Securitizadora deve ser tributada como factoring, diz Receita Federal

28/04/2014

Por Vinícius de Barros

Vinicius de Barros – 

Recentemente escrevemos um artigo tratando dos riscos da securitização de créditos comerciais, atividade que vem sendo usada por alguns como substitutiva do factoring, por conta de supostas vantagens tributárias. Segundo esse artigo, o principal problema da securitização era a ausência de regulamentação própria para a atividade, o que gerava uma enorme insegurança, que só acabaria quando o fisco normatizasse o setor. Pois bem, parece que o fisco nos ouviu. No último dia 11 de abril foi publicado o Parecer Normativo nº 5 da Receita Federal do Brasil, que regulamentou a tributação das securitizadoras de créditos comerciais. Tal norma jogou um enorme balde de água fria naqueles que escolheram a securitização por conta das supostas vantagens tributárias que a atividade apresentava.

As vantagens em questão eram (i) a possibilidade da opção de tributação do IRPL e da CSLL pelo lucro presumido e (ii) o pagamento das contribuições ao PIS/COFINS pelo regime cumulativo. Porém, de acordo com a nova norma da Receita Federal, as securitizadoras de créditos comerciais não podem optar por tais formas de tributação. Segundo o fisco, as securitizadoras devem adotar o mesmo regime de tributação das factorings, ou seja, lucro real para o IRPJ e CSLL e regime não-cumulativo para o PIS e a COFINS.

O Parecer Normativo nº 5 também definiu que a receita bruta das securitizadoras de créditos comerciais, para fins de apuração da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, é o deságio, assim entendido a diferença entre o valor de face dos títulos de crédito adquiridos e o custo de aquisição.

Veja abaixo o inteiro teor da norma:
 
Assunto: IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS JURÍDICAS (IRPJ).

Ementa: Estão obrigadas ao regime de tributação do lucro real as pessoas jurídicas que explorem a atividade de compras de direitos creditórios, ainda que se destinem à formação de lastro de valores mobiliários (securitização).

Dispositivos Legais: Lei nº 9.718/98, art. 14, VI.

Assunto: CONTRIBUIÇÃO PARA O PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO DO TRABALHADOR E DE FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO SERVIDOR PÚBLICO (PIS). CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS).
Constitui receita bruta das pessoas jurídicas que explorem a atividade de compras de direitos creditórios o deságio obtido na aquisição dos títulos de crédito, ainda que se destinem à formação de lastro de títulos e valores mobiliários (securitização).

Dispositivos Legais: Decreto nº 4.524, de 2002, art. 10, § 3º, Lei nº 10.637, de 2002, art. 1º, § 1º, Lei nº 10.833, de 2003, art. 1º, § 1º.

E-processo 13355.722615/2013-45

Relatório
 
1. Cuida-se de analisar, em relação às pessoas jurídicas que exploram a atividade econômica de securitização de ativos empresariais, a configuração de sua receita bruta e o regime de tributação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IRPJ) ao qual devem se submeter.
 
2. Dúvidas e divergências acerca do tema têm sido suscitadas e a falta de uniformidade na interpretação da matéria em referência tem gerado insegurança jurídica, tanto para os sujeitos passivos como para a Administração Tributária, impondo-se a edição de ato uniformizador acerca da matéria.
 
Fundamentos
 
3. O art. 14 da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, estabeleceu a obrigatoriedade do regime do lucro real para determinadas atividades econômicas, nos seguintes termos:
 
Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:
 
[…]
 
VI – que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).
 
[…]
 
VII – que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010)
 
4. A Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, ao incluir, no dispositivo supracitado, o inciso VII especificando segmentos de negócio, deu margem ao entendimento de que a norma não alcançaria a securitização de créditos comerciais por falta de menção expressa.
 
5. Partindo dessa interpretação, algumas entidades de fomento mercantil (factorings) iniciaram um processo de reestruturação de suas atividades para operar nos moldes das companhias securitizadoras constituídas na forma da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que regulamentou a securitização de ativos imobiliários, optando em seguida pelo regime de tributação do lucro presumido, passando a aplicar as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins previstas no regime de apuração cumulativa.
 
6. A origem etimológica da palavra crédito vem do latim creditum, que significa "coisa confiada", portanto, está associada a qualquer relação ou transação assentada na confiança. Nesse sentido, o crédito resulta de uma relação jurídica e econômica inconclusa, e assim, com risco de insolvência ou de ser resolvida em condições menos favoráveis ao credor do que aquelas pactuadas inicialmente.
 
7. O título de crédito é o documento representativo dessa relação e tem caráter literal e autônomo, ao teor do art. 887 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil (CC), isto é, o crédito é constituído nos termos contidos no título (literalidade) e não se vincula ao negócio que lhe deu origem (autonomia). Pode assim ser transferido e circular na economia por meio de endosso ou cessão, onerosa ou gratuita, conforme as regras gerais previstas nos arts. 286 a 298 do CC.
 
8. Não obstante, a cessão onerosa é objeto de um mercado com suas próprias características, regras de funcionamento, e oportunidades econômicas, e de todo regido pelo risco de crédito decorrente da possibilidade de perdas associadas a:
 
a) não cumprimento, pelo devedor, de suas respectivas obrigações financeiras nos termos pactuados (insolvência);
 
b) desvalorização do título decorrente da deterioração na classificação de risco do devedor;
 
c) redução de ganho ou remuneração estimada;
 
d) redução de vantagens concedidas na renegociação;
 
e) custos de recuperação elevados.
 
9. Além disso, o crédito pode contar com garantias oferecidas pelo devedor que, salvo disposição em contrário, acompanham o título, conforme previsto nos arts. 287 e 893 do Código Civil (CC), e visam mitigar o risco.
 
10. Embora o crédito e o risco sejam componentes indissociáveis do título, sob ponto de vista da titularidade de direitos são elementos distintos, uma vez que o cessionário de um título pode ou não arcar com o risco a ele inerente. As diversas combinações de transferências do crédito e do respectivo risco compõem os elementos caracterizadores das operações típicas desse mercado. Tem-se portanto, como características essenciais do título de crédito, a literalidade e autonomia, e como elementos constitutivos de valor econômico, o crédito em si e o respectivo risco, que formam a base das operações.
 
11. As regras gerais, previstas principalmente nos arts. 287 e 295 do Código Civil (CC), estabelecem que a cessão do crédito abrange as garantias e o risco, ressalvadas disposições em contrário, isto é, qualquer efeito diverso da regra geral deve ser produzido por cláusula específica. Nesse sentido, é possível conceber diversas modalidades de operações a partir de diferentes combinações de cessão de crédito, risco e garantias. O mercado de crédito mercantil opera principalmente duas modalidades de negócio, que se distinguem exatamente pelo tratamento dado ao risco: o desconto financeiro e o desconto mercantil.
 
12. O desconto financeiro, efetuado em uma instituição financeira, caracteriza-se pela cessão onerosa de títulos de crédito mediante a transferência apenas do crédito, permanecendo o cedente com a responsabilidade pela insolvência do título, seja por meio de aval ou qualquer outra cláusula de responsabilidade pessoal, necessariamente estipulado no contrato no qual se ampara a cessão. Isso porque o contrato típico dessa modalidade de transação configura-se como um mútuo de valor e vencimento coincidentes com o título, o que traduz uma operação exclusiva das instituições financeiras, sendo remunerada pelos juros incorridos entre o momento da cessão e o da liquidação do título. Os fatores de risco da operação concentram-se muito mais no mútuo do que no título.13. Já no desconto mercantil, denominado por faturização ou factoring quando operado por empresas dedicadas a essa atividade, todos os elementos do título são transferidos ao cessionário, e não admite qualquer cláusula que leve à responsabilidade do cedente pelo risco de crédito.
 
14. A jurisprudência tem enfatizado a neutralidade do cedente em relação ao risco de crédito de título faturizado, nos seguintes termos:
 
AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO DECLARATÓRIA – NULIDADE DE NOTAS PROMISSÓRIAS – EMPRESA DE FACTORING – REALIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS E DE DESCONTO DE TÍTULOS COM GARANTIA DE DIREITO DE REGRESSO – IMPOSSIBILIDADE – PRÁTICA PRIVATIVA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INTEGRANTES DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – PRECEDENTES DESTA CORTE – INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA/STJ – ADEMAIS, ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – REEXAME DE PROVAS – ÓBICE DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ – MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA – AGRAVO IMPROVIDO".(grifei)
 
(STJ – AgRg no Ag 1071538/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 18/02/2009)
 
— X —
 
AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO DECLARATÓRIA – NULIDADE DE NOTAS PROMISSÓRIAS – EMPRESA DE FACTORING – REALIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS E DE DESCONTO DE TÍTULOS COM GARANTIA DE DIREITO DE REGRESSO – IMPOSSIBILIDADE – PRÁTICA PRIVATIVA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INTEGRANTES DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – PRECEDENTES DESTA CORTE – INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA/STJ – ADEMAIS, ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – REEXAME DE PROVAS – ÓBICE DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ – MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA – AGRAVO IMPROVIDO.
 
(Resp 773.202/RS, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 13.3.2007)
 
— X —
 
COMERCIAL – "FACTORING" – ATIVIDADE NÃO ABRANGIDA PELO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – INAPLICABILIDADE DOS JUROS PERMITIDOS AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
 
I – O "FACTORING" DISTANCIA-SE DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA JUSTAMENTE PORQUE SEUS NEGOCIOS NÃO SE ABRIGAM NO DIREITO DE REGRESSO E NEM NA GARANTIA REPRESENTADA PELO AVAL OU ENDOSSO. DAÍ QUE NESSE TIPO DE CONTRATO NÃO SE APLICAM OS JUROS PERMITIDOS AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. E QUE AS EMPRESAS QUE OPERAM COM O "FACTORING" NÃO SE INCLUEM NO AMBITO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
 
II – O EMPRESTIMO E O DESCONTO DE TITULOS, A TEOR DE ART. 17, DA LEI 4.595/64, SÃO OPERAÇÕES TIPICAS, PRIVATIVAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, DEPENDENDO SUA PRATICA DE AUTORIZAÇÃO GOVERNAMENTAL.
 
III – RECURSO NÃO CONHECIDO.
 
(REsp nº 119.705/RS, 3ª Turma, relator Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 29/6/98)
 
15. As decisões distinguem a faturização do desconto financeiro dissociando o crédito do respectivo risco, ao afirmar que é o risco que a faturizadora adquire efetivamente. Na lógica adotada pela jurisprudência, a situação do crédito e a do risco definem a natureza das operações com títulos de crédito, concluindo que o desconto financeiro pretende o crédito, mas não o risco. Já na faturização a cessão visa o risco, e não o crédito. Nessa perspectiva, o crédito e o risco, como elementos distintos, podem ter valores econômicos diferentes na cessão de títulos, sendo o crédito definido pelo valor a ser pago pelo devedor, e o risco, com preço avaliado e negociado entre cedente e cessionário.
 
16. Por sua vez, a securitização de títulos de crédito trata de converter o risco de crédito de uma determinada carteira em valor mobiliário, de forma a diluir o risco no mercado de capitais, e constitui um instrumento financeiro próprio desse mercado. Como tal, pressupõe supervisão dos órgãos reguladores: Banco Central do Brasil (BACEN) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM)).
 
17. No Brasil, a securitização de ativos surgiu em empresas não financeiras, evoluindo para as instituições financeiras com a edição de normas, tais como a Lei nº 9.514, de 1997, e Resolução CMN/BACEN nº 2.686, de 26 de janeiro de 2000, para créditos imobiliários, Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004, para créditos agrícolas, e Resolução CMN/BACEN nº 2.836, de 30 de maio de 2001, para créditos financeiros. Além de disciplinar as operações, criaram instrumentos específicos de emissão exclusiva da securitizadora regulamentada, tais como o CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários) e CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio). Pela falta de regulamentação própria, a securitização de recebíveis comerciais adotou o uso de instrumento de captação já instituído no mercado de capitais: a debênture.
 
18. Dessa forma, o investidor recebe o retorno do investimento por meio de pagamentos a título de amortizações e encargos na medida em que os títulos de lastro são liquidados e/ou remunerados, compondo assim fluxos financeiros combinados, administrados pela securitizadora. Os títulos inadimplidos e considerados incobráveis são abatidos do lastro, reduzindo assim os fluxos financeiros, o que, observados os termos pactuados, resulta, a princípio, em perda tanto para o investidor quanto para a securitizadora, por diferentes motivos, melhor compreendidos mais adiante. Não obstante, a securitização oferece diversas oportunidades econômicas para o investidor, pelas possibilidades de ganhos com o risco adquirido e não materializado, e para os cedentes, pela antecipação de recebíveis e redução da pressão do risco de crédito sobre seus ativos.
 
19. Tem-se portanto que, em se tratando de direitos creditórios comerciais, tanto a securitização quanto a faturização operam a compra de direitos creditórios originados em vendas a prazo de bens e serviços, configurando modalidades distintas de fomento mercantil, que só se distinguem pela destinação dos títulos adquiridos, ou seja, a securitização se caracteriza pela formação de lastro para os títulos mobiliários emitidos, e a faturização se ocupa da formação de carteira própria. Contudo, em ambos os casos a aquisição de recebíveis comerciais é regida pelas mesmas regras, dispostas nos arts. 287 e 295 do Código Civil (CC).
 
20. Dessa forma, não há qualquer justificativa para conferir tratamentos tributários distintos a empresas que exerçam atividade de securitização de créditos comerciais ainda que não haja regulamentação específica estabelecida em lei comercial.
 
21. Por essa razão, e por se tratar de empresas dedicadas à compra de direitos creditórios originários de vendas a prazo de bens e serviços, tal como disposto no art. 14, inciso VI, da Lei nº 9.718, de 1998, as securitizadoras de direitos creditórios comerciais sujeitam-se a tributação obrigatória pelo regime do lucro real, assim como as faturizadoras, cabendo-lhes portanto, o mesmo tratamento tributário.
 
22. Ademais, a exposição de motivos (EM Interministerial nº 00180/2009 – MF/MDIC) da MPV nº 472, de 15 de dezembro de 2009, convertida na Lei nº 12.249, de 2010, que introduziu o inciso VII do art. 14 da Lei nº 9.718, de 1998, já reconhecia a similaridade das atividades desenvolvidas pelas securitizadoras de ativos empresariais e pelas faturizadoras, ao afirmar que "27. As atividades das securitizadoras de recebíveis se assemelham em muito às atividades de factoring, as quais se encontram obrigadas à adoção da apuração pelo lucro real, conforme disposto no inciso VI do art. 14 da Lei nº 9.718, de 1998.", o que implica concluir que as securitizadoras de ativos empresariais não foram incluídas no inciso VII porque já estavam abrangidas pelo inciso VI.
 
23. Em relação ao conceito de receita bruta, releva destacar a definição disposta no § 3º do art. 10 do Decreto nº 4.524, de 17 de dezembro de 2002, e no Ato Declaratório SRF nº 009, de 23 de fevereiro de 2000, pela qual o deságio, assim entendido a diferença entre o valor de face e o valor pago ao cedente, corresponde à receita bruta nas aquisições de direitos creditórios efetuadas por empresas de fomento comercial (factoring). Pelas razões até aqui expostas, tal definição aplica-se ao gênero de empresas de fomento comercial, sendo extensiva à espécie, tal qual as securitizadoras de ativos empresariais.
 
24. Convém assinalar que, para a securitizadora, a emissão de títulos não gera receita nova, tratando-se de simples captação de recursos com contrapartida no passivo. Na verdade, a ela cabem as vantagens próprias da intermediação, pela fixação de uma diferença (spread) entre os fluxos financeiros gerados pelo lastro e pelo título mobiliário, decorrente do resgate e remuneração dos títulos mobiliários em valores inferiores aos recebidos pelos títulos de crédito.
 
25. Entretanto, o spread não produz acréscimo patrimonial, eis que se trata de realização parcial do deságio obtido na formação do lastro, sendo a parcela restante destinada à realização do retorno do investidor, isto é, a taxa de deságio do lastro comporta o spread e a remuneração do título mobiliário, e se impõe como limite nessa composição, sob pena de prejuízo da operação, a ser suportado pela securitizadora.
 
26. Considerando, portanto, que a securitização trata de converter o risco em valor mobiliário, com realização de parte do deságio por meio do spread, via de regra, a captação se dá pelo exato valor do custo do lastro. Contudo, embora incomum, ao menos no segmento imobiliário, podem ocorrer eventuais diferenças entre o valor captado e o custo do lastro, o que altera a margem de realização da receita obtida com o deságio. A captação de valores superiores ao do custo de formação do lastro também é realização do deságio, só que reduz, na mesma medida, sua margem de realização, ou seja, o spread e o retorno do investidor. No sentido contrário, a captação em valores inferiores ao custo do lastro importa em prejuízo para a securitizadora, mas gera uma margem maior para composição do retorno do investidor e principalmente do spread, o que possibilita a recuperação da perda inicial ao longo do fluxo financeiro.
 
27. Verifica-se assim que as alternativas básicas de lucro na exploração da atividade reportam-se invariavelmente ao deságio obtido na aquisição de títulos de crédito, o que leva a concluir ser essa a fonte primária de receita de qualquer empresa dedicada à aquisição de títulos de crédito, aí incluídas as securitizadoras. As taxas e encargos cobrados do cedente ou investidor constituem fontes secundárias de receita, pelo caráter facultativo.
 
28. Por oportuno, convém distinguir aqui a classificação contábil-tributária do deságio e do valor de face dos títulos de crédito adquiridos. Isso porque, sendo o deságio um componente do valor de face dos títulos, a este poderia ser atribuída a natureza de receita bruta do cessionário, até porque a existência do título precede a do deságio.
 
29. Contudo, deve-se considerar que o título materializou-se a partir de receita já reconhecida pelo emitente, ou seja, pelo credor primitivo, razão pela qual não pode o cessionário reconhecer novamente toda essa receita como resultado próprio, sob pena de admitir-se a hipótese de uma única transação a prazo gerar a mesma receita para cada adquirente de um mesmo título de crédito. Tal fenômeno não se conforma à lógica econômica e contábil.
 
30. Com efeito, o cessionário se apropria do deságio, que é a parte alienada da receita ou faturamento gerador do título, e que, para o cedente, resulta em ajuste patrimonial pela via da despesa, de forma que o somatório de todas as receitas obtidas em cada cessão de um mesmo título de crédito é sempre igual à receita primitiva, que deu origem ao título, mantendo sua integridade sistêmica.
 
31. A complexidade e diversidade de opções de negócio da securitização demandam ordenamento e disciplina regulamentar, e as normas editadas até o momento aplicam-se a créditos imobiliários, financeiros, e agrícolas, porque eram segmentos com demanda instaurada. Contudo, e muito recentemente, pelos motivos já discorridos e que não se relacionam com o mercado, surgiram empresas constituídas como securitizadoras de ativos empresarias, utilizando, por analogia, as disposições da Lei nº 9.514, de 1997, e alegadamente dedicadas a securitização de títulos de crédito originados em operações de venda de bens e serviços. Embora admissível, a constituição de pessoas jurídicas com esse objeto social, sob ponto de vista da exploração econômica, não se distingue de uma empresa de fomento mercantil, eis que a securitização se desdobra na captação de recursos por meio da emissão de títulos mobiliários, que não gera receita própria, combinada com a aquisição de títulos de crédito, esta sim, atividade que efetivamente gera o acréscimo patrimonial, pelo valor do deságio obtido na cessão.
 
32. Assim, a receita bruta das securitizadoras de crédito, de qualquer espécie, bem como de qualquer pessoa jurídica dedicada à compra de direitos creditórios, é o deságio, assim entendido a diferença entre o valor de face do título e o respectivo custo de aquisição.
 
Conclusão
 
Diante do exposto, conclui-se que:
 
a) as pessoas jurídicas que exploram a atividade de securitização de ativos empresariais estão obrigadas ao regime de tributação do lucro real, por força do disposto no art. 14, VI, da Lei nº 9.718, de 1998, e das demais, por disposição expressa do inciso VII;
 
b) a receita bruta das pessoas jurídicas que exploram a atividade de securitização de ativos empresariais, para fins de apuração da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, é o deságio, assim entendido a diferença entre o valor de face dos títulos de crédito adquiridos e o custo de aquisição.
 
À consideração superior.
 
PAULO MÁRCIO DA ROCHA CARMONA
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
 
De acordo. Ao Secretário da Receita Federal do Brasil.
 
FERNANDO MOMBELLI
Subsecretário de Tributação e Contencioso Substituto
 
Aprovo. Publique-se no Diário Oficial da União.
 
CARLOS ALBERTO FREITAS BARRETO
Secretário da Receita Federal do Brasil
 
DESPACHO DO SECRETÁRIO DA RFB
 
Aprovo o presente Parecer Normativo. Publique-se no Diário Oficial da União.

vinicius@fortes.adv.br

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