Condomínio Horizontal e a Alienação das Unidades Autônomas sem Prévia Edificação

17/11/2016

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Aryane Gomes Vieira Fernandes

1. Um terreno pode ser fracionado para a implantação de condomínio ou loteamento. O condomínio horizontal, regido pela Lei 4.591/64, pressupõe o fracionamento do imóvel para a construção de “casas térreas ou assobradadas”[1], que constituem as unidades autônomas. Enquanto no loteamento, sob a égide da Lei 6.766/79, se admite o parcelamento do solo para a alienação apenas dos lotes desprovidos de construção, o incorporador não pode alienar as unidades autônomas sem estarem vinculadas à construção da edificação.

2. Já se defendeu a existência de uma terceira modalidade de parcelamento do solo: o “condomínio de lotes”. Essa figura permitiria, supostamente, a alienação de unidades autônomas desvinculadas da existência de construção. O fundamento legal seria o artigo 3º do Decreto 271/1967, que dispõe:

“Aplica-se aos loteamentos a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infraestrutura à construção da edificação.”

3. Com base no dispositivo legal acima, seria possível implantar um condomínio no qual as unidades autônomas correspondem às frações do terreno sem a existência da edificação. Isto porque as obras de infraestrutura realizadas no empreendimento equivaleriam, ou substituiriam, a construção na unidade autônoma.

4. No entanto, em 13/01/2016, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, ao responder Consulta Pública formulada sobre a possibilidade do condomínio de lotes, colocou uma pá de cal sobre o assunto, decidindo que o artigo 3º do Decreto 271/1967 foi revogado pela Lei 6.766/79, que trata de forma específica sobre o parcelamento do solo. Sobre a questão, a Corregedoria manifestou-se nos seguintes termos:“Ora, a Lei n. 6.766/79 regulou, expressamente, de acordo com seu art. 1º, o parcelamento do solo para fins urbanos. E disse, com todas as letras, que o parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes. Vale dizer, não há outra forma de se parcelar o solo urbano que não por meio de loteamento ou desmembramento nem sobrevive qualquer legislação que a preveja. Se se deseja estabelecer um condomínio deitado, pode-se fazê-lo, desde que respeitadas as regras do art. 8º da Lei n. 4.591/64, especialmente com vinculação do lote à construção. Não é possível resgatar um dispositivo absolutamente isolado e revogado para querer equiparar figuras distintas, criando um retalho de loteamento/condomínio, com o claro intuito de aproveitar o que há de mais conveniente nas duas legislações. Parcela-se o solo, em regime de condomínio, mas sem os rigores da lei de parcelamento.”[2]

5. Com base no resultado desta consulta, foi suprimido o item 222.2[3] do Capítulo XX das normas gerais da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, que reconhecia a possibilidade do condomínio de lotes. Portanto, atualmente, ao menos no Estado de São Paulo, quando se trata de empreendimento imobiliário aprovado nos termos da Lei 4.591/64 (condomínio), não se admite a alienação de lotes sem vinculação à existência da edificação sobre o referido terreno. Se o empreendedor deseja fracionar o solo e alienar apenas os lotes, deverá fazê-lo com base na Lei 6.766/79, a lei que disciplina loteamentos e desmembramentos urbanos.

6. No entanto, o incorporador pode transferir aos compradores, ou à construtora, a obrigação de edificar a unidade autônoma. Com efeito, o artigo 48 da Lei 4.591/64[4] permite que a construção da unidade autônoma seja contratada diretamente entre os adquirentes do imóvel e o construtor. Por sua vez, o parágrafo único do artigo 29 da Lei 4.591/64[5] dispõe que a construção da unidade autônoma presume-se vinculada à alienação das frações do terreno se, no ato da venda, já estiver aprovado o respectivo projeto de execução das obras pela autoridade competente.

7. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial  nº 709.403-SP[6], reconheceu a possibilidade de alienação apenas da fração do terreno, desde que: (i) a incorporadora tenha cumprido todos os requisitos exigidos para a instituição do condomínio e da incorporação nos termos da Lei 4.564/91, e realizado as obras de infraestrutura; (ii) dos contratos de compra e venda das frações ideais conste a obrigação do comprador de realizar, em prazo certo e determinado, a edificação da casa de acordo com  o projeto de construção aprovado; e, (iii) do Memorial de Incorporação registrado no Cartório de Imobiliário tenha constado o projeto de execução da obra aprovado.

8. A título de esclarecimento, no Estado de São Paulo, se o condomínio possuir mais de 200 unidades imobiliárias; ou for implantado em terreno com área superior a 50.000 m²; ou estiver em área protegida pela legislação ambiental com terreno igual ou superior a 10.000 m², o projeto de construção deve ser aprovado também pelo Graprohab[7].

9. Portanto, no condomínio horizontal é possível a alienação de frações ideais do terreno, sem a necessidade de prévia edificação, desde que (i) o adquirente, ou a construtora, tornem-se obrigados pela execução das obras; (ii) exista um projeto de construção aprovado pelos órgãos competentes e (iii) o contrato de compra e venda das frações do terreno vincule expressamente a construção das unidades autônomas ao projeto aprovado. A simples venda dos lotes, sem qualquer vinculação à edificação ou ao projeto de execução da obra aprovado, não é permitida nos termos da Lei 4.591/64.



[1] Vide artigo 8º, alínea “a”, da Lei 4.591/64 : “Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte: a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades”

[2] CGJSP > PROCESSO: 141.294/2014 – Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 13/01/2016.

[3] “O item 222.2 possuía a seguinte redação: Nas incorporações de condomínio de lotes, a que se refere o art. 3º, do Decreto-lei 271, de 28 de fevereiro de 1967, a execução das obras de infraestrutura equipara-se à construção da edificação, para fins de instituição e especificação do condomínio.”

[4] “Art. 48. A construção de imóveis, objeto de incorporação nos moldes previstos nesta Lei poderá ser contratada sob o regime de empreitada ou de administração conforme adiante definidos e poderá estar incluída no contrato com o incorporador, ou ser contratada diretamente entre os adquirentes e o construtor. § 1º O Projeto e o memorial descritivo das edificações farão parte integrante e complementar do contrato; § 2º Do contrato deverá constar a prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação.”

[5] Parágrafo único. Presume-se a vinculação entre a alienação das frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a venda, ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção, respondendo o alienante como incorporador.”

[6] RECURSO ESPECIAL Nº 709.403 – SP (2004/0174391-0) – Relator: Ministro Raul Araújo – j.06/12/2011.

[7] Artigo 5º do Decreto 52.053/07- Caberá ao Graprohab analisar e deliberar sobre os seguintes  projetos de parcelamento do solo e de núcleos habitacionais urbanos a serem implantados: IV – projetos decondomínios residenciais que se enquadrem em uma das seguintes situações: a) condomínios horizontais e mistos(horizontais  e  verticais),  com mais de 200 unidades ou com área de terreno superior a 50.000,00m2; c) condomínios horizontais, verticais ou mistos (horizontais e verticais) localizados em área especialmente protegidas pela legislação ambiental com área de terreno igual ou superior a 10.000,00m2.

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.