Com o objetivo de se esquivarem das obrigações trabalhistas, muitas instituições bancárias intitulam, propositalmente, os seus empregados como sendo “gerentes”, “coordenadores”, “supervisores”, etc. enquadrando-os como exercentes do cargo de confiança no afã de afastar o pagamento das horas extras.
A jornada dos empregados em bancos está prevista no artigo 224 da CLT, in verbis:
"Art. 224 – A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.
§ 1º A duração normal do trabalho estabelecida neste artigo ficará compreendida entre sete e vinte e duas horas, assegurando-se ao empregado, no horário diário, um intervalo de quinze minutos para alimentação.
§ 2º As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou que desempenhem outros cargos de confiança desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo."
Observe-se que o legislador estabeleceu uma jornada especial de 06 (seis) horas. Há, no entanto, os trabalhadores bancários que são distinguidos pelo empregador com um plus de fidúcia superior àquela comum a todo trabalhador bancário. São aqueles especificados no artigo 224, § 2º da CLT, que nos termos da Súmula 102, II, do TST, já têm remuneradas, pela gratificação recebida, que deve, necessariamente, ser superior a um terço de seu salário, as duas extras excedentes de seis (sétima e oitiva horas).
Destaca-se, porém, que o pagamento da referida gratificação, por si só, não caracteriza o citado cargo de confiança bancária representando, apenas, remuneração adicional em decorrência de determinada atribuição funcional de maior responsabilidade, inclusive técnica. Ademais, também é irrelevante a nomenclatura do cargo dado unilateralmente pela instituição bancária.
Para o enquadramento na exceção prevista no § 2º do artigo 224 da CLT, o trabalhador deverá possuir algum poder de mando sobre subordinados, autonomia quanto ao cumprimento de horários, alçada diferenciada etc., ou seja, fidúcia superior e capaz de distingui-lo dos demais não bastando, repita-se, estar revestido da confiança comum a qualquer trabalhador bancário.
Nesse sentido, inclusive, é a Jurisprudência:
"TRT/SP 0001851-96.2014.5.02.0036 – 3ª Turma RECURSO ORDINÁRIO RECORRENTE: ANDRÉ LUIZ TACHIAN RECORRIDO: ITAÚ UNIBANCO S.A. ORIGEM: 36ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. CARGO DE CONFIANÇA. BANCÁRIO. Para se configurar a exceção do § 2º do art. 224 da CLT, é necessária a prova das reais atribuições de confiança bancária, o que não ocorreu, sendo certo que a gratificação de função remunera apenas a maior responsabilidade do cargo, e não as duas horas extras além da 6ª diária trabalhada, a teor do entendimento pacificado na Súmula 102 do TST. Recurso provido. Publicação de 16/05/2017."
"PROCESSO TRT/SP Nº 0001458-92.2015.5.02.0051 RECURSO ORDINÁRIO – 8ª TURMA RECORRENTE: BANCO BRADESCO S/A RECORRIDO: EDER MENEGASSI BORGES ORIGEM: 51ª VT/SÃO PAULO BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA. Ainda que a configuração da fidúcia bancária não exija a outorga de amplos poderes de mando, representação e substituição do empregador, consoante entendimento consubstanciado na Súmula 102, do C. TST, a prova, a cargo do banco, de que o empregado gozava de efetiva ascendência sobre seus colegas, traduzida no poder de fiscalização dos serviços e, principalmente, na faculdade de imposição de penalidades disciplinares, é indispensável. Recurso Ordinário da reclamada ao qual se nega provimento. Publicação de 14/11/2017."
"PROCESSO TRT Nº 0001336-76.2015.5.02.0052 RECURSO ORDINÁRIO RECORRENTE: BANCO ALFA DE INVESTIMENTOS S.A RECORRIDO: BRUNO FERNANDES LITALDI ORIGEM: 52ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO CARGO DE CONFIANÇA. BANCÁRIO. CONFIGURAÇÃO. A caracterização do exercício de cargo de confiança bancário pressupõe a conjugação de dois elementos, quais sejam, a percepção de gratificação não inferior a 1/3 do cargo efetivo e a autonomia que caracterize a confiança propriamente dita, sendo certo que o cargo de confiança no setor bancário nem sempre exige amplos poderes de mando ou de gestão. O fator determinante é o grau de confiança, que deve estar acima do comum, além daquele que é inerente a qualquer relação de emprego. Na hipótese, não restou comprovada a fidúcia diferenciada que configura o cargo de confiança. Recurso Ordinário do banco reclamado a que se nega provimento. Publicação de 24/11/2017."
Em situação semelhante, o Teixeira Fortes obteve êxito em uma ação trabalhista promovida por uma coordenadora contra uma grande instituição bancária sendo aplicado, inclusive, o teor da Súmula 109 do TST, in verbis:
“GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O bancário não enquadrado no § 2º do art. 224 da CLT, que receba gratificação de função, não pode ter o salário relativo a horas extraordinárias compensado com o valor daquela vantagem”.
Conforme sustentado pelo Teixeira Fortes, a Autora não possuía fidúcia especial, sendo irrelevante a nomenclatura dada ao cargo. Ademais, a instituição bancária não se desvencilhou do ônus que lhe competia de demonstrar o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 224, § 2º da CLT. Nesse sentido foi a decisão da Vara de origem:
“(…) O cargo de confiança bancária exige o exercício de função de direção, gerência, fiscalização ou outras atividades equivalentes que impliquem fidúcia especial atribuída pelo empregador ao empregado, afastando a jornada de seis horas normalmente exercida pelo trabalhador bancário (CLT, artigo 224, caput e § 2º). No caso em apreço não demonstrou a reclamada a existência de fidúcia especial, ônus que a ela competia por ter alegado a existência de fato impeditivo do direito da autora (CLT, artigo 818; CPC, artigo 333, II). Acolho o pedido de horas extras excedentes da 6ª diária ou 30ª semanal (CLT, artigo 224, caput), o que for mais benéfico, durante todo o período imprescrito, calculadas sobre a totalidade das verbas de natureza salarial, o que inclui a gratificação de função e observados os seguintes parâmetros: a) adicional de 50%; b) divisor 180 (TST, súmula 124 e CCT) e observância dos dias de efetivo trabalho e da evolução salarial, com reflexos em aviso prévio, DSR´s, gratificações natalinas, férias + 1/3 e FGTS + 40% (…)”.
Em segunda instância, o TRT seguiu o mesmo raciocínio:
“(…) Nesse passo a reclamante, de acordo com as declarações de sua superiora, não usufruía de fidúcia especial apta a enquadrá-la como exercente de função de confiança bancária, não sendo suficiente para a caracterização pretendida a simples nomenclatura dada ao cargo, na medida em que no direito do trabalho vigora o princípio da primazia da realidade. Destarte, as atividades da reclamante, em seu conjunto, denotam, como visto, que ela não possuía fidúcia especial, pelo contrário, revela exercício de tarefas de natureza técnica, com total subserviência. Por fim, nem se argumente que a gratificação paga teria remunerado a 7ª e 8ª horas, porque apenas quitou a maior responsabilidade exercida pelo cargo, porquanto não configurada a hipótese prevista no artigo 224, §2º, da CLT, descabido falar em compensação destes valores. Afastado o exercício do cargo de confiança, faz jus a reclamante à 7ª e 8ª horas laboradas como extras (…)”.
Enfim, por não restar demonstrado – efetivamente – o exercício do cargo de confiança bancária, a Autora receberá por todas as horas extras além da sexta diária que, ainda, serão calculadas com o acréscimo da gratificação de função paga durante todo liame.
Eduardo Galvão Rosado
12 setembro, 2024
21 março, 2024
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