O saldo devedor da alienação fiduciária

19/01/2015

Por Marcelo Augusto de Barros

Marcelo Augusto de Barros

Valor Econômico, Caderno de Legislação & Tributos, Opinião Jurídica, 20/01/2015

A Lei Federal n° 9.514 de 20 de novembro de 1997, que trata, dentre outros temas, da alienação fiduciária de imóvel em garantia de (qualquer) negócio jurídico, nunca foi absolutamente clara a respeito da possibilidade, ou não, de cobrança do eventual saldo residual pelo credor fiduciário após o leilão ou adjudicação do imóvel.

Supondo, por exemplo, que uma dívida inadimplida atingisse R$ 500 mil e o imóvel alienado em garantia fiduciária dessa obrigação fosse arrematado ou adjudicado por R$ 400 mil. O credor fiduciário, seguindo um raciocínio minimamente razoável, teria um saldo a receber de R$ 100 mil. Pode até parecer óbvio que o devedor fiduciante ficaria obrigado a pagar esse saldo, sob pena, inclusive, de enriquecimento sem causa, mas a dura realidade é que a Lei nunca havia afirmado isso de forma categórica.

E o pior é que uma leitura meramente literal dos parágrafos do artigo 27 da Lei 9.514 pode levar à conclusão, equivocada ou não, de que após o leilão, com ou sem arrematantes, a dívida seria considerada extinta, liberando-se o devedor.

Essa omissão ou dúvida legal, queiram ou não, sempre causou uma grande insegurança jurídica nos mercados imobiliários e bancários, nas indústrias de Fundos de Pensão e de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e no segmento de fomento mercantil, setores que, em grande volume, têm apostado suas operações de crédito a, sobretudo, pequenas e médias empresas, apoiados em imóveis alienados em garantia fiduciária. A Lei 9.514 não limita a aplicação da alienação fiduciária a operações de financiamento imobiliário, podendo ser usada para garantir qualquer tipo de negócio jurídico, inclusive para assegurar direitos de regresso.

Essa preocupação, de qualquer forma, não afastou o uso da alienação fiduciária, talvez em virtude das evidentes vantagens que esse tipo de garantia possui em relação à concorrente hipoteca, como, por exemplo, a desnecessidade de formalização por instrumentos públicos, a celeridade do leilão extrajudicial, a expressa previsão de desocupação do imóvel em 60 dias sob pena de multa diária e a não sujeição do crédito aos efeitos da recuperação judicial ou falência do devedor fiduciante. Não custa lembrar, há inúmeros casos de planos de recuperação judicial de devedores que são aprovados com a aplicação de descontos compulsórios de 70% ou mais sobre o valor do crédito, parcelamentos em até duas décadas e taxas de juros de 1% ao ano (vide TJSP, Agravo de Instrumento n° 0111389-39.2013.8.26.0000). Enquanto o desestimulado credor hipotecário se submete a esse tipo de composição, o fiduciário busca ou negocia o valor integral de seu crédito sem o risco de ser obrigado a reduzi-lo.

Mas embora não tenha afugentado a prática da alienação fiduciária, essa insegurança jurídica em relação à cobrança do saldo residual devedor tem levado alguns credores fiduciários a, por exemplo, antes de iniciar o leilão extrajudicial do imóvel, ingressar com uma cobrança judicial da dívida, por meio de processo de execução, com o objetivo de tentar receber o quanto puder antes de – frisamos, queiram ou não – sujeitar-se ao risco de receber o valor do imóvel alienado em garantia e mais nada. Em vez, portanto, de se aproveitar da celeridade prometida pela Lei que trata da alienação fiduciária de imóvel, incluindo-se a dispensa de nova avaliação do imóvel e a promoção de leilão em até 30 dias, o credor volta à antiga e lenta forma de cobrança por meio do Poder Judiciário, aguardando a citação, penhora, avaliação, sentença, recurso, etc.

Essa aflição do credor fiduciário, contudo, parece ter sido encerrada com a entrada em vigor da Lei Federal n° 13.043 de 13 de novembro de 2014. Essa Lei, que resultou da Medida Provisória n° 651, dedicou uma Seção à alienação fiduciária, com destaque para o art. 102, que promoveu uma cirúrgica modificação no Código Civil para dizer que a alienação ou propriedade fiduciária, inclusive sobre bem imóvel, sujeita-se também às disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial do Código Civil. Esse Capítulo trata das garantias reais e, justamente uma de suas disposições, o art. 1.430, prevê o expresso direito de o credor cobrar o saldo devedor após excutida a garantia.

Assim, quer pelo bom senso jurídico ou, também agora, pela expressa previsão legal, não restam dúvidas de que o credor fiduciário tem o direito de cobrar o saldo devedor após o leilão ou adjudicação do imóvel na forma da Lei de alienação fiduciária.

Somando-se tal novidade à expectativa de conversão em Lei das disposições da recente Medida Provisória n° 656 que tratam da prevalência das garantias em relação a possíveis dívidas do garantidor não registradas nas matrículas imobiliárias, tudo caminha para um crescimento de operações de crédito garantidas por imóveis.

marcelo@fortes.adv.br

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