A venda de participações societárias e as polêmicas sobre a isenção do imposto no ganho de capital

15/05/2014

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Rafaela Borrajo Costa Blanco Calçada –  

Nos últimos anos, muitos contribuintes detentores de participações societárias adquiridas nas décadas de 1970 e 1980 têm buscado no Poder Judiciário o reconhecimento do direito à isenção do Imposto de Renda (IR) incidente sobre o ganho de capital na alienação das referidas participações, benefício este que era previsto no artigo 4º do Decreto-lei n. 1510, de 27 de dezembro de1976[1], e que foi revogado pela Lei Federal n. 7713, em 22 de dezembro de 1988.

O que se discute é se a isenção tributária continua valendo para as pessoas que alienaram ou pretendem alienar suas participações societárias após a revogação do artigo 4º do Decreto-lei n. 1510/76.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, o direito à isenção continua valendo para a pessoa física que (i) tiver adquirido a participação societária na vigência do Decreto-lei (a partir de janeiro de 1977) e (ii) mantido a titularidade da participação societária pelo período de 5 (cinco) anos, enquanto vigente o Decreto-lei (até dezembro de 1988). Ou seja, a aquisição tem que ter ocorrido entre 1977 e 1983 (5 anos antes da revogação do Decreto-lei) para que a participação societária seja beneficiada pela isenção. Confira-se as ementas das decisões proferidas pelo STJ que garantem o benefício:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ALIENAÇÃO DE AÇÕES SOCIETÁRIAS. ISENÇÃO CONDICIONADA OU ONEROSA. DECRETO-LEI N. 1.510/76. REVOGAÇÃO PELA LEI N. 7.713/88. DIREITO ADQUIRIDO À ISENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO. SÚMULA N. 544/STF.

1. Insere-se no conceito de isenção condicionada ou onerosa a isenção do imposto de renda sobre lucro auferido por pessoa física em virtude de venda de ações (art. 4º, "d" do Decreto-Lei n. 1.510/76), pois concedida mediante o cumprimento de determinado requisito (condição), qual seja, o de a alienação ocorrer somente após decorridos cinco anos da subscrição ou da aquisição da participação societária.

2. Cumpridos os requisitos para o gozo da isenção condicionada, tem o contribuinte direito adquirido ao benefício fiscal.

3. "Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas" (Súmula n. 544/STF).

4. Recurso especial não-provido.”[2]

“TRIBUTÁRIO – ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA SOBRE ALIENAÇÃO DE AÇÕES SOCIETÁRIAS – DECRETO-LEI 1.510/76 – REVOGAÇÃO PELA LEI 7.713/88 – DIREITO ADQUIRIDO.

1. Direito adquirido à isenção de imposto de renda sobre lucro auferido na alienação de ações societárias, benefício outorgado no Decreto-Lei n. 1.510/76, revogado pela Lei 7.713/88.

2. Entre a aquisição das ações, ocorrida em dezembro de 1983, e a vigência da Lei 7.713/88, em janeiro de 1989, quando foi revogado o benefício, transcorreram os cinco anos estabelecidos como condição para a obtenção da isenção do imposto de renda.

3. A venda das ações ocorreu posteriormente à vigência da Lei n 7.713/88, o que não prejudica o direito à isenção, adquirido sob a égide do diploma legal antecedente.

4. Recurso especial provido.”[3]

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. DECRETO-LEI N. 1.510/1976. – A Primeira Seção do STJ fixou o entendimento de que é isento do Imposto de Renda o ganho de capital decorrente da alienação de ações societárias após 5 (cinco) anos da respectiva aquisição, ainda que transacionadas após a vigência da Lei n. 7.713/1988, conforme previsão do Decreto-Lei n. 1.510/1976. Agravo regimental improvido.”[4]

Dessa forma, uma vez preenchidos os requisitos, a pessoa física que possuir participação societária adquirida no período de 1977 a 1983 permanece com o direito à isenção do imposto de renda sobre o ganho de capital.

É importante esclarecer que muito embora o entendimento do Poder Judiciário seja favorável aos contribuintes, titulares das participações societárias, há divergência quanto ao tema no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão que julga os processos administrativos tributários, conforme decisões abaixo:

“IRPF – PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS – AQUISIÇÃO SOBRE OS EFEITOS DA HIPÓTESE DE NÃO INCIDÊNCIA PREVISTOS NO ART. 4°, ALÍNEA "d" DO DECRETO-LEI 1510/76 – DIREITO ADQUIRIDO A ALIENAÇÃO SEM TRIBUTAÇÃO MESMO NA VIGÊNCIA DE LEGISLAÇÃO POSTERIOR ESTABELECENDO A HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA (LEI 7713/88) Se a pessoa física titular da participação societária, sob a égide do art. 4°, "d", do Decreto-Lei 1.510/76, subsequentemente ao período de 5 (cinco) anos da aquisição da participação, alienou-a, ainda que legislação posterior ao decurso do prazo de 5 (cinco) anos tenha transformado a hipótese de não incidência em hipótese de incidência, não torna aquela alienação tributável, prevalecendo, sob o manto constitucional do direito adquirido o regime tributário completado na vigência da legislação anterior que afastava qualquer hipótese de tributação.”[5]

“GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A isenção prevista no art. 4º, do Decreto-Lei nº 1.510, de 1976, foi expressamente revogada pelo art. 58, da Lei nº 7.713, de 1988 e não se aplica a fato gerador (alienação) ocorrido a partir de 1º de janeiro de 1989 (vigência da Lei nº 7.713, de 1988), pois inexiste direito adquirido a regime jurídico. MULTA DE QUALIFICADA. FRAUDE. SONEGAÇÃO FUTURA. OUTROS TRIBUTOS. Incabível a multa qualificada sem a comprovação de fraude ou apenas pela possível sonegação futura de terceiros, estranhos a autuação, ainda que filhos do autuado, ou mesmo em relação a possível sonegação a outros tributos, fora da competência tributária ativa da União.”[6]

Assim, embora o Poder Judiciário reconheça o direito, os contribuintes que desejarem usufruir do benefício podem ter que se sujeitar a autuações fiscais e processos judiciais.

Mas a discussão ao direito adquirido à isenção na alienação de participações societárias vai mais além. Há quem argumente que as pessoas físicas que após a revogação do Decreto-lei n. 1510/76 receberam, por doação ou por herança, participações societárias adquiridas por seus ascendentes no período beneficiado pela isenção, permanecem com o direito à isenção tributária em eventual alienação dos investimentos a terceiros.

Sucede que esse entendimento não vem sendo acolhido nos Tribunais. De acordo com os precedentes, a isenção não é transmitida aos descendentes, atuais titulares das participações societárias, pois se trata de um direito personalíssimo conferido apenas à aquele que cumpriu os requisitos para a fruição do benefício. Logo, se os descendentes não receberam as participações societárias entre 1977 e 1983, a jurisprudência entende que eles não podem fruir do benefício tributário. Veja-se:

“APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – TRIBUTÁRIO – ALIENAÇÃO DE AÇÕES – IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA -DECRETO-LEI 1.51076 – ISENÇÃO – EXTENSÃO A TERCEIRO QUE NÃO IMPLEMENTOU AS EXIGÊNCIAS LEGAIS – IMPOSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO.

1- Há jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser isento do imposto de renda o ganho de capital decorrente da alienação de ações societárias após cinco anos da respectiva aquisição, ainda que transacionadas após a vigência da Lei 7.713/88, nos termos do DL 1.510/76. Precedente: REsp 1148820/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 26/08/2010.

2- Entretanto, o presente caso encerra uma peculiaridade, concernente ao fato de que o beneficiário da isenção não a usufruiu (uma vez que não alienou em vida sua participação societária).

3- A isenção a que alude o Decreto-lei 1.510/76 é conferida ao contribuinte que cumpre determinado requisito (condição), qual seja, o de a alienação ocorrer somente após decorridos cinco anos da subscrição ou da aquisição da participação societária. Assim, o contribuinte que implementa a referida condição pode se beneficiar da correlata isenção. Trata-se de um direito que se incorpora ao patrimônio jurídico (direito adquirido) daquele que cumpriu as exigências legais vigentes à época, de modo a poder ser por ele usufruído.

4- Não há que se falar em afronta ao direito adquirido da apelante, posto não ser de sua titularidade tal direito, mas sim de seu ascendente. A isenção foi prevista em atenção a uma situação personalíssima e, portanto, insuscetível de transferência. Uma vez que a apelante não implementou as exigências legais para o gozo do benefício tributário, não há direito ao seu gozo.

5- Apelação a que se nega provimento.”[7]

“APELAÇÃO EM AÇÃO ORDINÁRIA – TRIBUTÁRIO – ALIENAÇÃO DE AÇÕES – IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA -DECRETO-LEI N.º 1.510/76 – ISENÇÃO – EXTENSÃO A TERCEIRO QUE NÃO IMPLEMENTOU AS EXIGÊNCIAS LEGAIS – IMPOSSIBILIDADE – DIREITO ADQUIRIDO. PERSONALÍSSIMO.

1. O deslinde do caso passa pela análise de dois pontos essenciais: a existência de direito adquirido do contribuinte à isenção de IRPF, mesmo após a sua revogação pela Lei n.º 7.713/88 e a possibilidade de terceiro, que não adimpliu pessoalmente o ônus previsto na regra isentiva, poder se beneficiar pela mencionada isenção.

2. Acerca da primeira questão, há jurisprudência do E. STJ no sentido de ser isento do IR o ganho de capital decorrente da alienação de ações societárias, após cinco anos da respectiva aquisição, ainda que transacionadas após a vigência da Lei n.º 7.713/88, nos termos do Decreto-lei n.º 1.510/76.

3. In casu, um dos beneficiários da isenção, qual seja, a falecida Sra. Clélia Cordeiro Gadelha, não a usufruiu, uma vez que não alienou em vida sua participação societária, já que seu falecimento deu-se no ano de 1996 e a alienação, apenas em 2007. Nesse momento é que se coloca o segundo ponto mencionado acima, o de saber se terceiro pode se beneficiar da isenção, mesmo que não tenha cumprido pessoalmente as exigências legais para o seu deferimento. A resposta deve ser negativa pois, embora se reconheça que as condições já estavam implementadas em favor da de cujus, porquanto as ações foram adquiridas até o ano de 1986 e nunca foram vendidas pela mesma, com a sucessão não se transfere o aludido benefício aos autores.

4. A isenção tem cunho tributário e refere-se à pessoa física do contribuinte, devendo ser interpretada restritivamente, somente podendo valer-se do benefício o seu titular, aquele que adquiriu as ações e as manteve no patrimônio por cinco anos, conforme se infere da redação do Decreto-lei nº 1.510/76

5. A constituição da sociedade por quotas de responsabilidade limitada D.Q.G. ocorreu em 04/01/1982, transcorrido o prazo legal de 5 anos antes da revogação do aludido Decreto-lei pela Lei n.º 7.713/88. Assim, o contribuinte que implementa a referida condição pode se beneficiar da isenção. Trata-se de um direito que se incorpora ao patrimônio jurídico (direito adquirido) daquele que cumpriu as exigências legais vigentes à época, de modo a poder ser por ele usufruído.

6. Não há que se falar em afronta ao direito adquirido das demais apelantes, uma vez não ser de sua inteira titularidade tal direito, mas sim compartilhado com o espólio da Sra. Clélia Cordeiro Gadelha, sendo a isenção uma situação personalíssima e, portanto, insuscetível de transferência. Uma vez que parte das apelantes não implementou as exigências legais para a fruição do benefício tributário, não há direito ao seu gozo integral.

7. Apelação parcialmente provida.”[8]

Outro aspecto relevante sobre o tema e que merece destaque pelo fato de ser muito comum é quando a pessoa física possui, além das participações societárias adquiridas no final da década de 70, participações societárias adquiridas após a revogação do Decreto-lei n. 1510/1976, sendo todas de uma mesma empresa.

Nesse caso, como identificar os investimentos para que se possa alienar somente a parte sujeita à isenção? E se identificada a parte isenta, existe uma regra que estabeleça a ordem de preferência na alienação parcial da participação societária, se primeiro deve ser vendida a parte sujeita à isenção ou a parte não sujeita à isenção?

Na prática, a identificação das participações que estão sujeitas à isenção concedida pelo Decreto-lei 1510/1976 é feita por meio de documentos societários que demonstrem o histórico de aquisição do investimento pelo titular, acompanhados das declarações de IR do titular.

Sobre a ordem de preferência na alienação das participações societárias, não existe uma regra expressa vigente tratando do assunto, mas na época em que o Decreto-lei 1.510/76 estava em vigência, havia uma regra nesse sentido. Segundo o artigo 5º do Decreto-lei 1.510/76, “presume-se que as alienações se referem às participações subscritas ou adquiridas mais recentemente”. Dessa forma, aplicando-se essa regra, deve-se considerar que primeiro devem ser alienadas as participações societárias adquiridas mais recentemente.

Portanto, ultrapassada a dificuldade na identificação dos investimentos sujeitos à isenção, é possível concluir que, na ausência de regra vigente sobre a ordem de preferência na alienação das participações societárias, a regra do artigo 5º do Decreto-lei, ainda que revogada, pode ser aplicável, como já reconheceu o CARF no acórdão 2802-002.287, de 17/05/2013.

 


[1] Art 1º O lucro auferido por pessoas físicas na alienação de quaisquer participações societárias está sujeito à incidência do imposto de renda, na cédula "H" da declaração de rendimentos.
Art 4º Não incidirá o imposto de que trata o artigo 1º: d) nas alienações efetivadas após decorrido o período de cinco anos da data da subscrição ou aquisição da participação.”

[2] REsp 656222/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/10/2005, DJ 21/11/2005, p. 185.

[3] REsp 1126773/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 27/09/2010.

[4]AgRg no Ag 1425917/AL, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 07/12/2011.

[5] Acórdão 2202¬002.269, DJ 16/04/2013.

[6] Acórdão 2201002116, DJ 09/09/2013.

[7]TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AMS 0005047-95.2007.4.03.6108, Rel. JUIZ CONVOCADO RICARDO CHINA, julgado em 24/03/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/03/2011 PÁGINA: 1111

[8]TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AC 0027019-48.2007.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 04/08/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/08/2011 PÁGINA: 901.

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