Terceirização: importantes questões das recentes alterações

10/04/2017

Por Eduardo Galvão Rosado

Eduardo Galvão Rosado

A terceirização – também chamada de desverticalização – é a relação triangular formada entre trabalhador, intermediador de mão de obra e o tomador de serviços, caracterizada pela não coincidência do empregador real com o formal.

A empresa prestadora de mão de obra coloca seus trabalhadores nas empresas tomadoras ou clientes. Ou seja, a tomadora contrata mão de obra por meio de outra pessoa, que serve de intermediadora entre o tomador e os trabalhadores, sendo que o liame empregatício se estabelece com a colocadora de mão de obra.
 
A terceirização não é ilícita nem proibida, estando inclusive permitida e prestigiada em nosso ordenamento jurídico nas hipóteses de trabalho temporário (Lei n.º 6.019/74), serviços de vigilância, segurança e transporte de valores para estabelecimentos bancários e de crédito (Lei n.º 7.102/83), de conservação e limpeza e antes apenas para serviços especializados ligados a atividade-meio da tomadora da mão de obra, sendo que em todas as hipóteses, sempre que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Nesse sentido, destaca-se a Súmula 331 do TST, in verbis:

 

Súmula nº 331 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). 

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Como se denota, a terceirização dos serviços, ainda que lícita, não retira a responsabilidade subsidiária da tomadora dos serviços, na ocorrência de descumprimento pelo contratante das obrigações trabalhistas. Nesse sentido, inclusive, é a Jurisprudência:
 

Data de publicação 31/01/2017. 17ª TURMA RECURSO ORDINÁRIO PROCESSO TRT/SP Nº 0002401-50.2014.5.02.0373 ORIGEM: 3ª VARA DO TRABALHO DE MOGI DAS CRUZES RECORRENTE: TELEFÔNICA BRASIL S.A. (2ª RÉ) RECORRIDOS: 1. DELEUSA DA SILVA 2. J. K. M 7 PUBLICIDADE E MARKETING LTDA – ME (1ª RÉ) 3. CLARO S/A (3ª RÉ) Terceirização. Tomador. Responsabilidade. A responsabilidade do contratante, na terceirização de serviços que poderiam ser executados com mão de obra própria, decorre dos princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho (art. 1º, incisos III e IV, da Constituição Federal). Ao eleger mal e deixar de fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas, o tomador dos serviços age em flagrante abuso do direito de terceirizar. Por isso, tem a obrigação de reparar os danos que causou (art. 186 e 927 do CCB). Recurso da Telefônica a que se nega provimento. (g/n).

 
A fixação da responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços está embasada nas modalidades de responsabilidade por culpa, seja in eligendo, seja in vigilando. O Direito Civil define tais institutos da seguinte forma, segundo o entendimento de Valdeci Mendes de Oliveira [1]:
 

Por culpa in eligendo, entenda-se que resulta de má escolha de preposto ou de representante. Quem elege mal o representante, ou empregado, responde civilmente por atos ilícitos por este praticado. Admitir ou manter um preposto sem escrúpulos na execução de um serviço ou tarefa implica responsabilidade do preponente pala péssima eleição ou escolha, devendo pagar indenização se alguém for vítima de ato ilícito perpetrado pelo escolhido. A culpa in vigilando decorre da ausência de ou má fiscalização de quem, por lei ou contrato, tem a incumbência de vigiar pessoas ou coisas. É o caso do patrão que descuida de empregados motoristas, e permite que estes dirijam embriagados, ou autoriza a saída de veículos em péssimo estado de conservação, causando acidentes.

 
Com o advento da Lei nº 13.429/2017 (de 31/03/2017), este panorama não se modificou e, muito menos, houve revogação ou anulação da Súmula nº 331 do TST.  
 
Na realidade, a principal alteração inserida é a permissão da terceirização de todas as atividades da empresa tomadora de serviços (seja meio, seja ela ligada à atividade fim).  Nesse sentido dispõe o artigo 4º-A e seguintes, da Lei nº 6.019/1974 (alterada pela Lei nº 13.429/2017):
 

“Art. 4º-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
 
§ 1º A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 
§ 2º Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 
Art. 4º-B. São requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros: (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
 
I – prova de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
 
II – registro na Junta Comercial; (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
 
III – capital social compatível com o número de empregados, observando-se os seguintes parâmetros: (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
 
a) empresas com até dez empregados capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais); (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
 
b) empresas com mais de dez e até vinte empregados capital mínimo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais); (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
 
c) empresas com mais de vinte e até cinquenta empregados capital mínimo de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais); (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
 
d) empresas com mais de cinquenta e até cem empregados capital mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
 
e) empresas com mais de cem empregados capital mínimo de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)” (g/n). 

Como se verifica, para que eventual relação contratual entabulada entre as partes tenha validade, a empresa prestadora de serviços também deverá, necessariamente, preencher os requisitos previstos no artigo 4º-B, acima reproduzido.
 
Ademais, o liame deverá ter como objeto serviços determinados e específicos impedindo, consequentemente, a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas contratadas (§ 1º, do artigo 5º – A), bem como para a realização, por exemplo, dos chamados “serviços gerais”.
 
É importante destacar, ainda, que não obstante o §2º, do artigo 4º-A, da Lei nº 6.019/1974 prever expressamente que “não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços”, ao contrário do quem vem sendo propagado, a chamada “Pejotização” não está autorizada.
 
Isso porque, essa prática continua sendo ilegal, pois, se na relação estabelecida entre as partes estiverem presentes os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT (pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade), o vínculo empregatício será indiscutivelmente reconhecido pelo Poder Judiciário.
 
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, é oportuno destacar as seguintes Ementas:
 

Publicação 22/11/2016. PROCESSO TRT/SP Nº 0000500-57.2014.5.02.0014 RECURSO ORDINÁRIO RECORRENTE: OTÁVIO PLATZECK SCHAER RECORRIDO: EMPARSANCO S/A ORIGEM: 14ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO EMENTA: CONTRATO DE TRABALHO X PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. O contrato de trabalho é um contrato realidade. O contrato escrito de prestação de serviços, por si só não é suficiente, pois há de se analisar a prova dos autos para verificar se este não está a mascarar uma verdadeira relação empregatícia. Recurso do reclamante a que se concede provimento. (g/n).

 

Publicação de 03/10/2016. 00016254920145020050 Natureza RECURSO ORDINÁRIO Recorrente: Consulgal Brasil – Consultores de Engenharia e Gestão LTDA Recorridos: 1) Márcio Hermínio Barbosa 2) Consulgal do Brasil Consultores de Engenharia e Gestão S.A. Origem: 50ª Vara Federal do Trabalho de São Paulo Juiz Prolator da Sentença: Dr.(ª) Fábio do Nascimento Oliveira Ementa: Contrato de trabalho. Fraude. Exigência de constituição de empresa pelo empregado para a prestação de serviços (pejotização). Comprovada a prestação de serviços de forma subordinada (CLT, 3º). Vínculo reconhecido. (g/n).

 
É evidente que, com o advento da Lei nº 13.429/2017, a empresa tomadora de serviços não poderá mais ser condenada (com o reconhecimento do vínculo empregatício e a responsabilidade direta, por exemplo), apenas sob o fundamento de que as atividades desenvolvidas pelo prestador de serviços estão ligadas e inseridas no seu escopo social, na medida em que o exercício da chamada “atividade-fim”, por empresas terceirizadas, a partir de agora, está autorizado.
 
Destarte, pelo menos nesse aspecto, acredita-se que aplicação do inciso I, da Súmula nº 331 do TST, será relativizada pelo Poder Judiciário.

 


[1] “Obrigações de Responsabilidade Civil”, 2ª Edição, Edipro, página 752

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