Marcelo Augusto de Barros e Karina de Oliveira Castilho –
Com a entrada em vigor da Lei Federal nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal), dois temas, então polêmicos, foram sanados com a novel legislação: (1) a Área de Preservação Permanente (APP) de topo de morro e (2) a APP no entorno de reservatórios d’água artificiais.
A APP de topo de morro encontra-se definida no inciso IX do art. 4º do Novo Código Florestal:
“IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;”
Quanto à APP de reservatório, o Novo Código Florestal foi absolutamente claro ao definir que:
- “para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.” (art. 62).
- Para os demais reservatórios, a APP corresponderá à faixa definida na licença ambiental do empreendimento (art. 4º, III).
A polêmica que existia em relação à APP de topo de morro girava em torno da validade ou não das disposições contidas em normas infralegais do Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão consultivo ligado ao Ministério do Meio Ambiente. O Código Florestal de 1965 (revogado) não definia as medidas da área de topo de morro, como faz o código atual. Aproveitando-se desse vazio da lei, o Conama, sob o pretexto de regulamentar o antigo Código Florestal, editou a Resolução 303/2002 e definiu parâmetros e critérios para interpretar a existência de uma APP de topo de morro, tais como a elevação entre 50m e 300m, cujos parâmetros não existiam no código revogado.
Com relação à APP de reservatórios, a polêmica era tão grande ou maior, pois a Resolução Conama 302, outra norma (infralegal), e também editada com a presunção de regulamentar uma lei, definiu que a APP teria a faixa de 100m para áreas rurais e 30m para áreas urbanas consolidadas. O detalhe é que a definição da “área urbana consolidada” era uma utopia, pois previa uma densidade demográfica somente existente nos maiores centros urbanos do Brasil (o centro de São Paulo, por exemplo), em locais onde justamente não existem reservatórios. Na prática, seguindo as regras do Conama, a APP de reservatório era sempre de 100m, pois não existia a tal área urbana consolidada ao redor de nenhum reservatório e ninguém se lembrou de definir uma faixa para a área urbana “não consolidada”.
O Novo Código Florestal pôs fim a essas polêmicas. As APPs de topo de morro e reservatório estão, agora, definidas em Lei, não havendo mais espaço para novos parâmetros em normas infralegais. E se as Resoluções Conama 302 e 303, um dia, tiveram alguma validade, elas deixaram de existir definitivamente com a entrada em vigor do novo estatuto ambiental.
Com a novel legislação ambiental, os julgamentos pendentes de ações civis públicas ajuizadas na vigência do antigo código, com objetivo de exigir o cumprimento de obrigações relacionadas às APPs, por exemplo, passaram a considerar as disposições do Novo Código Florestal, como se infere pelos acórdãos abaixo ementados:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – PRETENSO RECONHECIMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVOS LEGAIS CONTIDOS NA LEI Nº 12.651/2012 – IMPERTINÊNCIA – AJUIZAMENTO DA AÇÃO EM FACE DE ALEGAÇÃO DE DANO AMBIENTAL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA NORMA CONTIDA NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI Nº 12.651/2012), VEZ QUE TAL ÁREA NÃO MAIS É CARACTERIZADA COMO “MORRO” POR FORÇA DE ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS LEGAIS (ART. 4º, IX) – LOTEAMENTO EM QUE SITUADA A PROPRIEDADE, ADEMAIS, CONSIDERADO REGULAR PELOS ÓRGÃOS PÚBLICOS – RECONHECIMENTO – SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS FUNDAMENTOS – ART. 252 DO RITJSP – RECURSO NÃO PROVIDO.
(…) Por primeiro, impertinente é a alegação do autor quanto à inconstitucionalidade de dispositivos do novo Código Florestal vigente (Lei nº 12.651/2012), tornando-se descabido, assim, o controle difuso. Esta 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, aliás, considera plenamente aplicável tal ordenamento aos casos pendentes, devendo ser considerado para tal entendimento que eventual prejuízo aos processos ecológicos deve ser comprovado de acordo com a análise de cada caso concreto, não havendo como falar em prejuízo ecológico pela simples consideração de ocorrência de mudança nos critérios legais concernentes às áreas de preservação permanente, quando comparadas ao que antes era estabelecido pela Lei nº 4.771/65, agora revogada.
(…) Assim, é de se considerar a pertinência da aplicação, ao caso concreto, do novo Código Florestal – Lei nº 12.651/2010, com redação dada pela Lei nº 12.727/2012 –, considerando por este Tribunal de aplicação imediata.
(…) Em suma, adotada a novel legislação ambiental, conclui-se que o objeto da presente ação não mais se situa em área de preservação permanente, o que significa dizer que o perdido de reparação por danos ambientais carece de fundamentação(…).”[1]
“Apelação – Ação Civil Pública – Construção de residência em APP e APA, sem autorização dos órgãos competentes – Ação julgada parcialmente procedente, determinando-se a cessação de intervenções danosas, a demolição das construções e a recuperação ambiental. Aplicação do Novo Código Florestal – Terreno não mais localizado em área de preservação permanente – Sentença reformada – Apelo provido.
(…) Com a promulgação do Novo Código Florestal, Lei nº 12.651/12, passou a vigorar seguinte dispositivo: Art. 62 – Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.
A cota máxima maximorum diz respeito ao nível máximo de inundação que o reservatório pode atingir e, no que se refere à Represa do Jaguari, segundo dados da CESP, disponíveis em seu sítio eletrônico, a distância entre ela e o nível máximo operativo é de cerca de três metros à montante e cinco metros à jusante.
Assim sendo, é certo que as construções realizadas pelos apelantes não mais se encontram em área de preservação permanente e, desse modo, perfeitamente regulares em face da novel legislação, pelo que não configuram ilícito ambiental e não podem ser demolidas. (…).”[2]
Com o Novo Código Florestal, portanto, as áreas e APP, dentre elas aquelas situadas em topo de morro e no entorno de reservatórios, passaram a ser definidas nessa novel legislação, substituindo, para todos os efeitos, as áreas então definidas no Código Florestal de 1965, além de tornar eficaz, por consequência lógica, toda e qualquer definição prevista em lei, decreto ou qualquer norma infralegal que houvera sido editada com o objetivo de regulamentar ou complementar o antigo código.
marcelo@fortes.adv.br
karina@fortes.adv.br
[1] Apelação nº.: 0009003-03.2012.8.26.0634. Desembargador Relator Paulo Ayrosa. 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 24 de outubro de 2013.
[2] Apelação nº.: 0007158-07.2003.8.26.0292. Desembargador Relator José Orestes de Souza Nery. 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 13 de dezembro de 2013.
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