29 de Fevereiro de 2016
Boa parte do setor de fomento mercantil e FIDC’s utiliza-se de um contrato padrão (normalmente chamado “contrato-mãe”), cuja base foi elaborada há alguns anos por entidades representativas do segmento. O referido modelo veicula disposições gerais regulando, além do core da atividade – isto é, a cessão e aquisição de direitos creditórios – também a prestação de serviços, aludindo avaliação de mercado, gestão de crédito, acompanhamento de contas a receber e quejandos.
Infelizmente, a simples previsão de tais serviços – não raro, não prestados na prática – tem levado a Justiça do Trabalho a estender às Factorings/FIDC’s a responsabilidade pelo pagamento de condenações trabalhistas de seus clientes (os cedentes).
O argumento central de tais decisões orbita na tese de que ditos serviços implicariam espécie de “administração” conjunta, capaz de caracterizar a figura jurídica de grupo econômico, definido no artigo 2º, parágrafo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho[1]. Veja-se, por exemplo, recente decisão preferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região:
“o contrato firmado com a quarta executada, revela que ela [a empresa de fomento mercantil] não se dedica exclusivamente à compra de recebíveis, mas também às seguintes atividades: a) acompanhamento do processo produtivo ou mercadológico da contratante; b) acompanhamento de contas a receber e a pagar da contratante; c) avaliação da contratante, de seus devedores e o de seus fornecedores”
Da cláusula terceira até a sexta do contrato de fomento mercantil apresentado consta de forma detalhada a natureza de tais atividades…
O conjunto probatório, revela, portanto, que, apesar de constar do Comprovante de Inscrição e Situação Cadastral da Receita Federal como atividade econômica principal o fomento mercantil – factoring, esta não é, na realidade, sua atividade preponderante. A executada é empresa que exerce atividade econômica principal privativa de administrador.”
No mesmo sentido, a 4ª Vara do Trabalho de Londrina decidiu que:
“A cópia do contrato de fomento mercantil juntada às fls. 1246/1255 não estabeleceu apenas a compra de recebíveis, mas também “acompanhamento do processo produtivo ou mercadológico da contratante”, “acompanhamento das contas a receber e a pagar da contratante” e “avaliação da contratante, de seus devedores e de seus fornecedores” (cláusula 2ª), visando a “otimizar a sua produtividade (redução de desperdícios)” e auxiliando “na busca de novos clientes e oferecendo subsídios à contratante em sua tomada de decisões” (cláusula 3ª).
O negócio jurídico entabulado previu a prestação de serviços de acompanhamento mercadológico consistentes “na gestão comercial” das vendas da contratante (cláusula 4ª). Também a contratada, “na qualidade de mandatária”, na prestação de serviços de acompanhamento de contas a pagar e a receber, incumbiu-se de orientar a contratante “na administração do controle do fluxo de caixa e da carteira de cobrança” (cláusula 5ª). Ainda, na prestação de serviços de acompanhamento do processo produtivo, estipulou-se o fomento da “compra de matéria-prima, insumos e produtos para revenda contactando fornecedores, podendo negociar prazos e descontos nas compras” (cláusula 6ª).
Ora, se a embargante participava da tomada de decisões da executada; se apresentava a qualidade de mandatária; se influía em sua administração financeira; se negociava prazos e descontos em compras com fornecedores, então exsurge inconteste a ingerência administrativa a caracterizar o grupo econômico por coordenação, que independe de quadro societário ou objeto social em comum, da suposta existência de outros negócios mercantis com outras factorings e de confissão de dívida pela faturizada, e do qual decorre a responsabilidade solidária da embargante, nos termos do artigo 2º, parágrafo 2º, da CLT.”
Também o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª região, que abrange a região fluminense:
“Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) é, segundo definição do BMF/BOVESPA um tipo de aplicação em que a maior parte dos recursos é destinada à aquisição de direitos creditórios. Esses direitos creditórios vêm dos créditos que uma empresa tem a receber, como duplicatas, cheques, contratos de aluguel e outros. Os direitos de recebimento desses créditos é negociável, quer dizer, a empresa o cede a terceiros e isso é feito por meio de um FIDC. Por isso, créditos originados de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços têm sido transformado em cotas de FIDC. O FIDC promove a desintermediação financeira ao vincular diretamente o tomador do crédito com o investidor em uma estrutura isenta de tributos intermediários e, sobretudo, indevassável pelos bloqueios judiciais. No caso da empresa detentora dos recebíveis, no momento atual a A.M Ltda. e I.L Ltda., subsidiadas por empresas menores, os seus valores a receber sobre vendas comerciais ou de serviços são repassados ao fundo, captando recursos para aumento de seu capital de giro a um custo bem menor do que os de empréstimos bancários, pela desintermediação e ainda pelo fato de que muitas vezes o rating dos fundos é melhor que o da empresa. Assim, a negociação deixa de ocorrer diretamente com as empresas de factoring e estas passam a ser parceiras do empreendimento nesses fundos de investimento, por isso precisam ser empresas de confiança, viabilizando, inclusive, que os créditos que uma empresa gere sejam transferidos para a outra sem a menor burocracia, seus recebíveis são pulverizados e, a cada dia, fica mais complicado o rastreamento dos valores.
Em verdade, as factorings entrelaçadas ao G.P dão sérios indicativos de que estão emprestando dinheiro, financiando o empreendimento, fazendo repasse de valores para terceiros, posturas que contrariam totalmente a normativa do COAF e que constituem o modus operandi dos esquemas de blindagem de patrimônio. Os valores localizados nesse fundo de investimentos de direito creditório, é importante frisar, não constituem capital de giro de nenhuma dessas empresas, são valores de reserva, concentrados para especulação financeira, sendo os repasses feitos para indústrias de expressão pecuniária inexpressiva, se considerarmos a dimensão do FIDC, quase que lucros e dividendos periodicamente recebidos e, portanto, tão habilmente gerenciados pelas empresas de cobrança.
Os bloqueios em questão assumem a natureza de arresto cautelar e têm de significativo somente atingirem, nesse primeiro momento, algumas das empresas envolvidas com o grupo, cujos contornos mais precisos virão na decisão de caracterização do grupo econômico trabalhista, nos moldes autorizados pelo artigo 2º, parágrafo 2º da CLT e que, na hipótese em exame, assume a forma de grupo econômico de coordenação…”
A realidade das decisões judiciais que vêm sendo proferidas acerca do tema tornam, a nosso ver, imprescindível que se reanalise a conveniência da manutenção de cláusulas como essa nos contratos padrão, pois a nosso ver têm pouca ou nenhuma valia prática, mas podem dar ensejo – abusivamente ou não, pouco importa sob esse prisma – prejuízos absolutamente injustificáveis.
Fica aqui nosso alerta aos clientes e amigos.
Cylmar Pitelli Teixeira Fortes
cylmar@fortes.adv.br
Camilla Thais Correa Moriki
camilla@fortes.adv.br
[1] Art. 2º, CLT: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
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