Aspectos gerais sobre o Bem de Família

24/05/2016

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Aryane Gomes Vieira Fernandes –
 

I. Bem de Família Voluntário

1. O bem de família está consagrado em dois diplomas legais, a saber: o Código Civil, consoante artigo 1.711 e seguintes, o qual dispõe sobre o “bem de família voluntário ou convencional”, e a Lei 8.009/1990 que institui o “bem de família legal”.

2. O bem de família consiste no único imóvel próprio do casal, ou da entidade familiar, destinado à residência, o qual é impenhorável e não responderá por qualquer dívida, salvo as hipóteses do artigo 3º[1] da Lei 8.009/1990 e artigo 1.715[2] do Código Civil.

3. O artigo 1.711 dispõe que os cônjuges, ou a entidade familiar, poderão destinar até 1/3 do seu patrimônio líquido existente no momento da instituição, para constituição do bem de família voluntário, verbis:

“Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”

4. Assim, o bem família voluntário ou convencional é instituído por ato de vontade dos cônjuges, ou da entidade familiar, por meio de escritura pública, devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis[3], tornando-se oponível a terceiros.

5. O imóvel constituído como bem de família voluntário deve ser o domicílio da entidade familiar, conforme artigo 1.712 do Código Civil. Após o registro da escritura de instituição do bem de família, o imóvel torna-se impenhorável por dívidas futuras contraídas pela família, salvo se provenientes de tributos incidentes sobre o imóvel ou dívida de condomínio, consoante artigo 1.715 do Código Civil.

6. A instituição do bem de família voluntário será relevante se a entidade familiar possuir mais de um imóvel utilizado como residência. Nesse caso, a família pode optar por proteger o imóvel de maior valor, desde que não represente mais de 1/3 do seu patrimônio líquido, afastando-se a regra de impenhorabilidade do imóvel de menor valor na hipótese de múltiplas residências, conforme determina o parágrafo único do artigo 5º da Lei 8.009/90[4]. Nesse sentido é o seguinte precedente o Tribunal de Justiça de São Paulo[5]:

“Pela dicção do artigo 5º, parágrafo único, da Lei 8.009/90, a impenhorabilidade, no caso de pluralidade de bens imóveis residenciais, recai sobre o de menor valor, salvo na hipótese em que os cônjuges ou a entidade familiar houver instituído o imóvel de maior valor como bem de família voluntário, nos termos do artigo 1.711 e seguintes do Código Civil”.

II. Bem de Família Legal

7. Conforme já mencionado, caso a família deseje proteger um imóvel específico, o instrumento a ser adotado é a instituição do bem de família voluntário, nos termos do Código Civil.

8. De outro lado, sem a necessidade de qualquer ato no Cartório de Registro de Imóveis, a Lei 8.009/90 confere proteção legal ao único imóvel destinado à residência permanente do casal, ou da entidade familiar, tornando tal patrimônio impenhorável, consoante artigo 1º da Lei 8.009/90.

9. Para receber a proteção conferida ao bem de família decorrente da Lei 8.009/90, é necessário exclusivamente que o devedor demonstre que imóvel é a sua residência permanente, nos termos do artigo 1º e 5º da citada legislação.

10. Sobre o bem de família legal ensina Milton Paulo de Carvalho Filho[6]:

“O bem de família pode ser legal (involuntário) ou voluntário. A primeira espécie decorre da vontade do Estado de proteger a família, base da sociedade, assegurando-lhe as mínimas condições de dignidade. O bem de família legal foi instituído em nosso ordenamento pela Lei n. 8.009/90 e tem por objeto o imóvel, rural ou urbano, que constitui a morada da família, incluindo-se todos os móveis e pertences que o guarnecem. Esses bens são, por imposição legal, impenhoráveis, independentemente de ato de vontade dos integrantes da família.”

11. Assim, tratando-se do único bem imóvel destinado à residência familiar, a proteção conferida pela Lei 8.009/1990 é automática, e dispensa qualquer formalização por meio de escritura pública. Nesse sentido são os seguintes precedentes do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

“IMPENHORABILIDADE DE IMÓVEL – BEM DE FAMÍLIA LEGAL- O art. 1º da Lei 8.009/90 prevê a impenhorabilidade do bem de família com a finalidade de assegurar o direito de moradia à entidade familiar – Existência de elementos a demonstrar que se trata de imóvel utilizado como moradia da família, portanto impenhorável — Penhora insubsistente — Desnecessidade de escritura pública para formalizar a destinação do imóvel, porque se trata de bem de família legal e não voluntário (art. 1711 do Código Civil) – Sentença mantida.”[7]

“IMPENHORABILIDADE – Bem de família – Imóvel sob exame é impenhorável com fundamento na Lei n° 8.009/90 – Lei n° 8.009/90 disciplina o bem de família legal e não se confunde com o bem de família que se constitui por ato de vontade do proprietário regido pelos artigos 1.711 a 1.722 do Código Civil. Para constituição do bem de família legal basta que o imóvel sirva como residência para a família, não existindo necessidade da formalização da destinação do imóvel com registro prévio na matrícula do cartório de imóveis -Recurso não provido”[8].

12. Conclui-se, portanto, que, se o devedor possui apenas um imóvel destinado à sua residência, o imóvel será considerado bem de família nos termos do artigo 1º da Lei 8.009/90, tornando-se desnecessária qualquer formalização/instituição do bem de família por meio de escritura pública.

III. Bem de Família: Imóvel ocupado por pessoa solteira.

13. O artigo 1º da Lei 8.009/90 dispõe que o bem de família é o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. Por sua vez, o artigo 1.711 do Código Civil dispõe que os cônjuges, ou a entidade familiar, poderão destinar parte do seu patrimônio para a instituição do bem de família. Pela leitura estrita do texto legal, aparentemente, apenas as pessoas casadas, ou aquelas que vivem inseridas em um grupo familiar, recebem a proteção conferida ao bem de família.

14. No entanto, os Tribunais admitem uma interpretação extensiva e de cunho social aos artigos supracitados, e reconhecem que o bem de família visa proteger o direito à moradia, e não está vinculado à quantidade de pessoas que vivem no imóvel. Assim, não há distinção entre pessoas casadas, viúvas ou solteiras que vivem sozinhas, todas recebem a mesma proteção legal no tocante ao bem de família. Nesse sentido são os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

“Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o celibatário é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas. "Data venia", a Lei nº 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário – à pessoa solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, "data venia", põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a insuficiente interpretação literal.”[9]

“IMPENHORABILIDADE. IMÓVEL RESIDENCIAL. DEVEDOR SOLTEIRO QUE MORA SOZINHO. DIREITO ASSEGURADO. – O devedor solteiro que mora sozinho é abrangido pelo benefício estabelecido no art. 1º da Lei nº 8.009, de 29.3.1990. Precedente da eg. Corte Especial. Recurso especial não conhecido.”[10]

15. Sobre a proteção conferida ao devedor solteiro, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 364 a qual dispõe:

“O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”

16. No mesmo sentido são os seguintes precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Embargos do devedor. Indicação de dois imóveis à penhora. 1. Bem de família. Imóvel ocupado por pessoa solteira. Circunstância que não exclui a proteção legal. Impenhorabilidade reconhecida. 2. Imóvel alienado antes da citação na execução. Fraude à execução não configurada. Alienação não registrada na matrícula do imóvel. Irrelevância. Inexistência também de demonstração contundente pelo credor de que o adquirente tivera efetiva ciência da ação. Boa-fé deste presumida. Embargos acolhidos. Recurso não provido.”[11]

“EMBARGOS À EXECUÇÃO – IMPENHORABILIDADE – BEM DEFAMÍLIA – PESSOA SOLTEIRA. 1-/1 lei 8.009/90 não se dirige a número predeterminado de pessoas, mas sim à pessoa humana em si, seja ela solteira, casada, viúva, convivente ou divorciada. Pretendeu o legislador garantir o direito constitucional à moradia, seja daquele que vive em grupo, como daquele que reside só, devendo, portanto, ser observado o sentido social da norma, A norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana, pouco importando seu estado civil. Precedentes do STJ nesse sentido.”[12]

17. Destarte, tratando-se do único bem imóvel destinado à residência, o estado civil do devedor não altera a proteção conferida ao bem de família.

aryane@fortes.adv.br

 


[1] Artigo 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I (revogado) II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

[2] Artigo 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

[3] Artigo 1.714 do Código Civil.

[4] Artigo 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.

[5] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Agravo de Instrumento de nº 0258129-97.2012.8.26.0000, j.28/01/2013.

[6] Código Civil Comentado, Coordenado pelo Ministro Cezar Peluso, 7ª ed., Manole, 2013, pp. 1.999/2000.

[7] Apelação de nº 9162293-22.2004.8.26.0000, j.24/06/2010.

[8] Apelação de nº 0526687-11.2010.8.26.0000, j. 16/03/2011.

[9] Recurso Especial nº 182.223-SP, j.19/08/1999

[10] Recurso Especial nº 403.314 –SP, j.21/03/2002.

[11] Apelação de nº 0017150-17.2009.8.26.0248, j. 26/05/2012.

[12] Apelação de nº 9096424-10.2007.8.26.0000, j.04/08/2011.

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