STJ pacifica entendimento sobre abstração e autonomia da duplicata aceita

25/02/2019

Por Roberto Caldeira Brant Tomaz

Por Roberto Caldeira Brant Tomaz
 
Em recente julgamento de uniformização de jurisprudência, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o aceite lançado em duplicata mercantil adquirida por empresa atuante no mercado de factoring desvincula o título do negócio jurídico de origem, de modo que o devedor não pode opor ao portador de boa-fé suas exceções pessoais, tais como ausência de entrega da mercadoria ou não prestação do serviço.
 
Esse entendimento vinha ganhando força nos tribunais estaduais e no próprio STJ, como já noticiado nesse periódico (clique aqui e aqui). Mas a questão ainda não estava pacificada, muito embora tratar-se de letra de lei.
 
É que parte da jurisprudência insiste em interpretar o endosso à luz da cessão civil de créditos, ignorando a legislação específica e os princípios próprios do direito cambiário: autonomia, abstração, cartularidade e literalidade.
 
Essa corrente se baseia no entendimento de que o simples fato de se tratar de empresa de factoring, por si só, já autorizaria o questionamento do aceite em face do terceiro portador do título. Segundo defendem, presume-se que no serviço de fomento há um envolvimento entre faturizadora e faturizada, bem mais profundo que a mera transferência de títulos, com elementos de consultoria e gerência financeira, razão pela qual a investigação sobre a validade dos créditos e sobre a solvência da empresa endossante seria inerente à atividade de factoring.
 
A questão foi levada à máxima discussão, chegando à apreciação da Segunda Seção do STJ, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.439.749/RS, ocasião em que uma empresa de fomento apresentou dois precedentes da própria Corte – REsp n.º 668.682/MG e REsp n.º 261.170/SP – completamente dissonantes do acórdão embargado, o qual confirmara a decisão do tribunal estadual ao admitir a oposição de exceções pessoais pelo sacado à empresa de factoring sob o fundamento de que o endosso por faturização representa verdadeira cessão de crédito.
 
A Relatora do EREsp, Ministra Maria Isabel Galotti, reconheceu a atualidade da divergência e a necessidade de consolidação da jurisprudência sobre o tema, para, ao final, acolher a tese dos acórdãos paradigmas, no sentido de que, em se tratando de duplicata com aceite, a questão deve ser resolvida à luz da disciplina específica deste título de crédito, ou seja, com a aplicação da legislação cambiária.
 
Em seu voto, a Ministra Relatora entendeu que “(…) o aceite empresta ao adquirente do crédito a segurança jurídica de que o negócio que justificou a emissão do título foi cumprido. A certeza é transmitida pelo próprio devedor (sacado), que, podendo recusar (Lei 5.474/68, art. 7º e 8º), aceitou o título. A partir do aceite, o título ganha abstração, passando a ser desnecessária a investigação da relação comercial subjacente.” E acrescentou: “Se não tem espaço a investigação da causa após o aceite, contraditório seria permitir a oposição de exceções pessoais pelo devedor à faturizadora, após a circulação da duplicada, portanto, com base em eventual descumprimento do contrato praticado pelo fornecedor ou prestador de serviços.”
 
O grande avanço foi o reconhecimento de que, nos contratos de factoring, as atividades de gerência financeira, gestão de crédito e seleção de riscos não são necessariamente cumulativas com a compra de direitos creditórios mediante deságio, pelo que exigir da empresa de fomento um profundo conhecimento quanto à regularidade (performance) dos títulos adquiridos, afastando a disciplina legal da duplicata aceita, configuraria ofensa à legislação aplicável, em especial a Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57.663/66), causando insegurança jurídica para o mercado de fomento mercantil.
 
O acórdão, julgado em unanimidade, veio em boa hora para assentar um entendimento que há muito merecia confirmação em instância extraordinária.
 
Espera-se que a tendência agora seja a aplicação do posicionamento do STJ em todos os órgãos e graus do Poder Judiciário, o que certamente proporcionará maior segurança jurídica no mercado de direitos creditórios.
 
Para ter acesso ao inteiro teor do julgado, clique aqui.

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