De dentro de casa: Trabalhador PJ pode ter vínculo reconhecido

24/05/2018

Por Eduardo Galvão Rosado

Eduardo Galvão Rosado

 

 

I – Conceito de empregado:

 

Os artigos 2º e 3º da CLT relacionam todos os requisitos necessários para a configuração da relação de emprego:

 

Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

 

(…)

 

Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

 

Para que um trabalhador urbano ou rural seja considerado como empregado, mister que preencha, de forma concomitante, todos os requisitos acima, que, para Amauri Mascaro Nascimento[1], são “a) pessoa física; b) subordinação compreendida de forma mais ampla que dependência; c) ineventualidade do trabalho; d) salário; e, e) pessoalidade da prestação de serviços”.

 

Deste modo, podemos conceituar empregado como toda pessoa física que preste serviço a empregador (pessoa física ou jurídica), de forma não eventual, com subordinação jurídica, mediante salário, sem correr os riscos do negócio.

 
II – Requisitos para a caracterização da relação de emprego:
 
Para melhor compreensão do tema, passemos a analisar os requisitos caracterizadores da relação de emprego. Vejamos:
 
Subordinação jurídica:

A expressão subordinação deriva do termo subordinare (sub – baixo; ordinare – ordenar), isto quer dizer imposição da ordem, submissão, dependência, subalternidade hierárquica.

Em face do poder de comando do empregador, o empregado tem o dever de obediência, mesmo que tênue (altos empregados) ou em potencial, podendo aquele dirigir, fiscalizar a prestação de serviços, bem como punir o trabalhador.

Nesse sentido, o TST, por meio do Ilustre Relator Maurício Godinho Delgado pacificou o entendimento no sentido de que:

“A subordinação enfatizada pela CLT (arts. 2° e 3°) não se circunscreve à dimensão tradicional, subjetiva, com profundas, intensas e irreprimíveis ordens do tomador ao obreiro. Pode a subordinação ser do tipo subjetivo, em face da realização, pelo trabalhador, dos objetivos sociais da empresa. Ou pode simplesmente do tipo estrutural, harmonizando-se o obreiro à organização, dinâmica e cultura do empreendimento que lhe capta os serviços. Presente qualquer das dimensões da subordinação (subjetiva, objetiva ou estrutural), considera-se configurado esse elemento fático-jurídico da relação de emprego. Relator: Mauricio Godinho Delgado”. PROCESSO Nº TST-AIRR-2138-96.2012.5.03.0005 – Firmado por assinatura digital em 19/12/2013”.

Em suma, a subordinação nada mais é que o dever de obediência ou estado de dependência na conduta profissional, a sujeição às regras, orientações e normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato, à função, desde que legais e não abusivas.
 
Pessoalidade:
 
O contrato de emprego é pessoal em relação ao empregado. Isto quer dizer que aquele indivíduo foi escolhido por suas qualificações pessoais ou virtudes (formação técnica, acadêmica, perfil profissional, personalidade, grau de confiança que nele é depositada etc.).
 
Ressalta-se que o que é pessoal é o contrato efetuado entre aquele empregado e o seu empregador porque este negócio jurídico é intransmissível. Porém, a execução do serviço, o trabalho em si, pode ser transferida a outro trabalhador, a critério do patrão.
 
A pessoalidade não quer dizer que o trabalho só poderá ser desenvolvido, com exclusividade, por aquele empregado, e nenhum outro. Na verdade, o empregador poderá trocar de empregado, seja para substituí-lo no posto de trabalho, seja para cobrir suas falta, férias ou atrasos.
 
Destaca-se, por fim, que a repetição dos serviços de um mesmo empregado, para um mesmo tomador, seja de forma contínua (todos os dias) ou intermitente (alguns dias da semana, quinzena ou mês, mas durante longo período) comprova a pessoalidade daquele trabalhador. Nesse sentido é a ementa abaixo:
 
TRT-1 – RO: 00005216520125010035 RJ, Relator: Vólia Bomfim CassarData de Julgamento: 12/02/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: 20/02/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. PESSOALIDADE E HABITUALIDADE DEMONSTRADAS PELO DEPOIMENTO DO PREPOSTO. O preposto admitiu que o autor prestou serviços para 1ª ré, alegando ser dia sim dia não. A entrega, realizada pelo autor, fazia parte dos serviços oferecidos pela lanchonete. A repetição dos serviços de um mesmo empregado para um mesmo empregador, seja de forma contínua ou intermitente, comprova a pessoalidade. A habitualidade decorre da utilização permanente do serviço de entrega na empresa, não sendo uma necessidade acidental."
  
Não eventualidade:
 
O termo não eventual significa necessidade permanente da atividade do trabalhador para o empreendimento, seja de forma contínua ou intermitente.
 
A prestação do serviço com habitualidade, na qual o obreiro passa a fazer parte integrante da cadeia produtiva da empresa, mesmo que desempenhando atividade-meio, caracteriza o trabalho não eventual.
 
 Onerosidade:
 
A prestação de serviços a título gratuito descaracteriza a relação de emprego, apenas configurando mera relação de trabalho, como ocorre no caso do trabalho voluntário.
 
 
III – Da “Pejotização”:
 
O sistema jurídico pátrio considera nulo o fenômeno hodiernamente denominado de “pejotização”, neologismo pelo qual se define a hipótese em que o empregador, para se furtar ao cumprimento da legislação trabalhista, obriga o trabalhador a constituir pessoa jurídica, dando roupagem de relação interempresarial a um típico contrato de trabalho.
 
A contratação de trabalhador por meio de pessoa jurídica não impede, desta forma, o reconhecimento da condição de empregado. Nesse sentido, tem-se pronunciado reiteradamente o TST:
 
"(…) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE UNICIDADE CONTRATUAL. DISPENSA FRAUDULENTA. IMEDIATA CONTRATAÇÃO COMO PESSOA JURÍDICA PARA O DESEMPENHO DAS MESMAS FUNÇÕES. 'PEJOTIZAÇÃO'. PERCEPÇÃO DE VERBAS RESCISÓRIAS. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO RECONHECIMENTO DA UNICIDADE CONTRATUAL. 1. O artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, ao fixar regra para a contagem do tempo de serviço do empregado na empresa em períodos descontínuos, excetua, expressamente, o caso de recebimento de indenização legal. Referida indenização, contudo, não se confunde com a percepção de verbas rescisórias em face de rescisão contratual fraudulenta. 2. No caso concreto, foi reconhecida a prática simulada denominada 'pejotização', tendo sido o reclamante dispensado do emprego e imediatamente recontratado como pessoa jurídica, sem qualquer alteração das condições de trabalho – o que, em observância ao princípio da primazia da realidade, autoriza a descaracterização da relação contratual autônoma e o reconhecimento da continuidade da prestação laboral sob vínculo empregatício" (RR-137600-42.2006.5.01.0053, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DEJT 12/06/2015)".
 
A jurisprudência abaixo também não destoa do quanto abordado:
 
“RECURSO ORDINÁRIO DA 87ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO PROCESSO PJe nº 0001508-10.2015.5.02.0087 1° RECORRENTE: [..] 2ª RECORRENTES: SCHAHIN ENGENHARIA S/A e OUTROS 7 EMENTA: “Pejotização”. Presença dos Requisitos da Relação de Emprego (Artigos 2° e 3° da CLT). Fraude Contratual. Nulidade. Reconhecimento do Vínculo de Emprego. No direito do trabalho prevalece o princípio da primazia da realidade, sendo considerados nulos os contratos que embora formalizados sob outro título, ostentam os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT. O fenômeno que a doutrina e a jurisprudência denominam de “pejotização” consiste na formalização de contrato de prestação de serviços, celebrado com empresa criada para mascarar o real liame jurídico entre as partes, no claro intuito de fraudar a relação de emprego. No caso, restou evidente a formalização de contrato diverso para desvirtuar a aplicação dos direitos trabalhistas. As provas produzidas nos autos corroboram as alegações do reclamante, e, uma vez demonstrada a existência de pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica, tal comportamento da ré, em desvirtuar, impedir ou fraudar as normas trabalhistas é nulo, nos termos do artigo 9º da CLT. Presentes esses requisitos, impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego. Recurso patronal a que se nega provimento, no aspecto”.
 
Em situação semelhante, o Teixeira Fortes obteve êxito em uma ação trabalhista promovida por um alto-executivo contra uma grande empresa de engenharia. Nesse sentido vide abaixo trechos do Acórdão proferido pelo TRT da 2ª região:
 
“(…) O objeto social da 1ª reclamada consiste em "a prestação de serviços de engenharia elétrica, hidráulica, instalações e montagens com relação a obras de construção civil e à compra e venda de material necessário à prestação destes serviços, (…)" (cf. alteração do contrato social, cláusula 2ª, fl. 107), ao passo que a 2ª reclamada "tem por objetivo a prestação de serviços de instalações elétricas, hidráulicas, de combate a incêndio e demais serviços complementares de construção civil" (cf. alteração do contrato social, consolidação do contrato social, cláusula 2ª, fl. 116). E, segundo se depreende da prova oral, o demandante era responsável pelos projetos de hidráulica, mecânica e tubulações (utilidades industriais). Nesse diapasão, é forçoso convir que a atividade do reclamante está diretamente ligada à atividade-fim das 1ª e 2ª rés, sendo os serviços realizados pelo reclamante essencialmente imprescindíveis à consecução do desiderato empresarial. É a chamada subordinação objetiva, a qual se dá pela vinculação da atividade laboral aos fins do empreendimento (…)”.
 
“(…) A criação de pessoa jurídica, desse modo (usualmente apelidada de pejotização), seja por meio da fórmula do art. 593 do Código Civil, seja por meio da fórmula do art. 129 da Lei Tributária nº 11.196/2005, não produz qualquer repercussão na área trabalhista, caso não envolva efetivo, real e indubitável trabalhador autônomo. Configurada a subordinação do prestador de serviços, em qualquer de suas dimensões (a tradicional, pela intensidade de ordens; a objetiva, pela vinculação do labor aos fins empresariais; ou a subordinação estrutural, pela inserção significativa do obreiro na estrutura e dinâmica da entidade tomadora de serviços), reconhece-se o vínculo empregatício com o empregador dissimulado restaurando-se o império da Constituição da República e do Direito do Trabalho (…)”.
 
Enfim, por ter ficado comprovado os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, a grande empresa de engenharia foi condenada a pagar todas as parcelas decorrentes de uma relação de emprego, tais como férias em dobro + 1/3, FGTS + 40%, 13º salários, aviso prévio de 90 dias, horas extras, benefícios convencionais e etc.
 
A execução já foi iniciada e o valor atual é de mais R$ 6 milhões.
 

[1] Curso de Direito do Trabalho", 10ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 1992 – p. 311.

 

 

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