Análise sobre reforma da lei do ISS

05/01/2017

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

por André Felipe Cabral de Andrade

Por meio da Lei Complementar n. 157, de 29 de dezembro de 2016, o Governo instituiu algumas mudanças na legislação de regência do ISS[1]. Há três pontos destacáveis sobre a reforma, que serão analisados no presente texto: (i) a tentativa de acabar coma guerra fiscal entre os municípios, (ii) o veto presidencial sobre alterações na tributação das operações de cartões de crédito, débito, factoring e leasing, e (iii) a incidência do imposto para os serviços de streaming.

                    
Guerra fiscal. A Lei Complementar n. 157/2016 previu de forma expressa que a alíquota mínima do ISS que pode ser estabelecida pelos municípios é de 2%, e que os municípios não podem conceder, por meio de manobras, benefícios fiscais que reduzam diretamente ou indiretamente a base de cálculo para a aplicação da alíquota.
 
Essa regra, em que pese estar prevista desde 1988 pelo artigo 88, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), é frequentemente burlada por alguns municípios. Não é incomum também que os municípios que tenham suas receitas prejudicadas por benefícios fiscais concedidos de forma ilegal tomem medidas acionando os contribuintes, e não contra o município que concedeu a isenção de forma ilegal.
 
Todavia, o contribuinte ainda não encontrava guarida em dispositivos de lei contra ações de entes da federação que lhe tentassem impor algum tipo de sanção por ato de outro ente da federação. Nesse sentido novidade trazida pela Lei Complementar 157/2016 está presente na redação incluída nos §§ 2° e 3°, do artigo 8°-A, da Lei Complementar n. 116/2003, que passam a prever o seguinte:
 
“§ 2o  É nula a lei ou o ato do Município ou do Distrito Federal que não respeite as disposições relativas à alíquota mínima previstas neste artigo no caso de serviço prestado a tomador ou intermediário localizado em Município diverso daquele onde está localizado o prestador do serviço.
 
§ 3o  A nulidade a que se refere o § 2o deste artigo gera, para o prestador do serviço, perante o Município ou o Distrito Federal que não respeitar as disposições deste artigo, o direito à restituição do valor efetivamente pago do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza calculado sob a égide da lei nula.”
 
O §3° do artigo 8°-A passa a prever, portanto, que o município que conceder redução de tributo de forma ilegal está obrigado a devolver toda e qualquer quantia que foi paga a título daquele tributo.
 
A nosso ver, a referida alteração legislativa representa um avanço em prol do contribuinte, na medida em que busca, de fato, penalizar o responsável por eventual burla ao sistema da tributação (qual seja, o município que concedeu um benefício fiscal de modo ilegal), e evitar, desta forma, que eventual cobrança que advier desta ilegalidade recaia sobre o patrimônio do contribuinte. A nova lei, com efeito, não impede que haja uma tentativa de penalizar o contribuinte, mas age contra esse tipo de atitude de forma preventiva.
 
Apenas para facilitar a exposição: suponha-se que determinado município, por meio de manobras legislativas, reduza o ISS para 1% sobre o valor do serviço prestado. Se tal manobra fosse declarada ilegal antes da vigência da Lei Complementar n. 157/2016, o contribuinte não poderia pleitear a restituição do 1% já pago aos cofres públicos.
 
No entanto, a partir de agora, com a previsão expressa, se a lei é declarada nula em razão de burlar o “pacto federativo” e prejudicar a receita de outros municípios, quem arcará com o custo de ter realizado uma norma ilegal é o município, que estará obrigado a restituir o contribuinte de qualquer valor pago na vigência da lei declarada ilegal.
 
Aliás, é de se destacar que a preocupação em se evitar a concessão de benefício fiscal de forma ilegal é tão grande, que a Lei Complementar n. 157/2016 alterou também a Lei Federal n. 8.429/1992, e passou a considerar ato de improbidade administrativa a concessão de benefícios fiscais em desacordo com a Lei Complementar n. 116/2016.
 
Portanto, o texto da Lei Complementar n. 157/2016 pode ser um bom indício de que uma das preocupações do legislador é acabar com a guerra fiscal, de forma que se prejudiquem os contribuintes, e, de certa forma, acende a esperança de que leis parecidas sejam editadas para outros tipos de situação.

 
Serviços de cartões de crédito, débito, factoring e leasing. Uma das alterações de grande relevo que era pretendida pelos criadores do projeto de lei que se transformou na Lei Complementar 157/2016 consistia em alterar o local da tributação dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito e débito, e nos contratos de factoring e leasing.
 
O projeto previa, originariamente, que o recolhimento do tributo na prestação de tais serviços seria devido ao município do tomador dos serviços, ao invés do município do prestador do serviço. Tal medida poderia alterar substancialmente a forma como as empresas do ramo recolhem o ISS.  A Presidência da República, no entanto, ao analisar o projeto de lei vetou a proposta sob a seguinte justificativa:
“Os dispositivos contrariam a lógica de tributação desses serviços, que deve se dar no local onde ocorrem a análise do cadastro, o deferimento e o controle do financiamento concedido, e não em função do domicílio do tomador dos serviços.”
 
O veto menciona também que “os dispositivos comportariam uma potencial perda de eficiência e de arrecadação tributária, além de redundar em aumento de custos para empresas do setor, que seriam repassados ao custo final, onerando os tomadores dos serviços”.
 
A nosso ver, o veto presidencial além de apresentar bom senso no que se refere ao aspecto prático das operações das empresas do ramo, também é dotado de lógica jurídica já que, pela sistemática da Lei Complementar n. 116/2003, o serviço considera-se prestado sempre no domicílio do prestador de serviços, salvo em situações específicas, quando o serviço é prestado pessoalmente em outro local (como por exemplo, serviços de construção civil).

 
Tributação sobre os serviços virtuais. A Lei Complementar n. 157/2016 passou também a prever a incidência do ISS sobre os serviços que consistem na disponibilização, sem cessão definitiva, de plataforma com diversos conteúdos, como áudio, vídeo, livros, etc., para livre acesso dos usuários (popularmente conhecida como serviços de streaming). Tal medida já havia sido sinalizada pelo governo, e a partir de agora, faz com que serviços como os prestados por marcas famosas, como Netflix e Spotify, passem a sofrer tributação, cabendo ao legislador municipal estabelecer os contornos da cobrança.
 
A ressalva que se faz quanto a este particular, consiste no fato de que, se alguma empresa deste ramo já tiver sido cobrada pelo pagamento de ISS, pode ser analisada a viabilidade da exigência ser indevida, frente ao malferimento do princípio da legalidade tributária.
 



[1] Lei Complementar n. 116, de 31 de junho de 2003
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