Societário: dissolução e retirada de sócio

15/04/2014

Por Cylmar Pitelli Teixeira Fortes

Cylmar Pitelli Teixeira Fortes

A constituição de uma sociedade pressupõe a interação livre e voluntária de pessoas que se disponham a conjugar esforços e contribuir com bens ou dinheiro para alcançarem um determinado objetivo. A dissolução opõe-se a este conceito.
 
Na definição da lei, a dissolução traduz a dissipação total com o desaparecimento da pessoa jurídica, enquanto a retirada e a exclusão acometem apenas um ou alguns dos sócios, sem comprometimento do vínculo inicial eis que a sociedade continua a existir e operar na pessoa dos remanescentes.
 
A antiga lei das sociedades por quotas de responsabilidade limitada (Decreto nº 3.708/19) não tratou dessas matérias, que receberam o regramento geral contido no Código Comercial (Lei nº 556, de 25 de junho de 1850) e em leis especiais (Lei de Falências, Lei dos Registros Públicos, Lei das Sociedades Anônimas).
 
Trataremos aqui das hipóteses de dissolução total e retirada. A exclusão ou expulsão de sócios será abordada em texto próprio, tamanha a complexidade do tema.
 
Cuidemos primeiramente da dissolução.
 
I – Dissolução:
 
O objeto dessa abordagem restringe-se à dissolução extrajudicial. Destarte, não abarca os casos em que o encerramento da atividade decorre de sentença constitutiva (negativa) da pessoa jurídica. Também fogem ao propósito as dissoluções irregulares e suas consequências.
 
O artigo 1087 do Código Civil não inovou ao enumerar as hipóteses de dissolução da sociedade limitada. Com efeito, algumas das possibilidades já encontravam previsão no Código Comercial. São elas: dissolução por decurso do prazo ajustado e dissolução por mútuo consenso dos sócios[1]
 
Outras advinham de incidência da Lei das sociedades anônimas – aplicável supletivamente e naquilo que fossem compatíveis, salvo estipulação contrária no contrato social[2]. São elas: dissolução por cassação da autorização para funcionamento e dissolução por ausência da pluralidade de sócios.[3]
 
A Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, criou a empresa individual de responsabilidade limitada. Por tal diploma, admite-se que uma única pessoa possa ser titular da totalidade do capital social desde que cumpridos os seguintes requisitos:

  • o capital social não seja inferior a cem salários mínimos e esteja totalmente integralizado;
  • a forma de constituição da empresa seja identificada inserindo-se a expressão EIRELI (empresa individual de responsabilidade limitada) após sua denominação social;
  • o sócio unitário – se tratar-se de pessoa natural – não figure em outra empresa dessa mesma modalidade.

 Para as sociedades limitadas originalmente constituídas sob pluralidade, admite-se a continuidade na presença de um único sócio desde que – observados o capital mínimo e a referência à unicidade – proceda-se ao registro da transformação nos órgãos competentes.
 
Relativamente à dissolução por falência, o artigo 1.044 conferiu nova roupagem ao instituto: somente sujeitar-se-ão à falência as sociedades limitadas empresárias.
 
Empresária é a sociedade que organiza os fatores de produção – capital, mão de obra, tecnologia e matéria-prima – para consecução de uma atividade econômica (fins lucrativos). Nas palavras da professora Maria Helena Diniz:
 

“Sociedade empresária é aquela que visa ao lucro, mediante o exercício de atividade econômica organizada (…) com o escopo de obter a produção ou circulação de bens ou de serviços.” [4]

 
Compreendendo-se por atividade econômica:
 

“uma sucessão repetida de atos praticados de forma organizada e estável, sendo uma constante oferta de bens ou serviços, que é a sua finalidade unitária e permanente.” [5]

 
Nesse contexto, (i) não basta a personificação jurídica – adquirida com o registro do contrato social no órgão competente; (ii) não se indaga acerca dos atos praticados – se estão legalmente catalogados como atos comerciais ou civis; para a dissolução por falência, (iii) é imprescindível que o objetivo social se desenvolva sob a forma empresarial. É o que se depreende dos artigos 966, 982 e 1044 do Código Civil.
 
A inovação ficou por conta da dissolução por deliberação de maioria absoluta dos sócios em sociedades por prazo indeterminado. Tal como está redigida, essa regra não encontra precedentes no sistema anterior.
 
Entretanto, a doutrina e a jurisprudência vêm mitigando-lhe o alcance preceituando que a ideia de maioria define-se não pela quantidade de sócios, mas pela participação de cada qual na totalidade do capital social. Nas palavras do professor Attila de Souza Leão Andrade Júnior:
 

“(O Código Civil) inovou em apenas admitir a possibilidade de dissolução total da sociedade mediante deliberação majoritária dos sócios. Advirta-se que o conceito de maioria refere-se ao capital social e não ao número de sócios.” [6] (Grifos da transcrição)

 
Nesta interpretação, a disposição ficou semelhante àquela contida no artigo 206, inciso I, da Lei nº 6404/76, que faculta aos acionistas que representem pelo menos metade das ações com direito a voto deliberar sobre a dissolução da companhia.[7]
 
Há que se enfatizar que anteriormente à promulgação do Código Civil vigente, tal lei era aplicável às sociedades limitadas naquilo que coubesse e desde que os sócios não dispusessem em contrário.
 
São essas, em resumo, as regras que tratam da dissolução. A doutrina e a jurisprudência têm considerado que a enumeração não é taxativa e sob essa premissa vêm admitindo outras hipóteses e até abrandado a aplicação da lei, orientando-se muitas vezes pelo interesse coletivo de preservação da empresa como núcleo gerador de empregos, impostos e desenvolvimento social.
 
Admite-se, por exemplo: a dissolução por dissentimento insuperável entre os sócios e a possibilidade de dissolução por causas outras, desde que previstas no contrato social.  Ao mesmo tempo, nega-se a extinção de sociedade hígida cujo prazo de duração já tenha se esgotado.
 
A dissolução põe fim à personalidade jurídica. Luciano Campos de Albuquerque toma as palavras do professor Waldemar Ferreira para repetir-lhe a doutrina:
 

“A dissolução é o evento ou ato, senão mesmo o contrato, por via do qual a sociedade deixa de existir, pondo fim à vida em comum dos sócios e extinguindo-se a pessoa jurídica em que se havia convertido. É o momento jurídico no qual se desata o vínculo obrigacional dos sócios e seus direitos e obrigações se extinguem; e o patrimônio social se põe sob a administração de pessoa eleita pelos sócios ou nomeada pelo juiz, a fim de realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o resíduo entre eles.” [8]

 
Encontra-se em tramitação legislativa um anteprojeto de autoria do professor Fábio Ulhoa Coelho, para instituir o Código Comercial. Se aprovado, revogará o Código Civil na parte que cuida das sociedades limitadas, eis que são textos de mesma hierarquia e que o princípio de hermenêutica consagra a primazia da lei especial sobre a lei geral.
 
Relativamente à forma, o projeto dispõe que a dissolução seja feita mediante distrato ou decisão judicial, que do instrumento conste expressamente a indicação do liquidante e que o ato só produza efeitos depois de levado a arquivamento no Registro Público de Empresas[9].
 
É este, em suma, o arcabouço básico da dissolução.
 
II – Retirada:
 
A retirada constitui forma de dissolução parcial da sociedade, por iniciativa do sócio a quem não interessa prosseguir associado. Os artigos 1029 e 1077 (que remete ao artigo 1031) do Código Civil conferem-lhe o regramento.
 
Nas sociedades de responsabilidade limitada, os impactos econômicos da retirada costumam ser mais gravosos do que aqueles verificados nas sociedades por ações. Nestas, o sócio se desvincula da companhia pela simples venda de suas ações, sem interferência no capital social, que continua a existir pelo mesmo montante subscrito.
 
Nas limitadas, a saída do sócio divergente pode levar à redução do capital social, pois, em princípio, o reembolso de seus haveres e de suas quotas é realizado com recursos da própria sociedade. A descapitalização tem impacto no interesse dos credores, que têm diminuídas suas garantias sem que lhes tivesse sido dado, sequer, o direito de consentir ou pactuar com a negociação.
 
Se a sociedade for regida supletivamente pelas normas da sociedade simples, o desfavor será compensado pela incidência do artigo 1.032. O sócio que se retirar permanecerá responsável pelas obrigações sociais – tanto quanto os sócios remanescentes – pelo período de dois anos a contar do registro de sua saída.
 
Como a responsabilidade pessoal do sócio é sempre limitada ao capital social, entendemos que o montante a ser considerado deve ser aquele existente antes da retirada, sob pena de fazer-se letra morta a compensação entre a redução da garantia direta (capital social) e a ampliação da garantia indireta (responsabilidade do sócio que deu causa à diminuição).
 
Não se pode ignorar, entretanto, que para a grande maioria das sociedades limitadas a legislação supletiva não é a das sociedades simples, mas a das sociedades por ações, por força de previsão contida no contrato social[10]. Nesse caso, o credor não contará com a garantia adicional.
 
A descapitalização tem impacto também no interesse da empresa, com prejuízo de sua operacionalidade e, muitas vezes, de sua própria existência.

Em palestra proferida no dia 5 de julho de 2010 – na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional da capital de São Paulo – o professor Maurício Scheinman ressaltou que: “a retirada é uma meia falência. Provoca na empresa uma ferida exposta, obrigando-a a expor cruamente seu patrimônio. Muitas vezes vê-se que está insolvente e o sócio desiste de sua retirada para não ter que pagar de imediato os prejuízos apurados”.
 
Conseguimos visualizar no texto de lei as razões pelas quais concordamos com essa conclusão e ousamos sugerir medidas para atenuá-las.
 
Pelo artigo 1077 se, por deliberação da maioria (do capital), houver modificação do contrato social, fusão da sociedade, incorporação de outra ou dela por outra, o sócio que não concordar com a alteração pode exercer seu direito de retirada.
 
Na regência supletiva da lei das sociedades anônimas – por disposição contida no contrato social – serão essas basicamente as hipóteses de retirada (art. 137 da Lei nº 6.404/79).
 
Na aplicação de normas da sociedade simples – por omissão do contrato social e incidência do artigo 1053 do Código Civil – o sócio poderá retirar-se de sociedade por prazo indeterminado mediante simples comunicação aos demais, com antecedência de sessenta dias (art. 1029).
 
A jurisprudência tem elastecido essas proposições admitindo outras, tais como a quebra da affectio societatis.  Embora não catalogada em lei como causa de dissolução parcial, os tribunais têm feito prevalecer o princípio constitucional segundo o qual ninguém é obrigado a manter-se associado. Obedecem, desta forma, a realidade insuperável de que não existem meios de se obrigar um sócio insatisfeito a colaborar para o esforço comum.
 
O direito de retirada encontra resistência nas sociedades empresárias com prazo determinado de duração.
 
Já antecipamos que apesar do tratamento prolixo e engessador dispensado pelo Código Reale às sociedades limitadas, este não lhes suprimiu a estrutura contratual. Destarte, um meio de se proteger a sociedade contra a dissolução parcial por retirada seria alongar-lhes o período de vigência, fixando-se nos atos constitutivos o termo final conveniente aos objetivos.
 
Esse mecanismo não impede os dissabores da liquidação, mas inverte o ônus do desgaste possibilitando à empresa continuar suas atividades e preparar-se materialmente para o pagamento enquanto o sócio insatisfeito prova em juízo as suas razões (artigo 1029).
 
A retirada, qualquer que lhe seja o motivo, impõe a liquidação parcial para apuração de haveres do sócio dissidente. Objeto de disputas internas e de dissecações patrimoniais, ver-se-á a sociedade exposta em suas “feridas” afastando os parceiros mais sensíveis a este quadro.
 
Pode-se ver nas sociedades empresariais em liquidação uma sensível diminuição na quantidade de encomendas, uma dificuldade excessiva na obtenção de empréstimos para capital de giro, uma ruptura injustificada dos contratos em andamento e uma dificuldade maior na lida com seus fornecedores – para ficarmos em apenas alguns exemplos.
 
Ao mesmo tempo em que minguam-lhe as entradas pela queda de operacionalidade, esvaem-lhe os recursos em gastos constantes com processos e perícias. Não é raro que nessas circunstâncias os sócios remanescentes optem pela dissolução total, pondo fim à pessoa jurídica.
 
O artigo 1077 remete ao 1031:

  • para possibilitar que as sociedades limitadas disponham no contrato social sobre os meios pelos quais apurar-se-á o valor da quota do sócio que se desliga;
  • para determinar que – em havendo omissão no ato constitutivo – este valor seja apurado com base na situação patrimonial vigente na data da resolução, em balanço especialmente levantado para este fim;
  • para possibilitar que as sociedades limitadas disponham no contrato social sobre o prazo e a forma de pagamento do valor apurado;
  • para determinar que na ausência de previsão o pagamento seja realizado em dinheiro, no prazo de noventa dias a contar da liquidação, in verbis:

“Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§ 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

§ 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.”

Independentemente de haver ou não disposição contratual, o dissenso dos sócios remete a questão ao Judiciário onde os juízes, à míngua de provas para decidir, simplesmente nomeiam peritos.
 
Esses, por sua vez, apoiam-se em elementos tênues e subjetivos. Não há como mensurar-se o valor da clientela, da marca, da tecnologia, do fundo de comércio e de outros elementos intangíveis. Entretanto, todas essas variáveis integram os haveres do sócio que se retira. A interdisciplinaridade com a ciência das finanças traz a essa etapa do processo metodologias eficientes (conquanto drásticas para a sociedade), como a do Fluxo de Caixa Livre (free cash flow).
 
Os sacrifícios da liquidação costumam se estender por anos, criando a impossibilidade material de se cumprir a lei – que fixa como parâmetro a data de saída do sócio. Os resultados costumam ser danosos: a subavaliação compromete a imagem da pessoa jurídica, passando a impressão de que não está apta a honrar seus compromissos; a superavaliação leva ao enriquecimento ilícito do sócio que se retira, e tantas vezes a um enfraquecimento severo da sociedade.
 
O contato com os problemas cotidianos dos clientes autoriza-nos a dizer que o erro não está nos procedimentos, mas na lei. O Código Civil de 2002 confere à retirada poderes de venda, obriga a sociedade a suportar todos os encargos para apuração do preço e estipula-lhe prazo fixo para pagamento em dinheiro.
 
Pitoresco que, nesse aspecto, o derrogado Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, parecia possibilitar melhor solução, pois oferecia aos juízes elementos concretos para decidir:
 

“Art. 15. Assiste aos sócios que divergirem da alteração do contracto social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do ultimo balanço aprovado.(…).”

 
Esses são, enfim, alguns aspectos referentes à retirada da sociedade limitada.

 


[1] Artigo 335, incisos 1 e 3, da Lei 556 de 25 de junho de 1850 (CCom): As sociedades reputam-se dissolvidas:
1 – Expirando o prazo ajustado da sua duração. 3 – Por mútuo consenso de todos os sócios.

[2] Artigo 18 do Decreto 3.708/1919.
 

[3]  Artigo 206, inciso I, alíneas “d” e “e”, da Lei 6404/76 (Lei das S.A.): “Dissolve-se a companhia: I – de pleno direito: d) pela existência de 1 (um) único acionista, (…); e) pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar”.

[4] Código Civil Anotado – Maria Helena Diniz – Ed. Saraiva – 2002 – pág. 584.

[5] Idem – pág. 572

[6] “Comentários ao novo Código Civil” – Direito das sociedades – Volume IV – pág. 124.

[7] Artigo 206, inciso I, alínea “c”, da Lei nº 6.404/76: Dissolve-se a companhia: I – de pleno direito: c) por deliberação da assembléia geral (art. 136, X).

[8] Waldemar Ferreira. Tratado de Sociedades Mercantis. Vol. II – 5ª Ed. – 1958 – fls. 540. (trecho extraído do livro “Dissolução total e parcial das sociedades civis e comerciais” – Luciano campos de Albuquerque – JM Editora – 1999 – pág. 116).

[9] O Futuro do Direito Comercial – Fábio Ulhoa Coelho – Ed. Saraiva – 2011 – art. 658 – pág. 132

[10] Artigo 1053, parágrafo único, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2010 (CC): Parágrafo único: O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

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