A desnecessidade de escritura pública para a alienação fiduciária de imóvel

09/12/2014

Por Thaís de Souza França

Thaís de Souza França –

Não são raras as situações em que os cartórios de registro de imóveis apresentam negativa ao registro de contrato de alienação fiduciária e, especialmente, de outros instrumentos particulares firmados em decorrência da Lei 9.514/1997 – como, por exemplo, instrumentos de dação de direitos sobre imóvel e de aquisição do imóvel em público leilão –, sob o argumento de que tais atos e contratos devem ser celebrados por meio de escritura pública para que sejam válidos.

Tal negativa se revela equivocada, na medida em que o Código Civil dispõe que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, salvo se a lei não dispuser em contrário:
 

“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

Em absoluta consonância com o Código Civil, a Lei 9.514/1997 permite que os atos e contratos decorrentes de sua aplicação sejam firmados por instrumento particular com efeito de escritura pública, sem nenhuma ressalva:
 

“Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública”.

O Estado de São Paulo, como não poderia ser diferente, cumpre rigorosamente essa determinação legal, tanto que o item 235 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (NSCGJ) reproduz o permissivo legal:
 

“Item 235 – Os atos e contratos referidos na Lei nº 9.514/1997, ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que vise à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis poderão ser celebrado por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública”.

 
Como se vê, tanto a Lei Federal como as NSCGJ (aplicáveis aos cartórios extrajudiciais do Estado de São Paulo) são genéricas, justamente para não limitar os negócios decorrentes de sua aplicação, o que poderia gerar eventuais dúvidas sobre quais hipóteses deveria ser utilizado o instrumento público ou particular.     
 
Vale ressaltar que recentemente o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo apresentou proposta de alteração do item 230 (atual 235) das NSCGJ, para a inserção do seguinte subitem: “o instrumento particular terá efeitos de escritura pública somente quando lavrado por entidade do SFI.”
 
A referida proposta, evidentemente, iria de encontro à Lei, razão pela qual, acertadamente, o então Corregedor Geral da Justiça, Des. Hamilton Elliot Akel, não acolheu a sugestão submetida a exame (clique aqui para acessar a íntegra da decisão), resolvendo a questão:

"Se todos os contratos compreendidos na Lei 9.514/1997 (ou resultantes da aplicação dela) podem ser lavrados por escritura pública ou instrumento particular com efeitos de escritura pública, e se nem todos os contratos previstos nessa lei são privativos das entidades que compõem o sistema financeiro, não há como vincular a utilização do instrumento particular apenas quando o negócio for lavrado por entidade integrante do SFI".

Dessa forma, tanto a Lei, como a orientação expressa da Corregedoria do TJSP, são no sentido de que os atos e contratos ajustados em decorrência da Lei 9.514/1997 podem ser firmados por meio de instrumento particular, o que denota que a exigência de escritura pública condicionante a eficácia de tais atos é ilegal e irregular, configurando verdadeiro cerceamento de direito dos contratantes. 

thais@fortes.adv.br

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