Por Natália Grama Lima
Em setembro desse ano, nos autos do Habeas Corpus n. 399.109, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que configura o crime de apropriação indébita tributária (previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/1990 ) o não recolhimento do ICMS em operações próprias, ainda que o débito tenha sido devidamente declarado pelo contribuinte. O posicionamento do STJ preocupa, pois torna passível de crime o mero inadimplemento.
Em síntese, foram essas as afirmações feitas pelo STJ no referido julgado:
(i) é crime contra a ordem tributária não recolher o ICMS declarado;
(ii) não possui relevância o fato de o ICMS ser próprio ou por substituição; e
(iii) não interessa o fato de o contribuinte registrar e declarar em guia e livros próprios o ICMS devido, vez que o crime de apropriação indébita não pressupõe clandestinidade.
O acórdão, que foi proferido pela 3ª Seção do Tribunal, uniformizou o entendimento do STJ a respeito do assunto, que até então era dividido. Enquanto os Ministros da 6ª Turma de Direito Penal sustentavam que só haveria crime de apropriação indébita tributária no caso de não recolhimento do ICMS devido por substituição tributária, os Ministros da 5ª Turma não faziam tal distinção e criminalizavam inclusive o não recolhimento do ICMS devido em operações próprias, posição que prevaleceu no julgado em comento.
Apesar de a decisão proferida não ter força vinculante, na prática o entendimento deve ser aplicado em todos os casos que chegarem ao STJ, circunstância que revela a importância do julgamento da 3ª Seção.
Não são poucas as críticas em relação a esse entendimento fixado pelo STJ. Primeiramente, destaca-se que a ocorrência do crime de apropriação indébita depende do fato do tributo não repassado aos cofres públicos ser descontado ou cobrado de terceiro, sujeito passivo da obrigação tributária, o que não se verifica no caso do ICMS devido na operação própria. No caso, o STJ entendeu que o fato do ICMS ser embutido no preço da mercadoria é capaz de atribuir ao destinatário a condição de sujeito passivo da obrigação tributária, contrariando os conceitos tributários do Código Tributário Nacional (“CTN”).
Além disso, não se pode ignorar que o registro e a declaração do imposto devido em guias e livros próprios demonstram a boa-fé do contribuinte, sendo que, em muitos casos, o não recolhimento do ICMS decorre de dificuldades financeiras da empresa, o que não é incomum considerando a situação econômica do país. Nesse ponto, discorda-se do STJ porque não parece ser razoável criminalizar o empresário por um simples inadimplemento.
Enfim, vários são os argumentos que revelam que o entendimento do STJ é bastaste questionável, pois visa criminalizar a mera inadimplência fiscal, contrariando a tese fixada pelo próprio Tribunal em julgamento de recurso repetitivo (REsp nº 1101728 / SP), no sentido de que a simples falta de pagamento do tributo não configura infração à lei.
No momento, a esperança dos contribuintes é que o Supremo Tribunal Federal analise a questão para reformar esse entendimento. Até lá, infelizmente os contribuintes deverão enfrentar um cenário de insegurança jurídica criado pelo precedente do STJ.
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