A cláusula de não concorrência na Justiça do Trabalho

27/06/2014

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Natalia Rezende Moreira Couto –

 

Nas relações trabalhistas, o pacto de não concorrência é uma espécie de “quarentena” a que se submete o empregado após o término do pacto laboral, impedindo que ele trabalhe em empresas concorrentes durante determinado período.

Não existe, ainda, uma posição pacífica da jurisprudência a respeito da validade da cláusula de não concorrência. Há inúmeros precedentes judiciais, por exemplo, que admitem a validade da cláusula de não concorrência desde que observados alguns requisitos, dentre os quais a previsão de alguma indenização compensatória durante o período da limitação. Nesse sentido:
 

CLÁUSULA DE NAO CONCORRÊNCIA. VALIDADE. É válida a inserção de cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, desde que restrita a determinado segmento de mercado e estabelecida por tempo razoável, além de prever indenização compensatória. Não há que se falar em alteração contratual lesiva (CLT, art. 468) na medida em que as normas contratuais decorreram de mútuo consentimento e não acarretaram prejuízo ao Reclamante, observando os princípios e normas legais. Referida cláusula tem como justo objetivo proteger segredos industriais entre empresas concorrentes, procurando evitar a quebra de sigilo. Na verdade, tal dispositivo contratual visa preservar os princípios da lealdade e da boa-fé (art. 422 do Código Civil), inexistindo mácula a respaldar a pretendida nulidade.” (g.n.)
(TRT-2 – RECORD: 1344200207802007 SP 01344-2002-078-02-00-7, Relator: Sergio Winnik, Data de Julgamento: 04/12/2007, 4ª TURMA, Data de Publicação: 14/12/2007)
 
CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA. VALIDADE. Embora a legislação trabalhista seja omissa quanto ao tema ventilado. O artigo 444 da CLT prevê, como regra, pactuação livre das cláusulas contratuais, desde que não haja violação às disposições legais, coletivas, e, às decisões das autoridades competentes. A cláusula de não-concorrência é a obrigação pela qual o empregado se compromete a não praticar pessoalmente ou por meio de terceiro ato de concorrência para com o (a) empregador (a). Trata-se de uma obrigação de natureza moral e de lealdade. Não há de se falar em ofensa ao Princípio da Liberdade de Trabalho, quando o pacto de não-concorrência foi livremente pactuado e há previsão do limite temporal da restrição, mediante justa retribuição, como é o caso vertente. Revelado o descumprimento da referida avença, cabe ao obreiro restituir à empregadora o valor proporcional ao tempo que falta para completar os 12 meses de restrição.” (g.n.)
(TRT-2 – RO: 16201820125020 SP 00016201820125020011 A28, Relator: Patricia Therezinha de Toledo, Data de Julgamento: 22/10/2013, 4ª TURMA, Data de Publicação: 30/10/2013)

 
“I – CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA – PACTUAÇÃO APÓS O INÍCIO DO CONTRATO DE TRABALHO – VALIDADE – A estipulação de cláusula de sigilo, confidencialidade e não-concorrência, durante o curso do contrato de trabalho, não se traduz em alteração ilícita e unilateral. Isto porque o art. 482, nas alíneas c e g, da CLT, prevê que constituem motivos para a ruptura contratual por justa causa a prática de concorrência e o violação de segredo da empresa. Destarte, tem-se que tais deveres estão ínsitos no próprio contrato de trabalho, sobretudo diante do princípio da boa-fé, que deve nortear a relação de trabalho. Portanto, é plenamente válida a estipulação de cláusula de não-concorrência mesmo após o início da vigência do contrato de trabalho, não havendo afronta ao art. 468 da CLT. II – CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA – VIGÊNCIA APÓS O TÉRMINO DO CONTRATO DE TRABALHO – VALIDADE – É válida a cláusula de não-concorrência que tenha vigência mesmo após a extinção do contrato de trabalho, embora tal modalidade não encontre disciplina jurídica no Direito do Trabalho. Assim, constatada a lacuna, possibilita-se, por força do art. 8º da CLT, a aplicação do art. 122 do Código Civil Brasileiro, que dispõe que "São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.". Desse modo, seria lícita, em tese, a pactuação de cláusula de não-concorrência após a cessação do contrato de trabalho.”
(TRT-9 1815420092908 PR 18154-2009-2-9-0-8, Relator: EDMILSON ANTONIO DE LIMA, 1A. TURMA, Data de Publicação: 17/08/2010)

Em recente julgado do Tribunal Superior do Trabalho (ementa abaixo), todavia, entendeu-se pela invalidade da cláusula de não concorrência, mesmo havendo a previsão de retribuição pecuniária durante o período da “quarentena”, sob os seguintes fundamentos:

“RECURSO DE REVISTA. (…). TERMO DE CONFIDENCIALIDADE E NÃO CONCORRÊNCIA. NULIDADE. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO DE TRABALHO. CONDIÇÃO POTESTATIVA. ASSINATURA APENAS DO TRABALHADOR. 1. Hipótese em que consignado pelo TRT que – as partes pactuaram cláusulas especiais mediante Termo de Confidencialidade e Não Concorrência (fls.47/50) dois meses após a admissão do réu, na forma de adendo, tendo a relação empregatícia vigorado de 21 de agosto de 2006 a 27 de abril de 2010, ou seja, o Termo foi ajustado ainda no início da vigência contratual, sendo certo que nenhum vício de consentimento restou comprovado pelo recorrente, a fim de infirmar a validade do pacto -. 2. A teor do art. 444 da CLT, as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação entre as partes, desde que observadas as disposições de proteção ao trabalho, as normas coletivas aplicáveis e as decisões das autoridades competentes. 3. Por sua vez, prescreve o art. 468 da CLT que, – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições, por mútuo consentimento, e, ainda assim, desse que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia -. 4. No caso, o TRT concluiu pela validade da alteração do contrato de trabalho, haja vista que não restou comprovado o vício de consentimento, tampouco caracterizado prejuízo, de modo a invalidar a avença. 5. Todavia, a estipulação de cláusula de confidencialidade e não concorrência, a par de cingir-se à esfera dos interesses meramente privados, somente pode ser reputada válida mediante juízo de ponderação, ante a colisão de direitos fundamentais tais como o livre exercício de trabalho ou profissão, a proteção da propriedade privada e o primado da livre iniciativa, dentre outros princípios. 6. Imprescindível, por sinal, a concessão de vantagens recíprocas, de modo a justificar a restrição temporária convencionada. 7. Por certo, a contrapartida oferecida pela empresa, consistente no pagamento mensal equivalente ao último salário do réu, que o TRT considerou proporcional à obrigação imposta, não possui o condão, por si só, de revestir de validade a restrição imposta no curso do contrato de trabalho. 8. É incontroverso, no caso, que em 21.8.2006, o reclamante foi contratado para desempenhar a função de Diretor de Tecnologia e Serviços da Autora, e que, nessa qualidade, exerceu atividades que o TRT entende justificar a celebração do Termo de Confidencialidade. Registrado, por sua vez, que somente após o interstício de dois meses, ou seja, com o contrato já em curso, foi celebrado aditivo ao contrato de trabalho, em que avençada referida – quarentena -. Não há, por sua vez, notícia acerca de qualquer alteração nas condições de trabalho do réu, pela qual se tenha agregado alguma vantagem ao trabalhador. 9. Não há como se depreender, em tal contexto, que restrição de tamanha importância decorra de livre estipulação, em que as partes se encontram em pé de igualdade, ainda que o réu ostente a qualidade de alto empregado, pois tal situação não afasta a condição de hipossuficiência do réu. Aliás, a impossibilidade de o réu desempenhar atividades análogas a que exercia, durante o período de um ano, pode inclusive resultar em significativo entrave à reinserção do réu em um mercado de trabalho que se sabe muito competitivo, mormente considerando a ausência de limitação territorial na cláusula de confidencialidade e não concorrência, o que leva concluir pela sua abrangência em todo o territorial nacional . 10. Soma-se a isso a evidente desproporção entre a contraprestação oferecida pela empresa – pagamento de salário mensal pelo período da restrição – e a multa em caso de descumprimento da obrigação pelo ex-empregado (multa não compensatória correspondente ao valor resultante da multiplicação do último salário do réu por 25), sem prejuízo da indenização decorrente da responsabilidade civil. Além disso, conquanto a empresa, em caso de descumprimento de sua obrigação, estivesse também sujeita a multa, tal seria calculada no importe de 12 vezes o salário do reclamante, ou seja, em montante inferior àquele devido pelo réu. Soma-se a isso, que a empresa poderia, a seu critério exclusivo, dispensar o reclamante de sua obrigação e, por conseguinte, a autora ficaria desobrigada do pagamento dos salários e da própria multa. 11. Não se olvida, por sua vez, que a contraprestação eventualmente paga pela empresa equivale ao último salário, o que, por sinal, não se confunde com remuneração. Desse modo, consabido que a cláusula de confidencialidade e não concorrência não estava definida no momento da contratação, como uma condição para a admissão do réu no cargo de Diretor de Tecnologia, conclui-se pela alteração prejudicial das condições de trabalho, pela submissão do réu aos termos do pacto. Recurso de revista conhecido e provido.” (g.n.)
(TST-RR-1948-28.2010.5.02.0007, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 21/05/2014, 1ª Turma)

Noutro julgamento, que também reconheceu a nulidade da cláusula de não concorrência, o Tribunal Regional do Trabalho da 3a Região observou que tal pacto poderia ser aceito, desde que estabelecido dentro de parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade:

“CLÁUSULA DE SIGILO E NÃO CONCORRÊNCIA. LIBERDADE DE TRABALHO. A condição imposta através de um pacto de sigilo e não concorrência para não se revelar as informações confidenciais, mesmo após o término da relação empregatícia, deve ser estabelecida dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. Isto porque a regulação de tais pactos não pode ser considerada como restritiva, de forma inconstitucional, a ponto de afetar o princípio fundamental do valor social do trabalho.”
(TRT-3, RO 01184-2012-097-03-00-0, Relator: Convocada Maria Cecilia Alves Pinto, 4ª Turma)

A análise da validade ou não do pacto de não concorrência, portanto, dependerá de casa caso concreto. De qualquer forma, com base nos precedentes judiciais citados, e com o objetivo de minimizar o risco de eventual reconhecimento de invalidade da cláusula de não concorrência, seria pertinente que a empregadora observasse alguns fatores:

  • A cláusula  de não concorrência deve estar definida no momento da contratação. Pode ser adotada, também, logo após mudança no vínculo empregatício (exemplo: promoção do empregado, com a atribuição de novas responsabilidades e contato com informações privilegiadas da empresa);
  • As atividades a serem exercidas pelo empregado devem justificar a inclusão da cláusula de não concorrência (atividade cujo exercício possa efetivamente causar prejuízo à empresa; função em que o trabalhador possua acesso a informações relevantes e sigilosas na área de atuação da empresa);
  • Deve haver a concessão de contraprestação ao empregado, de modo a compensar a restrição que lhe será imposta;
  • Deve haver uma proporcionalidade entre a contraprestação oferecida pela empresa e a multa em caso de descumprimento da obrigação pelo ex-empregado;
  • O prazo da limitação deve ser certo e razoável;
  • Se possível, limitar o território em que será aplicada a cláusula de não concorrência (a restrição a todo o território nacional deve ser realmente necessária).

natalia@fortes.adv.br

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