Os cuidados com a garantia fiduciária de bem de família

02/07/2014

Por Thaís de Souza França

Thais de Souza França –

Com certa regularidade, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, Empresas de Fomento Mercantil, Instituições Financeiras, e qualquer outra entidade credora, têm recebido, em garantia de suas operações, bens de propriedade de responsáveis solidários e/ou coobrigados, diretamente interessados na antecipação de recebíveis ou obtenção de limite de crédito ou fornecimento da empresa devedora. É o caso do sócio ou acionista controlador de uma empresa, por exemplo, que oferece um bem imóvel em alienação fiduciária em garantia das operações.

Nessas hipóteses, os cuidados para a análise da garantia devem ser redobrados, em virtude da eventual incidência da proteção ao bem de família do garantidor[1].

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tem prevalecido o entendimento de que a alienação fiduciária de imóvel em garantia, fundada em bem de família, seria válida, em resumo, pelas seguintes razões:

  1. o fato de a Lei Federal n° 8009/90 (a “Lei do Bem de Famíilia”) ter por objetivo proteger da responsabilidade patrimonial um bem destinado à moradia do devedor não torna tal patrimônio indisponível ou inalienável, podendo o proprietário renunciar à proteção conferida pela citada legislação;
  1. deve ser aplicada nesses casos, por analogia, a exceção prevista no art. 3, inciso V, da Lei do Bem de Família[2], em função da similaridade da alienação fiduciária com a hipoteca;
  1. o aludido dispositivo não faz ressalva quanto ao alcance da regra de exceção da impenhorabilidade do bem de família, inexistindo distinção de tratamento entre dívidas contraída em benefício da entidade familiar ou em favor de terceiros.    

Essas razões foram muito bem abordadas por ocasião do recente julgamento do recurso de Apelação n°. 4002332-72.2013.8.26.0564, proferido pela 33ª Câmara de Direito Privado do TJSP em 17/03/2014 (clique aqui para acessar a íntegra), bem como nos julgados proferidos nos recursos n° 0123569-24.2012.8.26.0000 (16ª Câmara de Direito Privado, j. 16/10/2012) e n° 0193905-78.2011.8.26.0100 (19ª Câmara de Direito Privado, j. 22/10/2012), ambos do TJSP.

A jurisprudência, no entanto, não é pacífica. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar causas envolvendo a hipoteca sobre bem de família gravada em benefício de uma empresa, tem adotado o entendimento de que “a impenhorabilidade do bem de família só não será oponível nos casos em que o empréstimo contratado foi revertido em proveito da entidade familiar”[3], ou seja, haveria que se apurar, em cada caso, o efetivo interesse do garantidor em relação ao sucesso empresarial da devedora.

Por bom senso, entendemos que deveriam ser observados os princípios da boa-fé objetiva e pacta sunt servanda, pois, se o imóvel foi livremente dado em garantia pelo garantidor – que é bem diferente do caso de penhora judicial realizada por indicação do credor –, o acolhimento da proteção ao bem de família, que é arguida, na esmagadora maioria das vezes, apenas no momento da execução da garantia, serve apenas para estimular o comportamento de má-fé, além de a inadimplência do garantidor, que passaria a ser um beneficiário da própria torpeza.

De qualquer forma, na falta, ainda, de jurisprudência consolidada nas Cortes Superiores, é recomendável agir com cautela em relação à alienação fiduciária em garantia fundada em bem de família, em especial quanto ao interesse econômico do terceiro nos negócios da empresa garantida.

 


[1] Segundo a Súmula nº 364 do STJ, “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas".

[2] Lei 8009/1990: Artigo 3º – “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…) V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar”.

[3]AgRg no AREsp  nº 48.975-MG, Quarta Turma, Relator: Min. Marco Buzzi, DJe 25.10.2013.

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