Entenda quando ocorre a “concorrência desleal”

04/02/2019

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

A concorrência desleal é a discórdia comercial entre partes, sem impactos sobre o ambiente concorrencial, tratando-se, portanto, de lide privada, disciplinada pela Lei 9.279/96, não se constituindo em uma infração da ordem econômica, devendo ser tratada em âmbito próprio, ou seja, no Poder Judiciário.
Para a doutrina, pode-se classificar a concorrência desleal envolvendo interesses particulares em duas categorias:

* Específica – que se traduz pela tipificação penal de condutas lesivas aos direitos de propriedade intelectual titularizados por empresários (isto é, os direitos sobre marcas, patentes, título de estabelecimento, nome empresarial, violação de informações sigilosas/confidenciais da empresa). Trata-se de concorrência desleal específica a “comercialização” de informações privilegiadas que envolve profissionais graduados da empresa vítima, tais como sócios minoritários, administradores e funcionários, caracterizando a concorrência ilícita da empresa concorrente. Na prática, funcionários ou sócios minoritários, ambos com grande “bagagem” de informações privilegiadas da empresa vítima, retiram-se desta e se recolocam em concorrentes ou iniciam empreendimentos utilizando-se de informações e tecnologias obtidas na constância de trabalho realizado na empresa vítima;

* Genérica – que corresponde à responsabilidade extracontratual. Como o desrespeito aos direitos do consumidor (falta de informação clara e adequada, inobservância do padrão de qualidade), sonegação de impostos e utilizar “meio imoral, desonesto ou condenado pelas práticas usuais” nos termos do artigo 209 da Lei de Propriedade Intelectual. A concorrência desleal genérica verifica-se a partir do momento em que o “concorrente” utiliza-se de práticas ilícitas para desviar clientela alheia, sendo que para sua configuração pouco importam os resultados obtidos com a deslealdade e sim os meios que foram empregados para angariar os clientes. Portanto, os meios empregados pelo empresário para conquistar o mercado serão analisados, avaliando se são condenáveis (enquadram-se nos tipos descritos no art. 195 e 209 da Lei de Propriedade Intelectual) ou não. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, “são os meios empregados para a realização da concorrência que distinguem se esta é leal ou desleal. Há meios idôneos e meios inidôneos de ganhar consumidores, em detrimento dos concorrentes”.

Especificamente em relação à captação de clientela alheia por ex-funcionário da empresa vítima, temos o inciso III do artigo 195, Lei 9.279/96: “Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (…) III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;”.
Ainda, para uma melhor fundamentação legal, deve-se analisar também a legislação complementar cabível. Por exemplo, se a empresa vítima é uma sociedade anônima, teremos o artigo 155 da Lei das Sociedades Anônimas, que descreve os deveres do administrador:
“Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: I – usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; (…) § 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários. (…) § 4° É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários.”

 

Se a captação de clientela ocorrer por corretor de imóveis, por exemplo, teremos o artigo 20 da Lei Federal nº 6.530/1987 – que regulamenta a profissão de Corretor de Imóveis. Ou seja, deve-se analisar caso a caso.
Cabe, ainda, à empresa vítima, quando inexistindo dúvidas quanto às práticas ilícitas de concorrência desleal perpetradas por funcionários ou sócios, a reparação civil (com base nos artigos 186 e 927 do Código Civil), respeitando o princípio da independência da responsabilidade civil relativamente à criminal. Ou seja, não se poderá questionar mais sobre a existência do crime e suas circunstâncias, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se encontrarem decididas no processo crime, conforme dispõe o artigo 935 do Código Civil.

Portanto, se o acusado de crime de concorrência desleal é inocentado no processo-crime, não poderá ser acolhida a pretensão de indenização civil contra essa pessoa. No entanto, se o acusado não foi condenado por falta de provas ou por prescrição da pretensão punitiva, a ação civil pode ser seguida.

De qualquer forma, nossos Tribunais têm entendido que os danos ocasionados em casos de concorrência desleal e desvio de clientela são presumidos e advêm da própria ilicitude da conduta, inexistindo o dever de comprovar um efetivo prejuízo na receita da empresa vítima. Seguindo essa linha de raciocínio, destaca-se a ementa abaixo:
“Perdas e danos. Concorrência desleal. Ex funcionário da autora que, aproveitando-se do cargo de gerente geral de vendas enquanto ainda empregado, buscou captar a clientela de sua empregadora em proveito da sociedade por ele constituída com os demais réus. Conduta desleal e parasitária. Ato ilícito. Indenização que é devida, sendo desnecessária a prova do prejuízo, que decorre da própria ilicitude. Ação parcialmente procedente. Improcedência em relação aos demais réus, no entanto, mantida. Recurso provido em parte.” (Apelação Cível nº 0203343-70.2007.8.26.0100, Relator Desembargador Maia da Cunha, 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 11/12/2014)

 

No entanto, nos julgados mais recentes, verifica-se que a comprovação da prática de concorrência desleal por desvio de clientela está mais rigorosa. Para ajuizar uma ação pleiteando indenização por concorrência desleal por desvio de clientela, deve-se comprovar, cabalmente, (i) o sigilo das informações que o ex-empregado tinha acesso; (ii) a utilização dessas informações; e que, de fato, (iii) os clientes da empresa vítima preferiram contratar a empresa do ex-empregado.

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