Por Orlando Quintino Martins Neto
Quando um casal se separa e possui imóveis comuns, o entendimento que prevalecia nos Tribunais, até pouco tempo atrás, era o de que os bens do casal são indivisíveis até a partilha, assemelhando-se ao tratamento de indivisibilidade que se dá a uma herança, da qual os herdeiros não podem dispor livremente, nem mesmo da parcela que se refere ao seu quinhão.
A partir desse entendimento, não haveria como se exigir do ex-cônjuge o pagamento de aluguel pelo uso exclusivo do imóvel do casal antes da partilha.
Mas esse entendimento vem mudando ao longo dos anos!
Em recente decisão, prolatada em 28/09/2018, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao Julgar o Recurso de Apelação nº 1042834-05.2017.8.26.0002, da 3ª Câmara de Direito Privado, relatado pelo Desembargador Carlos Alberto de Salles, abordou a fundo o assunto e, por unanimidade, foi reconhecido que, mesmo antes da partilha, o ex-cônjuge deve pagar aluguéis pelo uso exclusivo do imóvel do casal.
Referido acórdão foi assim ementado:
“ARBITRAMENTO DE ALUGUÉIS. CONDIÇÕES DA AÇÃO. ANTES DA PARTILHA. Sentença terminativa, por carência de ação, pela ausência de interesse processual do autor. Irresignação do autor. 1. Extinção do processo sem exame do mérito. Arbitramento de aluguéis. Partilha de divórcio não ultimada. Interesse processual. Configuração. Há obrigação de pagamento de aluguéis pela parte que fez, desde a separação de fato, o uso exclusivo do bem. Em que pese tratar-se de mancomunhão sobre o bem até o momento da partilha – instituto assemelhado à indivisão do monte-mor de uma herança antes da partilha -, deve-se aplicar a regra do condomínio (art. 1.319, CC), possibilitando a cobrança de aluguéis, sob pena de enriquecimento indevido da parte que usufrui o bem por longo período de tempo até que haja a prolação da sentença de partilha. Precedentes deste Tribunal e do STJ. Sentença terminativa reformada.”
Os excertos abaixo, extraídos do referido acórdão, demonstram que, ao que parece, a questão central a ser analisada caso a caso deve ser o enriquecimento ilícito (ou não) do ex-cônjuge que permaneceu na posse do bem. Veja-se:
“… julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal passaram a interpretar a situação por um viés prático. Afinal, a aplicação do raciocínio sustentado pela demandada à realidade fática pode ocasionar verdadeiro enriquecimento ilícito daquele que usufrui do imóvel, por longos anos, até que haja a decisão de partilha e divórcio ou dissolução de união estável o que é inclusive o fundamentado central da causa de pedir do apelante.”
Doutrinadores também têm adotado o mesmo posicionamento:
“Com o fim do relacionamento, modo frequente, fica o patrimônio na posse de somente um dos cônjuges. Sendo dois os titulares e estando somente um usufruindo do bem, impositiva a divisão de lucros ou o pagamento pelo uso, posse e gozo. Reconhecer que a mancomunhão gera um comodato gratuito é chancelar o enriquecimento injustificado. Assim, depois da separação de fato, mesmo antes do divórcio e independentemente da propositura da ação de partilha, cabe impor o pagamento pelo uso exclusivo de bem comum.”[1]
Seria muito cômodo ao ex-cônjuge ou ex-companheiro de alguma forma procrastinar o andamento do processo de separação e permanecer no imóvel do casal sem nada pagar. Parece-nos que a mudança de postura dos Tribunais tem o condão de evitar exatamente esse tipo de situação.
A íntegra do Acórdão acima – que, aliás, cita precedentes do STJ –, pode ser consultada clicando aqui.
[1] Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, cit., p. 341.
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