Fisco mira corretagem

19/12/2016

Por Vinícius de Barros

Por Vinicius de Barros

Publicado no Valor Econômico, Caderno de Legislação & Tributos, em 16/12/2016

No fim de agosto, o Superior Tribunal de Justiça julgou a legalidade da cláusula contratual que transfere ao comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem no contrato de compra e venda de imóvel (REsp 1599511/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, 24/08/2016). A questão de fundo discutida dizia respeito à validade do ajuste contratual à luz do Código de Defesa do Consumidor, porém o relator do recurso, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acabou comentando sobre as consequências tributárias da cláusula que transfere para o consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem, o que pode desencadear a fiscalização das empresas do setor imobiliário.
 
O relator foi instigado a se pronunciar sobre a questão fiscal pela União Federal, que se manifestou nos autos do recurso na qualidade de amicus curiae para falar sobre a suposta evasão fiscal que vem sendo cometida pelas empresas imobiliárias em decorrência da alegada transferência dos ônus do pagamento da comissão de corretagem aos consumidores adquirentes dos imóveis.
 
Segundo a União Federal, a transferência do pagamento da comissão de corretagem para o consumidor teria por finalidade o não pagamento da contribuição previdenciária e do imposto de renda pelas empresas imobiliárias, tributos que incidiriam sobre os pagamentos efetuados às pessoas físicas que prestam serviços de corretagem. Além disso, o ajuste no pagamento da corretagem pelo comprador teria por fim o cometimento de evasão fiscal pelas empresas do setor imobiliário, pois com isso elas reconheceriam menos receita e, por consequência, recolheriam menos IR, CSLL, PIS e COFINS.
 
O STJ nada decidiu sobre o tema – porque, vale frisar, a questão fiscal não era objeto do recurso colocado em julgamento – e o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino apenas fez constar no acórdão que “outra vantagem dessa transferência para as incorporadoras seria a redução da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a aquisição da unidade imobiliária, como salientado pela FAZENDA NACIONAL em sua manifestação escrita, sob a conotação de evasão fiscal”.
 
No entanto, em que pese o STJ não ter julgado a repercussão tributária da tal cláusula contratual, pelo simples fato de levantar essa polêmica a União Federal acabou generalizando a alegada prática de evasão fiscal pelas empresas do setor imobiliário, fazendo crer que por trás de todo pagamento de comissão de corretagem pelo adquirente do imóvel há o interesse escuso do vendedor de não recolher tributos. Não podemos afirmar que a intenção da União Federal tenha sido esta, mas de qualquer forma é preciso desfazer essa falsa percepção que começa a assombrar o setor imobiliário.
 
O corretor de imóvel não atua necessariamente em prol do vendedor ou do comprador, pois na verdade ele pode ser contratado para agir no interesse de uma ou outra parte. Nesse ponto a Lei Federal n. 6.530, de 12 de maio de 1978, que regulamenta a profissão de corretor de imóvel, prevê claramente que compete a este exercer a intermediação na compra ou na venda, ou seja, a legislação não atribui apenas ao vendedor a condição de contratante do corretor e não veda a sua contratação pelo comprador.
 
Desse modo, não há como presumir que o corretor atua sempre em benefício do vendedor, porquanto é perfeitamente lícita e normal sua contratação pelo comprador do imóvel, hipótese em que a remuneração do corretor é devida pelo comprador, por expressa previsão legal, não havendo que se falar assim na incidência de contribuição previdenciária a cargo do vendedor. Nesse mesmo caso, o vendedor não deve levar em consideração na apuração do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS o valor da corretagem paga pelo comprador ao corretor, por força de contrato firmado entre estes, pois esta parcela não constitui sua receita bruta.
 
No intuito de reforçar suas alegações, a União comparou a situação com o caso decidido pelo STJ que, em julgamento apertadíssimo, definiu que cabe às empresas de seguro privado o pagamento da contribuição previdenciária incidente sobre a comissão dos corretores pela intermediação no contrato de seguro (REsp 519.260/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 09/04/2008). Não se nega que à primeira vista os casos parecem ser iguais, mas na verdade as situações não são perfeitamente idênticas a permitir a simples conclusão de que o julgamento daquele caso serve para este. Como se infere pela leitura do acórdão citado pela União, a decisão da maioria, que julgou devida a contribuição pelas empresas seguradoras, foi tomada principalmente em razão das especificidades do contrato de seguro e da relação entre as seguradoras e os corretores.
 
A União também citou em sua manifestação duas decisões do CARF que confirmaram autuações sofridas por duas empresas imobiliárias pelo não pagamento de tributos incidentes sobre as remunerações pagas aos corretores de imóveis – a União esqueceu-se de dizer que também há decisões favoráveis aos contribuintes. No entanto, é preciso salientar que as empresas foram autuadas porque concluiu-se que, diante das particularidades dos casos concretos, os corretores teriam sido contratados pelas vendedoras, mas em nenhum momento foi afirmado não ser possível a contratação e remuneração pelos compradores.
 
Enfim, ao contrário do que pretendeu fazer crer a União, não se deve generalizar a alegada prática de evasão fiscal decorrente do pagamento da comissão de corretagem pelos consumidores adquirentes de imóveis, pois em regra tal prática não configura infração tributária.

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