08/09/2015
Em geral, nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis na planta existe a previsão contratual de aplicação de multa e juros na hipótese de inadimplemento do comprador na quitação das parcelas do preço do imóvel. De outro lado, nesses contratos, em geral, não há a previsão de uma cláusula penal na hipótese de inadimplemento da construtora, a fim de estipular uma sanção em benefício do comprador.
Nesse cenário, surgem demandas judiciais nas quais se pretende a aplicação da cláusula penal, prevista em favor da construtora, em benefício do comprador. Isto é, a mesma sanção imposta pelo inadimplemento do comprador, ou seja, pagamento de multa e juros, pretende-se que seja aplicada em desfavor da construtora.
No entanto, a cláusula penal é uma penalidade convencionada pelas partes na hipótese de descumprimento do contrato. Assim, a cláusula penal só pode abarcar as hipóteses que foram previamente estabelecidas pelas partes, não havendo a possibilidade, no nosso entendimento, que, após a celebração do contrato, sejam ampliados os efeitos ou os limites da cláusula penal para situações diversas daquelas previstas no instrumento contratual.
Assim, o Juiz não poderia aplicar a cláusula penal, prevista exclusivamente para a hipótese de inadimplemento do comprador, para uma situação diferente, como por exemplo, o atraso na entrega do imóvel, condenando a construtora ao pagamento de multa e juros em favor do comprador. Nesse sentido, é o entendimento adotado pela 6ª Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com o voto proferido pelo Desembargador Francisco Loureiro[1]:
“Inviável o pedido de extensão da cláusula penal ajustada entre as partes para a hipótese de atraso do pagamento do preço – para o atraso na entrega do apartamento. Eventual assimetria das obrigações das partes em contrato de consumo pode levar à nulidade das cláusulas abusivas. Isso não significa, porém, possa o juiz intervir no contrato e criar nova cláusula penal, não ajustada entre as partes, para sancionar o comportamento do fornecedor. Sabido que a cláusula penal, como diz o próprio nome, tem origem convencional, de modo que não pode o juiz simplesmente substituir a vontade das partes e estender multas a novas situações jurídicas.”
Observa-se que para eventual inadimplemento do contrato pela vendedora-construtora, por aspectos não previstos na cláusula penal, o meio adequado do consumidor buscar o seu ressarcimento seria em eventual ação de perdas e danos, e não pela extensão da cláusula penal.
Esse foi o entendimento adotado pelo Meritíssimo Juiz Eurico Leonel Peixoto Filho, da 5ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro, nos autos do processo de nº 1002105-39.2014.8.26.0002, em decisão envolvendo uma construtora, patrocinada pelo Teixeira Fortes Advogados Associados, no qual se decidiu pela inaplicabilidade da cláusula penal em benefício do comprador, conforme trecho abaixo:
“Não é o caso, outrossim, de se estender a cláusula penal prevista para a inexecução das obrigações do adquirente para a hipótese de mora do fornecedor. A cláusula penal depende de prévia estipulação pelas partes e constitui prefixação de perdas e danos. Além disso, a inexistência de cláusula penal em favor do adquirente não o priva de ser ressarcido pelas prejuízos que vier a ter com a inexecução por culpa fornecedor, bastando, como no caso, demonstrar o que perdeu e o que deixou de auferir razoavelmente.”
Portanto, incabível a extensão da cláusula penal em benefício do comprador na hipótese de inadimplemento da construtora, quando não houver expressa previsão contratual nesse sentido, sob pena de outorgar ao magistrado poderes de modificação unilateral do contrato, criando penalidades que não foram convencionadas pelas partes.
Aryane Gomes Vieira Fernandes
aryane@fortes.adv.br
[1] Autos do recurso de Apelação de nº 0014561-30.2012.8.26.0577.
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