Orlando Quintino Martins Neto –
São comuns em transações imobiliárias situações em que o comprador questiona o vendedor se ele possui ou não a escritura de aquisição do imóvel, como se fosse essa a prova cabal da propriedade. O que muita gente não sabe é que a escritura pública, enquanto não registrada, não comprova a efetiva transferência da propriedade. Ao menos, não perante terceiros.
Se a escritura pública não estiver registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente, a transferência da propriedade não ocorreu efetivamente. É o que diz a expressão popular “quem não registra não é dono”.
Ou seja, se uma pessoa tem uma escritura de um imóvel, não levada a registro, guardada no cofre de casa, essa pessoa não tem ainda a efetiva propriedade do imóvel. Se o vendedor de má-fé, por exemplo, novamente alienar o imóvel, e o novo adquirente, de boa-fé, registrar a escritura, será este último, em tese, o novo proprietário do imóvel.
O artigo 1.227 do Código Civil dispõe que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos.”.
O artigo 1.245, do mesmo diploma legal, dispõe o seguinte:
“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como o dono do o imóvel”.
Embora a venda de um mesmo imóvel a duas pessoas distintas possa, em tese, caracterizar um ato ilícito, passível de indenização, a ser discutido em ação própria, ou até mesmo um ilícito de ordem penal, fato é que nosso ordenamento jurídico resguarda o adquirente do imóvel que primeiro fizer o registro. E esse também vem sendo o entendimento dos nossos Tribunais.
O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Recurso Especial nº 104200-SP, assim se manifestou:
“A só e só circunstância de ter havido boa-fé do comprador não induz a que se anule o registro de uma outra escritura de compra e venda em que o mesmo imóvel foi vendido a uma terceira pessoa que o adquiriu também de boa-fé. Se duas distintas pessoas, por escrituras diversas, comprarem o mesmo imóvel, a que primeiro levar a sua escritura a registro é que adquirirá o seu domínio. É o prêmio que a lei confere a quem foi mais diligente. Recursos conhecidos e providos.”
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da mesma maneira, em julgamento do Recurso de Apelação nº 0127460-49.2009.8.26.0003, assim se manifestou em recente decisão proferida pela 4ª Câmara de Direito Privado:
“…Imóvel com outorga de escritura de venda a duas pessoas distintas, registrado o contrato pelo segundo outorgado. Hipótese em que não é atribuída conduta de má-fé ao comprador. Propriedade assegurada àquele que obteve em primeiro lugar acesso ao registro imobiliário. Caso específico que demanda ação entre os Autores e os demais corréus vendedores do imóvel, diante do que ficou enunciado no curso da instrução, mas não deduzido na inicial desta. Má-fé que não se presume. Sentença de improcedência mantida. Preliminar rejeitada e recurso não provido.”
Como se viu, a simples “escritura” não garante ao adquirente a propriedade do imóvel. Há necessidade de levá-la a registro, a fim de que a propriedade (domínio) do bem seja efetivamente transferida.
Também não é difícil encontrar em transações imobiliárias dúvidas se, naquela operação, há necessidade ou não de escritura pública. A resposta é simples: afora as exceções previstas em lei (por exemplo, alienação fiduciária em garantia, e imóveis adquiridos por meio do Sistema Financeiro da Habitação – SFH), se a operação envolver valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no País, haverá necessidade de se lavrar uma escritura pública. Caso contrário, se o valor for inferior a 30 salários, a transferência da propriedade poderá ocorrer mediante registro de instrumento particular.
É o que diz o artigo 108 do Código Civil:
“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”
Em quaisquer das hipóteses (escritura pública x instrumento particular), como se viu acima, é muito importante que seja realizado o registro do instrumento. Sem isso, não há transferência da propriedade.
20 junho, 2024
16 novembro, 2023
17 julho, 2023
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