Thais de Souza França –
Com certa regularidade, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, Empresas de Fomento Mercantil, Instituições Financeiras, e qualquer outra entidade credora, têm recebido, em garantia de suas operações, bens de propriedade de responsáveis solidários e/ou coobrigados, diretamente interessados na antecipação de recebíveis ou obtenção de limite de crédito ou fornecimento da empresa devedora. É o caso do sócio ou acionista controlador de uma empresa, por exemplo, que oferece um bem imóvel em alienação fiduciária em garantia das operações.
Nessas hipóteses, os cuidados para a análise da garantia devem ser redobrados, em virtude da eventual incidência da proteção ao bem de família do garantidor[1].
No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tem prevalecido o entendimento de que a alienação fiduciária de imóvel em garantia, fundada em bem de família, seria válida, em resumo, pelas seguintes razões:
Essas razões foram muito bem abordadas por ocasião do recente julgamento do recurso de Apelação n°. 4002332-72.2013.8.26.0564, proferido pela 33ª Câmara de Direito Privado do TJSP em 17/03/2014 (clique aqui para acessar a íntegra), bem como nos julgados proferidos nos recursos n° 0123569-24.2012.8.26.0000 (16ª Câmara de Direito Privado, j. 16/10/2012) e n° 0193905-78.2011.8.26.0100 (19ª Câmara de Direito Privado, j. 22/10/2012), ambos do TJSP.
A jurisprudência, no entanto, não é pacífica. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar causas envolvendo a hipoteca sobre bem de família gravada em benefício de uma empresa, tem adotado o entendimento de que “a impenhorabilidade do bem de família só não será oponível nos casos em que o empréstimo contratado foi revertido em proveito da entidade familiar”[3], ou seja, haveria que se apurar, em cada caso, o efetivo interesse do garantidor em relação ao sucesso empresarial da devedora.
Por bom senso, entendemos que deveriam ser observados os princípios da boa-fé objetiva e pacta sunt servanda, pois, se o imóvel foi livremente dado em garantia pelo garantidor – que é bem diferente do caso de penhora judicial realizada por indicação do credor –, o acolhimento da proteção ao bem de família, que é arguida, na esmagadora maioria das vezes, apenas no momento da execução da garantia, serve apenas para estimular o comportamento de má-fé, além de a inadimplência do garantidor, que passaria a ser um beneficiário da própria torpeza.
De qualquer forma, na falta, ainda, de jurisprudência consolidada nas Cortes Superiores, é recomendável agir com cautela em relação à alienação fiduciária em garantia fundada em bem de família, em especial quanto ao interesse econômico do terceiro nos negócios da empresa garantida.
[1] Segundo a Súmula nº 364 do STJ, “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas".
[2] Lei 8009/1990: Artigo 3º – “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…) V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar”.
[3]AgRg no AREsp nº 48.975-MG, Quarta Turma, Relator: Min. Marco Buzzi, DJe 25.10.2013.
12 setembro, 2024
21 março, 2024
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