O número de empresas em processo de recuperação judicial vem aumentando significativamente, e, por certo, o risco de negociar com uma empresa sob essa condição é grande em virtude da probabilidade de falência e da concorrência de credores.
A Lei 11.101/05 – Lei de Falências e Recuperação de Empresas (“LFRE”), no entanto, conferiu um privilégio de pagamento, no caso de convolação da recuperação em falência, aos credores que contratarem ou darem continuidade ao fornecimento de bens e serviços para a recuperanda. Nessa hipótese, os créditos gerados serão classificados como extraconcursais.
Esse privilégio visa a beneficiar o credor que colaborou em certa medida para a tentativa de superação da crise da empresa em recuperação, e evitar o completo afastamento dos fornecedores nessas situações.
Créditos sujeitos à recuperação judicial
Antes de passar ao exame dos créditos extraconcursais, cumpre esclarecer que os créditos decorrentes de negócios celebrados até a data em que a empresa devedora ajuizar pedido de recuperação judicial ficarão sujeitos a esse processo e às suas condições de pagamento, mesmo que as obrigações ainda não estejam vencidas, conforme dispõe o artigo 49 da LFRE.
Crédito extraconcursal
Por outro lado, serão créditos extraconcursais os que decorrerem de negócios celebrados com empresas já em processo de recuperação judicial.
Nesses termos, estabelece o artigo 67 da LFRE que ‘os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei’.
A referida norma tem por objetivo beneficiar os credores que assumiram os riscos de contratar com empresas em crise, privilegiando o seu pagamento em detrimento de outros, no caso da recuperação judicial ser convolada em falência.
O mesmo benefício é concedido para novos negócios celebrados pelos credores que, apesar de terem crédito sujeito à recuperação judicial inscrito na classe dos quirografários, continuarem a fornecer bens ou serviços para a recuperanda, conforme previsto no parágrafo único do artigo 67[1].
O privilégio conferido aos credores nas condições expostas acima, está disposto no artigo 84, V, da LFRE:
Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
(…)
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.
Importante observar que esse privilégio representa uma vantagem em relações aos credores quirografários da falência, pois antecedem eles na classificação estabelecida pelo artigo 83[2], e, consequentemente, preferem a eles os pagamentos que, no caso, são feitos por rateios.
O termo inicial para a classificação dos créditos extraconcursais
Muito embora a LFRE disponha que são extraconcursais os créditos constituídos durante a recuperação judicial, ela não menciona se essa classificação se dá a partir do deferimento do processamento de recuperação ou da aprovação do plano.
A questão do termo inicial para a classificação desses créditos tem servido de argumento para algumas empresas em recuperação, que tentam reduzi-los e sujeitá-los às condições do plano, olvidando-se, no entanto, da importância deles para a superação da crise enfrentada por elas.
Esses créditos também enfrentam a oposição dos credores da falida, que se insurgem contra a sua reclassificação na ordem de pagamento estabelecida no artigo 83.
No entanto, no acórdão publicado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Ministra Nancy Andrighi estabeleceu entendimento sobre o tema a partir da interpretação dos dispositivos da LFRE, assinalando que classificam-se como extraconcursais os créditos de obrigações que se originaram após o deferimento do processamento da recuperação. Confira-se:
DIREITO EMPRESARIAL. CRÉDITOS EXTRACONCURSAIS E DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
São extraconcursais os créditos originários de negócios jurídicos realizados após a data em que foi deferido o pedido de processamento de recuperação judicial. Inicialmente, impõe-se assentar como premissa que o ato deflagrador da propagação dos principais efeitos da recuperação judicial é a decisão que defere o pedido de seu processamento. Importa ressaltar, ainda, que o ato que defere o pedido de processamento da recuperação é responsável por conferir publicidade à situação de crise econômico-financeira da sociedade, a qual, sob a perspectiva de fornecedores e de clientes, potencializa o risco de se manter relações jurídicas com a pessoa em recuperação. Esse incremento de risco associa-se aos negócios a serem realizados com o devedor em crise, fragilizando a atividade produtiva em razão da elevação dos custos e do afastamento de fornecedores, ocasionando, assim, perda de competitividade. Por vislumbrar a formação desse quadro e com o escopo de assegurar mecanismos de proteção àqueles que negociarem com a sociedade em crise durante o período de recuperação judicial, o art. 67 da Lei 11.101/2005 estatuiu que “os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial […] serão considerados extraconcursais […] em caso de decretação de falência”. Em semelhante perspectiva, o art. 84, V, do mesmo diploma legal dispõe que “serão considerados créditos extraconcursais […] os relativos a […] obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial”. Desse modo, afigura-se razoável concluir que conferir precedência na ordem de pagamentos na hipótese de quebra do devedor foi a maneira encontrada pelo legislador para compensar aqueles que participem ativamente do processo de soerguimento da empresa. Não se pode perder de vista que viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira da sociedade devedora – objetivo do instituto da recuperação judicial – é pré-condição necessária para promoção do princípio maior da Lei 11.101/2005 consagrado em seu art. 47: o de preservação da empresa e de sua função social. Nessa medida, a interpretação sistemática das normas insertas na Lei 11.101/2005 (arts. 52, 47, 67 e 84) autorizam a conclusão de que a sociedade empresária deve ser considerada “em recuperação judicial” a partir do momento em que obtém o deferimento do pedido de seu processamento. REsp 1.398.092-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/5/2014.
Esse entendimento é também predominante nos Tribunais Estaduais, pois, como visto anteriormente, não há nos artigos 67 e 84, V, da Lei de Falencia nenhuma vinculação à aprovação do plano.
Portanto, podemos afirmar sem nenhuma dúvida que serão considerados extraconcursais todos os créditos decorrentes de negócios celebrados a partir do processamento da recuperação judicial e independentemente da aprovação do plano.
O termo final
Caso aprovado o plano de recuperação da empresa, a qualidade de crédito extraconcursal permanecerá por ainda mais 2 (dois) anos. Ou seja, um crédito extraconcursal pode ser gerado partir de negócios realizados no lapso compreendido entre o processamento da recuperação judicial (o início) e o prazo de 2 anos contados da aprovação do plano de recuperação da empresa (o fim).
Ultrapassados 2 (dois) anos, a empresa cumpridora do plano recuperação se libera do status “em recuperação judicial” e todos os negócios celebrados com ela a partir desse momento deixam de conferir o benefício de recebimento privilegiado ao credor na eventual decretação de falência.
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[1] Art. 67 (…) Parágrafo único. Os créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência, no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação.
[2] Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: (…) V – créditos com privilégio geral, a saber: (…) b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;
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