Vinicius de Barros
Como regra, os sócios não respondem pelos débitos fiscais da empresa, mesmo que a sociedade não possua bens suficientes para satisfazer suas obrigações. No entanto, existem exceções a essa regra, e o encerramento irregular da empresa é a causa mais comum da excepcional responsabilização dos sócios pelas obrigações fiscais da empresa.
O encerramento irregular ocorre quando a empresa deixa de exercer suas atividades e não comunica tal fato aos órgãos competentes. Na prática, tal circunstância é comprovada por meio de Oficial de Justiça, que a pedido do fisco comparece no endereço que a sociedade declara aos órgãos públicos como sendo de sua sede e certifica que a empresa não funciona no local.
A não localização da empresa no endereço que consta nos cadastros públicos é considerada pela maioria da jurisprudência como presunção de encerramento irregular, suficiente para ensejar a responsabilização dos sócios. Esse entendimento foi consolidado na súmula 435 do STJ:
“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
Entretanto, a 3ª turma do STJ decidiu em recente julgamento que o encerramento irregular da sociedade não é por si só fundamento suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica, o que pode reabrir a discussão a respeito da responsabilização dos sócios nessa hipótese.
No voto proferido no REsp 1.395.288/SP, a ministra Nancy Andrighi afirmou que
“a dissolução irregular da sociedade não pode ser fundamento isolado para o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, mas, aliada a fatos concretos que permitam deduzir ter sido o esvaziamento do patrimônio societário ardilosamente provocado de modo a impedir a satisfação dos credores em benefício de terceiros, é circunstância que autoriza induzir existente o abuso de direito. Esse abuso, a depender da situação fática delineada, se materializa no uso ilegítimo da personalidade jurídica para fraudar o cumprimento das obrigações (desvio de finalidade) e/ou na ausência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios (confusão patrimonial)”.
Embora a referida decisão não trate especificamente da responsabilidade tributária dos sócios, prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional, entendemos que seus fundamentos são perfeitamente aplicáveis aos casos fiscais, colocando em xeque a Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça e as decisões judiciais que com base nesta consideram o simples encerramento irregular da empresa como apto a provocar a responsabilização dos sócios pelas obrigações fiscais da empresa.
De acordo com esse precedente, além do encerramento irregular, o credor deve demonstrar que os sócios agiram de forma dolosa ou fraudulenta, ou então que se aproveitaram dos bens da empresa para interesses pessoais, o que torna mais árdua a tarefa do credor de reunir elementos de prova para pedir a responsabilização dos sócios. A nosso ver essa interpretação deve ser aplicada nas execuções fiscais, ou seja, não basta a demonstração do encerramento irregular; o fisco deve no mínimo apresentar indícios de que os sócios agiram de forma fraudulenta.
Mas mesmo que esse precedente não mude a opinião da maioria da jurisprudência – que entende que o encerramento irregular é suficiente para a responsabilização dos sócios -, vale ressaltar que ainda assim o sócio tem meios de afastar sua responsabilidade pessoal pelos débitos fiscais da sociedade. O sócio tem as seguintes alternativas – todas baseadas na jurisprudência:
a) comprovar que a empresa continua a exercer suas atividades em outro endereço e que não foi localizada em razão da não atualização dos cadastros dos órgãos públicos, simples irregularidade que não pode ensejar a responsabilização dos sócios;
b) demonstrar que se retirou da empresa antes do encerramento das atividades;
“EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE DE SOCIOS. DISSOLUÇÃO IRREGULAR CONFIGURADA. ARTIGO 135, III, DO CPC. SUMULA 435 STJ. RECURSO PROVIDO. – A inclusão de sócios-gerentes no polo passivo da execução fiscal é matéria disciplinada no artigo 135, inciso III, do CTN. Quando os nomes dos corresponsáveis não constam da certidão da dívida ativa, somente é cabível se comprovados atos de gestão com excesso de poderes, infração à lei, ao contrato, ao estatuto social ou, ainda, na hipótese de encerramento irregular da sociedade. (…) – Para a configuração da responsabilidade delineada na norma tributária como consequência da dissolução irregular é imprescindível a comprovação de que o sócio integrava a empresa quando do fechamento de suas atividades e de que era gerente ao tempo do vencimento do tributo. (…) – Agravo de instrumento provido.” (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AI 0014410-87.2013.4.03.0000, Rel. JUÍZA CONVOCADA SIMONE SCHRODER RIBEIRO, julgado em 13/02/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/02/2014)
c) comprovar que não possuía poderes de administração na empresa;
“AGRAVO LEGAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO – SÓCIO QUE NÃO EXERCIA PODERES DE GERÊNCIA DA SOCEDADE À ÉPOCA DA DISSOLUÇÃO IRREGULAR – IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO NO POLO PASSIVO. I – Admite-se o redirecionamento da execução fiscal nos casos em que, comprovada a impossibilidade de garantia da causa pelos meios ordinários, apresentem-se indícios da dissolução irregular da sociedade executada ou das práticas descritas no artigo 135, III. II – De acordo com o entendimento firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, adotado também por esta E. Terceira Turma, o redirecionamento da execução deve ocorrer contra os sócios que geriam a empresa na época em que houve sua dissolução irregular. III – Cuidando-se de sócio que não exercia poderes de gerência da sociedade à época da dissolução irregular, descabida a sua inclusão no polo passivo da execução. IV – Precedentes. (…) VIII – Agravo legal improvido.” (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI 0010900-37.2011.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES, julgado em 16/01/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/01/2014)
d) demonstrar que o encerramento irregular não foi causado por dolo, culpa, fraude ou excesso de poder.
“RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE CERTIFICADA POR OFICIAL DE JUSTIÇA – CABIMENTO. 1. A certidão do oficial de justiça que atesta o encerramento das atividades da empresa no endereço fiscal é indício de dissolução irregular apto a ensejar o redirecionamento da execução fiscal. Precedentes. 2. A não localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular. Possível, assim, a responsabilização do sócio-gerente, a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. 3. Recurso especial não provido.” (REsp 1344414/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 20/08/2013)
Ou seja, a constatação do encerramento irregular não é causa definitiva para a responsabilização dos sócios. Existem alternativas, plenamente viáveis, para afastar a responsabilidade pessoal dos sócios nessa hipótese.
12 novembro, 2024
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