Lei do Distrato e os impactos ao incorporador, loteador e comprador

13/12/2018

Por Rosana da Silva Antunes Ignacio

Por Rosana da Silva Antunes Ignacio

O Projeto de Lei 1.220/2015, a chamada Lei do Distrato, foi aprovado na última semana pela Câmara dos Deputados, após as propostas de alteração vindas do Senado, e seguiu para a sanção presidencial.

Na prática, a Lei do Distrato, que altera as Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964[1] e nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979[2], visa a regulamentar como serão realizados os distratos nos casos de desistência dos compradores de unidades adquiridas em incorporação imobiliária ou em loteamentos urbanos, conferindo maior segurança jurídica às relações de compra e venda de imóveis.

Segundo o projeto aprovado, os contratos celebrados entre as partes deverão ser iniciados por um quadro-resumo, que conterá informações detalhadas relativas (i) ao preço; (ii) valor das parcelas e sua forma de pagamento; (ii) valor referente à comissão de corretagem; (iii) índices de correção monetária e taxas de juros aplicados e, em especial, (iv) as consequências do desfazimento do contrato por qualquer das partes, penalidades aplicáveis e prazos para devolução dos valores ao adquirente.

E é justamente em relação as penalidades existentes no contrato e consequências pelo desfazimento do negócio, seja em razão do atraso pelo construtor, seja pela inadimplência ou desistência do comprador, que estão as grandes mudanças trazidas pela Lei do Distrato.

Incorporação Imobiliária

No que se refere aos imóveis adquiridos em incorporação imobiliária, a lei buscou pacificar o que já vinha sendo amplamente aplicado pelo Judiciário, estabelecendo que a chamada “cláusula de tolerância”, que prevê a entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada em contrato como prevista para entrega do empreendimento, é plenamente válida desde que expressamente pactuada entre as partes de forma clara e destacada.

Ou seja, a entrega da unidade dentro do período de 180 (cento e oitenta) dias da data prevista para a entrega do empreendimento não dará causa à resolução do contrato por culpa do vendedor e nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pela construtora.

No caso de  a entrega ultrapassar tal prazo por culpa da construtora, o comprador, nesse caso, poderá requerer a resolução do contrato, com a consequente devolução integral de todos os valores pagos e da multa estabelecida em contrato, devidamente corrigidos, no prazo de até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução do contrato.

Caso opte por permanecer com a unidade adquirida, o comprador fará jus ao recebimento de indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, corrigido conforme índice estipulado em contrato.

Quanto ao desfazimento do negócio em razão do não pagamento do preço estipulado em contrato pelo comprador da unidade, este fará jus ao recebimento dos valores que pagou diretamente ao incorporador, com a dedução (i) de multa pelo desfazimento pelo negócio; (ii) integralidade da comissão de corretagem; (iii) despesas inerentes ao imóvel, como IPTU e condomínio, bem como (iv) do valor correspondente ao uso da unidade imobiliária, equivalente a 0,5% (meio por cento) sobre o valor atualizado do contrato.

A multa pelo desfazimento do negócio será de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga, nos imóveis construídos no chamado regime de afetação[3], e de 25% (vinte e cinco por cento) nos demais projetos.

Os prazos para devolução dos valores também foram estipulados pela lei, sendo de 30 (trinta) dias após a expedição do habite-se ou documento equivalente para os empreendimentos construídos pelo regime de afetação e 180 (cento e oitenta) dias contados da data do desfazimento do negócio para os demais projetos.

Loteamentos

Já em relação aos loteamentos, a lei prevê que nos casos de resolução do contrato poderão ser descontados dos valores pagos pelo comprador (i) os valores correspondentes à eventual fruição do imóvel, até o equivalente a 0,75% (setenta e cinco centésimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, a partir da transmissão da posse ao adquirente até sua restituição do loteador; (ii) 10% (dez por cento) do valor atualizado do contrato, devido a título de cláusula penal e despesas administrativas; (iii) encargos moratórios relativos às prestações pagas em atraso pelo comprador; (iv) despesas inerentes ao imóvel, como IPTU, contribuições condominiais e associativas, taxas, bem como todos os custos incidentes sobre a restituição ou rescisão do lote, e (v) comissão de corretagem, desde que integrada ao preço do lote.

A restituição dos valores poderá ser feita em até 12 (doze) parcelas mensais, com início após o prazo previsto para conclusão das obras em loteamentos com obras em andamento, e no prazo máximo de 12 (doze) meses após a formalização da rescisão contratual em loteamentos com obras concluídas.

Impactos da lei e o Judiciário:

A instabilidade da jurisprudência e o ambiente de insegurança jurídica reinantes no país, infelizmente nos incute o receio de que o Judiciário possa não aplicar integralmente a lei, caso sancionada sem vetos, assim como ocorreu no início da Reforma Trabalhista.

Diversas questões tratadas e alteradas pela lei já estão pacificadas pelo Judiciário, como por exemplo o percentual de retenção nos casos de resolução do contrato em no máximo 25% (vinte e cinco por cento), independentemente do regime em que se deu a construção do imóvel, bem como a devolução dos valores pagos em parcela única.

Algumas questões, inclusive, chegaram ao Superior Tribunal de Justiça – STJ e serão decididas sob o regime dos recursos repetitivos para que sejam aplicadas em todos os processos que tratem sobre o mesmo tema. Não se sabe, ao certo, se a interpretação do STJ será na linha do que vem sendo decidido em grande parte pelos Tribunais, ou de acordo com a Lei do Distrato.

Além disso, há que se considerar que muitos juízes poderão mitigar os efeitos da nova lei sob o influxo de certos princípios abstratos – o que é lamentável – como os da razoabilidade e proporcionalidade, além da legislação consumerista protetiva, para fundamentar decisões em sentido contrário à lei. Tal situação poderia ocorrer, por exemplo, no caso de retenção da multa de até 50% (cinquenta por cento) dos valores pagos pela unidade imobiliária em caso de distrato, se os juízes a “considerarem” desproporcional e abusiva perante o comprador.

Assim, nos resta esperar a sanção presidencial e aguardar o impacto das mudanças trazidas pela Lei do Distrato nos contratos existente, nos que vierem a ser celebrados e perante o Judiciário.

 


[1] Lei que dispõe sobre condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.

[2] Lei que trata do parcelamento do solo urbano.

[3] Regime de afetação é a separação do patrimônio do incorporador para uma atividade específica, com o intuito de assegurar a continuidade e a entrega das unidades em construção aos futuros compradores, mesmo em caso de falência ou insolvência do incorporador.

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