De dentro de casa: recuperanda é condenada a reparar FIDC

10/09/2018

Por Marcelo Augusto de Barros

Quando a empresa responsável pelo portal www.guiamais.com ingressou com pedido de recuperação judicial ela já havia antecipado boa parte de seus recebíveis perante empresas de fomento mercantil e fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). A carteira desses recebíveis era formada por milhares de microcréditos contra anunciantes do portal e das listas telefônicas Editel e Listel administradas pela referida empresa.

Após o pedido de RJ, no entanto, a recuperanda simplesmente desprezou a então venda da carteira de recebíveis e decidiu cobrar os anunciantes.

Ou seja, a recuperanda aproveitou-se do pedido de recuperação judicial para tentar receber duas vezes por um mesmo crédito: (1º) mediante a cessão dos recebíveis a factoring e FIDC, ato que já havia praticado, e (2º) por meio da cobrança desses mesmos créditos contra os anunciantes, ignorando a antecipação de recebíveis ajustada.

Os anunciantes passaram a receber dois boletos de pagamento, um da recuperanda e outro dos cessionários dos créditos. Para convencer os anunciantes e tentar afastar a cobrança do concorrente a recuperanda:

  • alertou em seu portal que os seus anunciantes estariam expostos a golpes de cobrança por terceiros;
  • defendeu a tese de que a cobrança pelos cessionários seria irregular pois as cessões de créditos teriam sido realizadas para garantia empréstimos e não em caráter definitivo.

O Tribunal de Justiça de São Paulo não caiu nessa. Não, ao menos, em relação a um FIDC defendido pelo Teixeira Fortes, vencedor em primeiro e segundo graus. Processo 1117906-63.2015.8.26.0100.

Em acórdão prolatado pela 18ª Câmara de Direito Privado, o TJSP rejeitou o recurso da recuperanda com as seguintes e didáticas conclusões:

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER. Aquisição, pela autora, em caráter oneroso e definitivo, de direitos creditórios. Autora que se tornou titular dos créditos. Após ré receber quantia derivada da avença, de um lado, ingressou com pedido de recuperação judicial; e, de outro, passou a cobrar dos sacados dos títulos os créditos já cedidos à autora, apropriando-se indevidamente dos valores. Pleito objetivando seja a ré condenada a abster-se de cobrar os créditos cedidos, e também seja retirado de seu site o aviso de fraude;

NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO. Avença celebrada entre as partes que possui irrecusável natureza de cessão de direitos de crédito. Tentativa da ré em desvirtuar a natureza jurídica que não merece subsistir. Direitos creditórios adquiridos pela autora elencados nos Termos de Cessão anexados aos autos, que informam, de forma pormenorizada, todos os detalhes necessários para a higidez da avença. Descabimento, outrossim, da alegação, de que a operação creditícia serviria para garantir as antecipações financeiras realizadas pela autora. Não verificação, ademais, de cobrança de juros; antes, sim, da aplicação do fator de compra. Contrato que deve ser cumprido;

OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER. Escorreita a sentença que, como consequência do reconhecimento da natureza jurídica da operação de crédito travada entre as partes, determinou: a restituição dos valores derivados de cada título já cobrado e recebido pela ré; a recusa de recebimento dos valores de cada título cobrado e ainda não recebido pela ré; e, a abstenção de qualquer recebimento dos títulos ainda não cobrados pela ré.

É um importante precedente.

Pois além de serem afastadas as costumeiras alegações de empréstimo, cobrança irregular de juros e ilegalidade da cláusula de coobrigação ou regresso, ao final a recuperanda ainda foi condenada à devolução de todos os pagamentos que ela teria recebido irregularmente dos anunciantes.

Lembrando que por se tratar de ato e condenação posteriores ao pedido de RJ o cumprimento dessa sentença não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial.

Marcelo Augusto de Barros

 

 

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