Eduardo Galvão Rosado –
O artigo 482, alínea “i”, da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis, autoriza a dispensa do empregado por justa causa no caso de abandono de emprego.
“Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: (…)
i) abandono de emprego; (…)”
Nota-se que o citado dispositivo não estabelece os requisitos para a caracterização do abandono de emprego, não havendo, por exemplo, um prazo mínimo preestabelecido a ser observado para a aplicação da justa causa.
Conforme construção jurisprudencial dominante, todavia, o abandono de emprego configura-se quando o empregado deixa de comparecer ao labor, sem nenhuma justificativa, por um período não inferior a 30 (trinta) dias consecutivos. É o que dispõe o Enunciado 32 da Súmula do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST):
“Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer”.
Em regra, portanto, para a configuração do abandono de emprego é necessário, além do elemento objetivo (ausência injustificada por 30 dias), que seja cabalmente demonstrado também o elemento subjetivo, ou seja, a intenção do empregado de não continuar prestando serviços (animus abandonandi).
Há o entendimento no sentido de que não será necessário aguardar o decurso do prazo de 30 dias para aplicar a justa causa por abandono de emprego se houver uma prova inequívoca de intenção do empregado de não permanecer com o seu contrato de trabalho vigente. Um exemplo disso é o caso em que o trabalhador deixa de comparecer ao trabalho por já estar laborando em outro local, no mesmo horário anteriormente desempenhado no antigo empregador.
O mencionado elemento subjetivo, isto é, o ânimo de abandonar o emprego, pode ser demonstrado pelo envio de telegramas ou notificações (com aviso de recebimento) ao endereço do empregado, solicitando o retorno dele ao trabalho ou que justifique as faltas consecutivas. Após a confirmação de recebimento do telegrama ou da notificação pelo trabalhador, conta-se o prazo de 30 dias. Mantendo-se inerte o empregado, estará configurado o animus abandonandi.
Importante. A prova da efetiva convocação do empregado constitui pressuposto para fins de fixação do prazo de 30 dias de ausência injustificada. Nesse sentido é a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRTSP):
“ABANDONO DE EMPREGO. AUSÊNCIA POR MAIS DE TRINTA DIAS. CHAMAMENTO AO TRABALHO COMPROVADO. DESATENDIMENTO INJUSTIFICADO PELO EMPREGADO. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. O envio comprovado de telegramas ao reclamante, convocando-o para o trabalho, antes da ciência do ajuizamento da ação, após 42 faltas consecutivas, faz prova do animus abandonandi (elemento subjetivo). Com efeito, a ausência prolongada, que veio a completar mais de trinta dias (elemento objetivo), e o desatendimento injustificado do empregado ao reiterado chamamento para reassumir suas obrigações e retornar ao posto de trabalho, configuram abandono de emprego autorizador da dispensa por justa causa, a teor do art. 482, i, da CLT, o que torna inexigíveis as verbas rescisórias e a reintegração postuladas. Sentença mantida.”
(TRT2 – Acórdão nº 20120544541 – Processo nº 02166006320095020084 – Relator: Ricardo Artur Costa e Trigueiros – Data de Publicação: 25/05/2012)
Outra prática comumente utilizada pelas empresas para comprovar o elemento subjetivo é a publicação de anúncio em jornais de grande circulação requerendo que o empregado retorne ao trabalho ou justifique suas faltas.
Mas tal prática não vem sendo aceita pela Justiça do Trabalho (ou, quando aceita, a comprovação do elemento subjetivo é relativizada), pois, por óbvio, dificilmente alguém verificará que existe uma nota em determinado jornal solicitando o seu retorno ao trabalho.
Salienta-se, ainda, que alguns juízes têm deferido indenização por danos morais a empregados em relação aos quais o empregador publicou anúncio em jornal, solicitando o retorno ao trabalho, sob pena de aplicação da justa causa por abandono de emprego. Vejamos:
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE ABANDONO DE EMPREGO EM JORNAL. Hipótese na qual caracterizada a má-fé da reclamada, na medida em que, mesmo ciente do afastamento da autora do trabalho por problemas de saúde, utilizou-se de comunicação de abandono de emprego publicada em jornal, com o intuito de configurar a despedida por justa causa (…).”
(TRT-4 – RO: 995920105040332 RS 0000099-59.2010.5.04.0332, Relator: Emílio Papaléo Zin, Data de Julgamento: 04/08/2011, 2ª Vara do Trabalho de São Leopoldo)
“Direito do trabalho. Suposto abandono de emprego. Convocação ao retorno por meio de jornal. Somente em casos de extrema necessidade. A convocação de empregado ausente para configuração por abandono de emprego deve ser feita, inicialmente, pelos meios usuais de comunicação direta, como carta, telegrama ou mesmo comunicação eletrônica. Publicações em jornais de circulação urbana ou regional somente podem ser adotadas quando desconhecido o paradeiro do empregado ausente e exauridos os meios anteriores. Elas causam dano à imagem da pessoa, principalmente em cidades de menor porte, portanto somente podem ser usadas quando não existir outro meio hábil de convocação, podendo, inclusive, fomentar discriminação contra o empregado. Não havendo demonstração da absoluta necessidade de tal publicação por parte do empregador, uma indenização por dano moral é devida. Recurso obreiro que deve ser provido.”
(TRT-15 – RO: 53415 SP 053415/2012, Relator: Firmino Alves Lima, Data de Publicação: 20/07/2012)
Em relação a esses casos (em que houve condenação ao pagamento de indenização), cumpre destacar, no entanto, que não é a simples publicação do anúncio de abandono de emprego que configura o dano moral, até porque, muitas vezes, é o único meio que resta ao empregador de comprovar que solicitou o comparecimento do empregado para justificar suas faltas.
O que acaba gerando a condenação ao pagamento de indenização por danos morais é a exposição desnecessária do trabalhador, ou seja, quando a empresa, de má-fé, publica convocações em jornais mesmo dispondo de outros meios de comunicar o empregado ou mesmo já tendo ciência dos motivos que ensejaram a ausência.
Analisando alguns julgados em que foi deferida indenização por danos morais ao empregado, verifica-se que as condenações se basearam, em suma, nos seguintes fundamentos:
Assim, nos casos em que as publicações somente são realizadas após várias tentativas frustradas de convocar o empregado por meio de telegramas ou notificações, não há má-fé da empresa, agindo esta no exercício regular de seu direito. Consequentemente, não há base para condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
Abaixo citamos recentes decisões do TRTSP nesse sentido:
“Indenização por danos morais. Disse o recorrente que, não obstante ciente a reclamada da propositura de ação anterior pelo reclamante, pretendendo a rescisão indireta do contrato de trabalho, ajuizada em 06.05.2013, com citação da reclamada em 15.05.2013, esta publicou em jornal de grande circulação anúncios de abandono de emprego, nas datas de 22, 23 e 24.05.2013, fazendo constar o nome e o número da CTPS do autor. Asseverou que tal conduta o expôs a constrangimento, pois, além de não ter abandonado o emprego o prejudicou na conquista de nova colocação de trabalho. Analisado o processado, constata-se que a reclamada iniciou o procedimento para corroborar o abandono de emprego aos 02.05.2013, portanto, antes da propositura da primeira reclamação trabalhista, convocando o reclamante para retornar ao seu posto de trabalho através de telegramas. Diante do não atendimento do autor, procedeu a reclamada ao exercício regular do direito de proceder à publicação de três convocações, em jornal de grande circulação. O fato de referidas publicações terem ocorrido em data posterior à da citação da primeira reclamação trabalhista, ou seja, uma semana após, por si só, não induz à conclusão de que a reclamada teria agido de má-fé, sendo certo, ainda, que não restou cabalmente comprovado o alegado dano, até porque o reclamante, em audiência, confessou que se encontrava trabalhando desde o final de maio de 2013 (fl. 21). Mantenho.” (g.n.)
(TRT2 – 11ª Turma – Processo nº 0001955-91.2013.5.02.0402 – Data da publicação: 13/05/2014 – Relatora Des. Odette Silveira Moraes)
“Ementa. 1. Danos morais e materiais. Doença profissional. Concausalidade e ausência de culpa patronal. Indenização indevida. 2. Justa causa. Não retorno ao trabalho após a alta previdenciária. Desatendimento às convocações patronais (TST, Súmula 32). Dispensa mantida. Danos morais por ofensa à imagem. Publicação da rescisão por justa causa em jornal. Consequência da reiterada conduta omissiva do autor. Indenização indevida. Recurso ao qual se nega provimento. (…). 3. Danos morais por ofensa à imagem Também improspera o inconformismo recursal quanto ao indeferimento da indenização por dano moral oriundo da publicação do aviso de dispensa por justa causa em jornal, o que, segundo no autor, configura ato ilícito, equiparável à anotação desabonadora em CTPS, expondoo ao ridículo e maculando seu nome. Razão, contudo, lhe desassiste, pois a publicação foi consequência do desatendimento do autor à solicitações encaminhadas pela reclamada, inclusive cientificandoo da dispensa por justa causa na hipótese de não comparecimento ou de justificação das ausências (fls. 102/104). Não há, pois, falar em ilícito patronal, considerando que nada obstante o contrato de trabalho estar em vigor, o reclamante deixou de cumprir a obrigação contratual de prestar serviços ou de justificar o motivo da ausência, dando ensejo, assim, à rescisão contratual por abandono de emprego capitulada no art. 482, "i", da CLT. Ante o exposto e considerando que a reclamada agiu no exercício regular de direito, o que descaracteriza a hipótese de ato ilícito, como prescreve o art. 188, I, do Código Civil, mantenho o indeferimento da indenização. (…)” (g.n.)
(TRT2 – 2ª Turma – Processo nº 0001665–23.2012.5.02.0431 Data da publicação: 27-08-2013 – Relatora Des. Rosa Maria Zuccaro)
Feitas essas considerações, como recai sobre o empregador o ônus da prova dos motivos determinantes da terminação do contrato de trabalho, uma vez que se presume a continuidade da relação contratual, sugere-se observar os seguintes procedimentos para minimizar o risco de reversão da justa causa por abandono de emprego:
Por fim, cabe destacar que todos os procedimentos adotados pela empresa para a convocação do empregado que deixa de comparecer ao local de trabalho, injustificadamente, deverão ser muito bem registrados e documentados, pois, caso contrário, há risco de a justa causa aplicada com fundamento no abandono de emprego ser revertida em eventual reclamação trabalhista.
A rescisão do contrato de trabalho sob a alegação de que houve abandono de emprego, necessita, pois, ser ampla e cabalmente comprovada pelo empregador, impondo-se a demonstração de que houve o correto preenchimento dos citados requisitos objetivo e subjetivo.
eduardo@fortes.adv.br
12 setembro, 2024
21 março, 2024
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