A importância da uniformização da jurisprudência

18/02/2019

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

A lei processual vigente trouxe novo peso às decisões judiciais, mais precisamente a dos Tribunais Superiores, em função das normas que propõem a uniformização da jurisprudência (artigos 926 ao 928, CPC)[1] e que deve ser observada por juízes e tribunais, de forma a garantir a segurança jurídica.

O objetivo da uniformização da jurisprudência é o de garantir que processos com matérias semelhantes obtenham o mesmo resultado, independentemente da comarca ou tribunal em que são julgados, viabilizando ao advogado orientar seu cliente quanto a posição do judiciário frente a determinado tema, ou seja, dar uma previsão de como o seu caso poderá ser julgado. Essa a segurança jurídica almejada pela nova lei processual.

O instituto, no entanto, ainda suscita dúvidas e reflexões aos operadores do direito quanto a sua operabilidade, pois na medida em que se propaga a ideia de vinculação das decisões dos Tribunais Superiores, constatamos na prática posições divergentes acerca de um mesmo tema, ou seja, ainda não há uniformidade dentro da cúpula das próprias Cortes incumbidas de fixar as teses que deverão orientar juízes e tribunais.

A busca pela uniformização da jurisprudência e a manutenção da sua estabilidade, integridade e coerência não é bem uma novidade, pois segundo o professor Flávio Luiz Yarshell para a Revista do Advogado[2][…] o CPC/1973, embora em contexto socioeconômico consideravelmente diverso do atual, já previa, em sua redação original, o instituto da uniformização de jurisprudência.

No caso do Superior Tribunal de Justiça, a uniformização da sua jurisprudência passou a ter ainda mais importância a partir da vigência da nova lei processual, por ser a Corte que recebe recursos para rever decisões dos tribunais de justiça dos mais variados temas e que influenciam diretamente pessoas jurídicas ou pessoas físicas.

Conforme lecionam os autores Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas[3], a relevância das decisões dos Tribunais Superiores está no fato de que “[…] há decisões que já nascem como precedentes obrigatórios e que devem ser paradigma para as posteriores, em casos normalmente idênticos e às vezes semelhantes”. Destacam, ainda, que “A necessidade de respeito aos precedentes dos Tribunais Superiores é discussão que vem de longe no Brasil.”[4]

Segundo apontam, os óbices para alcançar a uniformização no caso do STJ são, além da desarmonia interna da sua jurisprudência, a mudança brusca e frequente das suas posições, o que “dificulta a uniformização – já que não há “modelo” estável para os órgãos hierarquicamente inferiores do Poder Judiciário – e reforça o desrespeito à isonomia e à necessidade de tranquilidade social.”

Para o professor Flávio Luiz Yarshell, uma das dificuldades para uniformizar a jurisprudência no Brasil é a “[…] resistência de parte dos Magistrados, fundados ou não no argumento da independência do julgador, de seguir o que, bem ou mal, tenha sido uniformizado pelas instâncias competentes.”[5]

De fato, a ausência de uma posição jurídica estável sobre um tema e a resistência dos julgadores na primeira ou segunda instância seguirem tese fixada pelo STJ, contribui com a disparidade no resultado do julgamento de processos envolvendo questões semelhantes. O prejuízo dessa situação é a insegurança gerada pela imprevisibilidade no enfrentamento de um tema – de que forma, hoje, o judiciário está se posicionando acerca dessa matéria? –, é justamente essa dúvida que a uniformização da jurisprudência se presta a sanar.

Em que pese a divergência verificada nas decisões proferidas pelo STJ, o seu atual presidente, o Ministro João Otávio de Noronha[6], se posiciona a favor da autoridade e vinculação dos juízes e tribunais às teses fixadas pela Corte:

“Não é razoável que, estabelecida uma interpretação sobre a lei federal pelo Superior Tribunal de Justiça – ao qual a Constituição reservou o papel de uniformizar essas questões –, os Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais ou mesmo juízes de primeiro grau adotem entendimento divergente, impondo à parte o custo, em tempo e dinheiro, de um recurso evitável”.

A posição do Ministro Noronha se coaduna com a tese defendida pelo autor Luiz Guilherme Marinone[7], para quem:

“Os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça são precedentes obrigatórios por exprimirem o significado da lei e, nessa dimensão, inserirem-se na ordem jurídica vinculante. Isso obviamente não precisa ser dito pela legislação. Decorre da Constituição Federal, precisamente da organização do sistema judicial e das funções entregues ao Superior Tribunal de Justiça.”

Importante dizer que o Ministro Noronha não defende apenas a autoridade e vinculação das decisões da Corte que preside, como também se posiciona no sentido de afastar do STJ a atribuição de revisão dos julgamentos dos tribunais ordinários, o que poderá ser concretizado com a aprovação da PEC 10/2017 em trâmite no Senado Federal[8], para a instituição do filtro da repercussão geral para o recurso especial[9]. Para ele, a aprovação da PEC tornará o STJ “o centro das causas mais importantes para o país, porque a vida que se vive está regulada na legislação infraconstitucional”.[10]

A instituição de filtro para o STJ também é defendida por Marinoni[11], que entende não caber às Cortes Superiores “julgar toda e qualquer irresignação contra uma interpretação dita equivocada de tribunal de apelação. Deve, ao contrário, ter ao seu dispor uma técnica ou filtro que lhe permita individualizar os recursos aptos ao exercício da sua função”. Sustenta, no entanto, que não pode ser qualquer questão de direito levada a exame “porque a decisão da Corte deve ter impacto sobre a evolução do direito, e não apenas efeitos sobre os litigantes”.

Ao contrário do que propõe Marinoni e o Ministro Noronha, o autor Georges Abboud defende que, embora desempenhem “função mais seletiva e especializada que os demais tribunais”, o STF e o STJ “[…] têm por atribuição constitucional o dever de zelar pela integralidade e coerência da interpretação do texto constitucional e do legal, respectivamente, ocorre que, para realizar tal desiderato, eles precisam julgar lides (caso concreto).”[12]

Isso significa que, considerando a função dessas Cortes de zelar pela aplicação das normas da Constituição Federal e de lei federal, tal competência não permite que sejam tribunais apenas de fixação de teses/precedentes, pois nessa hipótese, as decisões dos tribunais contrárias ao texto legal passariam ao largo da sua fiscalização, em prejuízo do jurisdicionado que teve o seu direito lesado.

Diante disso, considerando que a uniformização da jurisprudência ainda é um desafio ao Superior Tribunal de Justiça, remanescem as dúvidas quanto a operabilidade do sistema de precedentes instituído pela nova lei processual, exigindo dos advogados um olhar mais atento às posições daquela Corte sobre determinados temas.

 


[1] Lei 13.105/15 – Código de Processo Civil, artigos 926 ao 928.

[2] Um guia da jurisprudência e a jurisprudência como guia. São Paulo: AASP, Revista do Advogado, n.º 136, dezembro de 2017.

[3] Recurso Especial especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores: Precedentes no direito brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

[4]  Recurso Especial especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores: Precedentes no direito brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

[5] Um guia da jurisprudência e a jurisprudência como guia. São Paulo: AASP, Revista do Advogado, n.º 136, dezembro de 2017.

[6]http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Ministro-Jo%C3%A3o-Ot%C3%A1vio-de-Noronha-conclama-ju%C3%ADzes-e-tribunais-a-observar-jurisprud%C3%AAncia.

[7] O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
[8] http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5120884&disposition=inline. Acesso em 15/11/2018.

[9] A PEC 10/2017 acresce ao artigo 105 da Constituição Federal o parágrafo 1º e que estabelece que o recorrente deverá demonstrar, na interposição de recurso especial, “a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso”.

[10]http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Do-primeiro-ao-atual-presidente,-30-anos-de-STJ. Acesso em 15/11/2018

[11] Da Corte que declara o “sentido exato da lei” para a corte que institui precedentes. Revista dos Tribunais, vol. 950/2014, p. 165-198, dezembro/2014.

[12] Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

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