Factoring não deve responder por dívidas trabalhistas da faturizada

10/12/2018

Por Eduardo Galvão Rosado

Por Eduardo Galvão Rosado
 

A atividade de factoring é a prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (artigo 15, § 1º, letra “d”, da Lei n. 9.249/95).

É cediço que o setor de factoring e fomento mercantil faz uso de um contrato padrão (o chamado “contrato-mãe”), elaborado por entidade de classe, que estabelece, em linhas gerais, as modalidades do fomento mercantil praticadas no Brasil. 

Na prática, contudo, a atividade orbita na seara da aquisição de títulos vencíveis a certo termo, com antecipação dos recursos em conta bancária. Para cada operação realizada (compra de títulos), um “termo aditivo” (ou contrato de cessão), diferente e específico.

Isso significa que, na apuração de eventual responsabilidade com fundamento em coadministração, não se pode limitar a análise dos elementos fático-probatórios à verificação abstrata das disposições contratuais genéricas, sob pena de se violar o direito de propriedade de terceiro que nenhuma participação teve, efetivamente, na relação material. Nesse sentido é a Jurisprudência:

“AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E SUBSIDIÁRIA – FACTORING. INEXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO OU DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. Nos termos do § 2º do artigo 2º da CLT, somente haverá responsabilidade solidária para os efeitos da relação de emprego quando uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas personalidade jurídica própria, estiver sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica. É comercial a relação havida entre empresas nos termos de contrato de factoring. A responsabilidade solidária não se presume; decorre da lei ou da vontade das partes, não sendo cabível considerá-la fora dessas situações. Inteligência do disposto no art. 265 do atual Código Civil. Ausência de prova da terceirização de serviços e consequente ausência de responsabilidade das empresas de fomento mercantil. Inaplicabilidade da Súmula nº 331 do TST. (TRT-4 – RO: 00001022020125040372 RS 0000102-20.2012.5.04.0372, Relator: RICARDO TAVARES GEHLING, Data de Julgamento: 27/06/2013,  2ª Vara do Trabalho de Sapiranga)".

A despeito do tema, o TST, no julgamento do Recurso de Revista n. 189800-73.2009.5.03.0147, decidiu que, para caracterização do grupo econômico, é necessário demonstrar a efetiva participação da faturizadora na administração da faturizada:

“(…) As empresas de factoring são normalmente reconhecidas como destinadas à aquisição de créditos mercantis de outras empresas, v.g., usualmente a aquisição de cheques e notas promissárias, atraindo para si os direitos creditórios. É interessante ressaltar que para a origem do factoring contribui a figura do “factor” do antigo império romano, que nas terras conquistadas nomeavam um “consultor de negócio”, geralmente um próspero comerciante, que cuidava de “todos os aspectos do negócio”, sendo remunerado pelos serviços que prestava. Não muito longe dessa perspectiva, o factoring moderno, como empresa de fomento mercantil que se constitui (além de adquirir ativos, fornece recursos para viabilizar a cadeia produtiva), caracteriza-se por atividade mista exatamente por acumular a prestação de serviços com a compra de direitos creditórios, não resumindo suas atividades somente à aquisição de títulos de crédito, podendo também colocar à disposição das empresas faturizadas diversos serviços não creditícios, tais como o acompanhamento do processo produtivo ou mercadológico, o acompanhamento de contas a receber e a pagar e a seleção e avaliação de clientes, devedores ou fornecedores, resultando de todos esses aspectos que, afora a aquisição de ativos, a principal finalidade das empresas de factoring é assessorar na gestão de outras empresas, não ensejando sob essa moldura a responsabilidade solidária de que trata o art. 2º, § 2º da CLT (direção, controle ou administração de uma sobre outra empresa). Nesse sentido, praticamente todos os elementos apresentados pelo v. acórdão regional não têm o condão de caracterizar o grupo econômico em razão do nexo de coordenação ou da comunhão de interesses, pois limitam-se exatamente a distinguir as atividades próprias de uma empresa de factoring (acompanhamento do processo produtivo e mercadológico, de contas a receber e a pagar, avaliação de fornecedores e devedores, assistência na gestão comercial de vendas, orientação na administração do controle de fluxo de caixa e carteira de cobrança, prestação de serviços de avaliação oferecendo subsídios na tomada de decisões, tudo visando otimizar a produtividade e reduzir desperdícios, conforme delimitado no v. acórdão regional). Entretanto, dois aspectos delineados pelo eg. TRT justificam a manutenção da responsabilidade solidária, pois evidenciam que o contrato de fomento mercantil extrapolou a órbita do mero assessoramento ou da prestação de serviços para imiscuir diretamente na administração dos negócios da empresa faturizada, quais sejam, a concessão de poderes para a empresa faturizadora negociar prazos e descontos nas compras integradas no processo produtivo da contratante e acompanhar, na qualidade de mandatária, os serviços de contas a receber e a pagar, revelando, portanto, participação ativa e direta da factoring no processo produtivo da empregadora a denunciar os elementos do art. 2º, § 2º da CLT e tornar ileso o referido dispositivo legal (…)”

Como se denota, para que sejam preenchidos os requisitos autorizadores da extensão da responsabilidade pelos débitos trabalhistas é imprescindível a existência de provas da administração da empresa-cliente. Nesse mesmo sentido é a Ementa abaixo:

“AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DE EMPRESAS DE FACTORING. A interferência das empresas de fomento mercantil nas atividades das três primeiras reclamadas decorre da relação comercial mantida entre as reclamadas, a qual consiste na compra pelas empresas de factoring de direitos creditórios daquelas, não significando tenham as reclamadas a ligação capaz de caracterizar a hipótese de grupo econômico, prevista no § 2º do art. 2º da CLT. Provimento negado. (TRT-4 – RO: 00001828120125040372 RS 0000182-81.2012.5.04.0372, Relator: JURACI GALVÃO JÚNIOR, Data de Julgamento: 25/06/2013,  2ª Vara do Trabalho de Sapiranga)".

Em situação semelhante, o Teixeira Fortes obteve êxito em uma ação trabalhista promovida por uma empregada da cliente faturizada. 

Conforme sustentado pelo Teixeira Fortes, o grupo econômico aventado pelo Direito do Trabalho define-se, pois, como figura resultante da vinculação jus trabalhista que se forma entre dois ou mais entes, favorecidos direta ou indiretamente pelo mesmo contrato de trabalho, em decorrência de existir entre esses entes laços de direção ou coordenação em face de atividades que exercem o que, entretanto, não se extrai da celebração de um contrato-padrão de factoring. Nesse sentido foi a decisão da Vara de origem: 

“(…) Em se tratando de vínculo contratual entre as reclamadas para prestação de serviços específicos de factoring, sem que a parte autora lograsse comprovar existência dos requisitos da relação de emprego, ou ainda existência de sucessão, inviável se mostra reconhecer sua responsabilidade pelas verbas ora deferidas (…)”.

Em segunda instância, o TRT seguiu o mesmo raciocínio:

 

“(…) Por definição, factoring faz parte do direito mercantil e tem por objetivo, a prestação de serviços, fornecendo recursos para médias e pequenas empresas, através de contratos entre ambas, onde aparece como empresa Cedente aquela que empresta, e como empresa Cessionária aquela que solicita os recursos. Além da aquisição dos ativos, a empresa cedente também se responsabiliza por questões administrativas da cessionária, como gerenciar o fluxo de caixa, receber dos compradores, pagar contas, dentre outras (…)”; “(…) entendo que as cláusulas apontadas naquele contrato e pela autora transcritas, por si só não tem o condão de convencer da existência de grupo econômico visto que, a empresa que entra com o capital precisa de garantias mínimas de que seus recursos não sejam mal alocados pela tomadora do empréstimo, fazendo o possível para auxiliar o tomador dos recursos a bem empregá-los, para, com isso, poder reaver o capital empenhado. Aliás, há nessa modalidade uma transferência de risco, visto o empreendedor, que já conta com poucos recursos próprios, não precisar arcar com eventuais inadimplementos por parte dos compradores de seus produtos. A cedente acaba por se responsabilizar pelos créditos oriundos das transações mercantis entre os consumidores e a cessionária, visto ter o interesse em reaver seu capital. O destinatário da prova é o juiz, a quem cabe formar seu convencimento diante dos elementos de convicção trazidos aos autos. No presente caso, o juízo a quo não verificou a verossimilhança das alegações da autora, motivo pelo qual rejeitou o pedido autoral. Fazendo valer, portanto, a regra de distribuição estática da prova, conforme inteligência do art. 333, I do CPC, que dispõe que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito. A autora não se desincumbiu de seu ônus probatório, já que não juntou aos autos qualquer documento que comprovasse suas alegações. Dessa forma, ante a inexistência de qualquer prova de que as empresas pertençam ao mesmo grupo econômico, descabe, então, a dita sucessão de empresas, aplicação do instituto da solidariedade ou subsidiariedade pleiteada pela autora. Abaixo, trago Ementa de julgado do qual me valho para subsidiar a presente decisão: GRUPO ECONÔMICO. INEXISTÊNCIA. O artigo 2º da CLT prevê existência de grupo econômico entre pessoas com personalidade jurídica própria, desde que presentes as demais circunstâncias caracterizadoras, tais como estejam sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial. A documentação acostada aos autos é suficiente a descaracterizar o grupo econômico, porquanto não comprovados os requisitos exigidos pelo art. 2º da CLT. (TRT 8ª R.; RO 0000104-46.2013.5.08.0015; Terceira Turma; Relª Desª Fed. Graziela Leite Colares; DEJTPA 25/10/2013; Pág. 59) (…)”.

 

Enfim, a celebração do contrato de factoring não pode ser utilizada – por si só – como argumento para responsabilizar a faturizadora pelas dívidas trabalhistas. Somente se restar comprovado a efetiva participação daquela na administração da faturizada é que os requisitos do § 2º do artigo 2º da CLT estarão preenchidos e o grupo econômico configurado.

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