Prefeituras podem autorizar “loteamentos fechados”

08/02/2019

Por Orlando Quintino Martins Neto

Por Orlando Quintino Martins Neto e Thais Bucci Francisco

Atualmente é muito comum nos depararmos com ofertas de imóveis no interior dos chamados “Loteamentos Fechados” e/ou “Bairros Planejados”.
 
Essa figura não se confunde com os Condomínios Horizontais. Os loteamentos são regulados pela Lei Federal 6.766/79, enquanto os condomínios pela Lei 4.591/64.
 
Outro exemplo de que se tratam de figuras jurídicas diferentes, reside no fato de que as ruas e áreas comuns dos loteamentos são públicas, enquanto as ruas e áreas comuns do condomínio são de propriedade privada (cada condômino possui uma fração ideal).
 
O aumento da procura por esse tipo de imóvel (em loteamento fechado), evidentemente, tem ocorrido por questões de comodidade e, principalmente, segurança.
 
Mas o surgimento desses loteamentos fechados tem motivado o ajuizamento de ações por vizinhos, ou mesmo pelo Ministério Público, que, em regra, dizem que os muros, cercas, portarias e cancelas implantadas nos bairros ferem o direito de ir e vir do público em geral.
 
A pergunta que fica é: o direito à segurança de uns pode se sobrepor ao direito de ir e vir de outros?
 
Como forma de reduzir os conflitos, a Lei 13.465, de 11 de junho de 2017, incluiu o §8º ao artigo 2º da Lei nº 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano), com o conceito de “loteamento de acesso controlado”, a saber:
 
Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
 
(…)
 
§ 8º.  Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.
 
Cabe aos Municípios, portanto, regulamentar as normas de controle de acesso aos loteamentos, sendo vedado o impedimento ao acesso de pedestres e condutores de veículos não residentes.
 
Surgiram, então, questionamentos sobre a constitucionalidade do referido dispositivo legal.
 
O artigo 30 da Constituição Federal dispõe o seguinte:

Art. 30. Compete aos Municípios:
 
“I. legislar sobre assuntos de interesse local;
 
(…)
 
VIII. promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;”
 
E a jurisprudência tem enfrentado a matéria da seguinte forma:
 
Na situação em tela, somente haverá comprometimento do direito de ir e vir de pessoas não bem intencionadas, ou cujas intenções não digam respeito propriamente àquelas que naqueles locais residem.
 
A medida de controle e conhecimento do acesso preserva o direito à segurança pública, o que atua também no interesse da sociedade em geral, visto como os órgãos encarregados desse mister de algum modo ostentam maior disponibilidade de atuação noutras áreas da cidade. Há que ponderar os valores em jogo dentro de uma lógica razoável.[1]
 
E, ainda:
 
É certo que a questão envolve colisão de princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.
 
De um lado, a criação da limitação ao acesso decorreria do anseio dos moradores da área de garantirem a manutenção de sua propriedade, aperfeiçoando os mecanismos de segurança, dois direitos fundamentais garantidos no caput do artigo 5º da Constituição Federal que notoriamente vem sendo ameaçados pela atuação de criminosos e pela ineficiente aplicação de verbas públicas em políticas de segurança pública. De outro, não se pode negar a limitação à liberdade de locomoção da maioria da população, que não reside nos 'Bolsões Residenciais', nem a necessidade de a Administração Pública observar o princípio da impessoalidade, que proibiria a criação de privilégios em prol de parcela da população.
 
A questão deve se resolver pelo critério da ponderação, considerando as peculiaridades do caso para aferir qual das duas argumentações deve, afinal, prevalecer.
 
No caso dos autos, considerado o fato de que o acesso dos cidadãos não residentes aos loteamentos fechados não é vedado e que é garantida a entrada de agentes responsáveis pela prestação de serviços públicos, conclui-se que a legislação não viola os direitos fundamentais invocados, atendendo, assim, ao princípio da razoabilidade.[2]
 
Em resumo, como se vê, a jurisprudência tem procurado um meio termo. Reconhece a legalidade dos Municípios legislarem sobre o fechamento dos loteamentos, mas assegura o acesso às áreas públicas a qualquer cidadão de bem, desde que se identifique.
 
Nos parece uma boa alternativa, pois, como asseverou o Eminente Desembargador José Carlos Saletti no julgado citado acima, “somente haverá comprometimento do direito de ir e vir de pessoas não bem intencionadas”.

Cabe registrar, finalmente, que, por óbvio, dispensam nova regulamentação municipal os loteamentos administrados por associações de moradores ou entidades civis, isto é, o próprio loteador ou qualquer outra pessoa jurídica organizada para prestar serviços (exemplos), que já atuem no empreendimento com base em concessão municipal de áreas públicas ajustada antes da edição da referida alteração legislativa.


[1] TJSP, Órgão Especial, ADI nº 2015948-21.2018.8.26.0000-SP, Rel. José Carlos Saletti, J. 22/08/2018.

[2] TJSP, Órgão Especial, ADI nº 2058613-57.2015.8.26.0000-SP, Rel. Paulo Dimas Mascaretti, J. 21/10/2015.

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