de garantias reais ao integral recebimento do crédito adquirido. Nada diferente do que fazem os bancos. Um imóvel, por exemplo, pode ser alienado pelo coobrigado cedente em garantia fiduciária de uma ou mais operações de cessão de crédito celebradas por um FIDC. Se o sacado não paga, a garantia é executada. Trata-se da alienação fiduciária prevista na Lei 9.514/1997, perfeitamente apta a garantir qualquer tipo de negócio jurídico, incluindo-se a efetiva liquidação de créditos contra terceiros, não se limitando a operações do Sistema Financeiro Imobiliário, conforme recentíssima decisão do TJSP (AC 0193629-13.2012.8.26.0100).

Um veículo, igualmente, pode garantir o resultado eficaz de uma cessão de crédito. Garante tanto a origem do crédito, como também o pagamento pelo sacado. Aqui, também, a garantia seria formalizada por meio de alienação ou propriedade fiduciária, prevista no Código Civil (arts. 1.361 e seguintes) e permitida a qualquer pessoa, não havendo nenhum tipo de exclusividade por instituições financeiras. O Detran é obrigado a cadastrar o gravame.

Máquinas, lavouras futuras, marcas, obras de arte, ou até mesmo outros direitos creditórios – por meio da chamada cessão fiduciária, por que não –, desde que se trate de bem móvel infungível, tudo pode ser usado em garantia do pagamento dos créditos adquiridos por um FIDC.

E, de quebra, o FIDC ainda se livra dos efeitos de eventual pedido de recuperação judicial do coobrigado cedente, na medida em que o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis não se submete aos efeitos da recuperação judicial, conforme o disposto no art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005. Essa já seria uma grande vantagem em relação a outros tipos de garantia, como o penhor e a hipoteca.

São garantias que podem ser prestadas pelo coobrigado cedente, pelo sacado ou por terceiros. E se houver a necessidade de sindicalizar os credores, com o objetivo de vincular uma única garantia a operações de cessão de crédito realizadas por uma pluralidade de FIDC, também não haverá nenhum problema. As ferramentas estão disponíveis; basta usá-las.

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