Por Aline Francisca Lopes
A competência para o julgamento da Reclamação na esfera dos Juizados Especiais Cíveis passou por algumas mudanças ao longo dos últimos anos, com maior ênfase a partir da Resolução nº 03/2016 e da vigência do Código de Processo Civil de 2015, quando foi atribuída às Seções Especializadas dos Tribunais de Justiça ou Câmaras Reunidas.
O sistema dos Juizados Especiais é composto pela (i) Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/95); (ii) Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei nº 10.259/01) e (iii) Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública dos Estados/Distrito Federal e Municípios (Lei nº 12.153/09).
O sistema legal dos Juizados Especiais Federais[1] e os Juizados da Fazenda Pública [2] preveem mecanismos para preservar os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de pedido de uniformização de jurisprudência, que ocorre em duas hipóteses: (i) interpretação de lei federal dissonante entre Turmas Recursais de diferentes Estados; e (ii) decisão de Turma de Uniformização que contrariar súmula do STJ.
Contudo, ao contrário deles, há uma lacuna no sistema dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais (JECs). Para eles, atualmente, não há previsão legal que sujeite suas decisões a absolutamente nenhum controle externo: não há previsão de cabimento de pedido de uniformização ou semelhante para preservar os entendimentos consolidados ou sumulados pelo STJ.
Também não é previsto o cabimento de outro recurso contra as decisões colegiadas proferidas nos julgamentos dos recursos dos JECs, decisões estas que são tomadas, assim como na sentença, por magistrados de primeiro grau, já que as Turmas Recursais que compõem o colegiado dos JECs são formadas por três juízes oriundos da primeira instância.
Com isso, instaurou-se uma espécie de supremacia no sistema dos JECs. As decisões não ultrapassam o segundo grau de jurisdição, cujos julgamentos, sob o pretexto da “celeridade e economia processual”, muitas vezes replicam a sentença, sem dar a menor chance de revisão do julgado.
Para suprir essa lacuna, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a admitir a propositura da Reclamação Constitucional ao STJ, por meio do julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário de nº 571.572/BA[3], com fundamento no artigo 105, I, “f” da Constituição Federal de 1988[4], em face de decisão de Turma Recursal de Juizado Especial Cível Estadual, até a formação da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais Estaduais.
O posicionamento do STF foi posteriormente incorporado pelo STJ, que editou, em meados de 2009, ainda quando vigorava o Código de Processo Civil de 1973, a Resolução nº 12/2009[5], decorrente da Questão de Ordem na Reclamação nº 3.752/GO[6], que disciplinou o rito da Reclamação ao STJ no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, onde seria cabível a Reclamação quando decisões de Turmas Recursais (i) contrariassem jurisprudências do STJ pacificadas em recurso repetitivo; (ii) se violassem súmula do STJ; ou (iii) fossem teratológicas.
Com o advento do vigente Código de Processo Civil, foi editada a Resolução nº 03/2016[7] que revogou a Resolução 12/2009, determinando a competência às Seções Especializadas dos Tribunais de Justiça ou das Câmaras Reunidas em processar e julgar as Reclamações apresentadas em face de acórdãos de Turmas Recursais Estaduais que estejam em contrariedade com a jurisprudência do STJ, aplicando, no que couber, o artigo 988 a 993 do Código de Processo Civil que tratam sobre a Reclamação.
Entretanto, inobstante a Resolução pudesse solucionar a lacuna, a novel legislação trouxe outro problema: o artigo 988, §1º do Código de Processo Civil prevê, de forma expressa, que a Reclamação deverá ser proposta perante o órgão jurisdicional cuja competência se pretende preservar. Ou seja, de acordo com o CPC, seria de competência do STJ julgar a Reclamação, como dispunha a revogada Resolução nº 12/2009.
Deste modo, a vigente Resolução nº 03/2016 conflita com o também vigente artigo 988, §1º do CPC. Enquanto a Resolução dispõe que a competência para julgar as Reclamações é das Seções Especializadas dos Tribunais de Justiça ou das Câmaras Reunidas, o CPC dispõe que a competência seria do STJ. Evidente, portanto, que ao ser editada a Resolução nº 03/2016, não se observou o artigo 988, §1º do CPC que dispõe de forma diversa sobre a competência da Reclamação, causando o conflito aparente de normas.
É de suma importância que se promova, de uma vez por todas, a alteração na lei específica sobre o tema, que é a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/95), para introduzir, de forma clara e definitiva, a possibilidade de utilização das hodiernas e providenciais medidas de pacificação da jurisprudência.
[1] Artigo 14, “caput” da Lei 10.259/01: “Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei”.
[2] Artigo 18, “caput” da Lei 12153/09: “Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material”.
[3] STF – RE: 571572/BA, Relator: Ministra Ellen Gracie, Data de Julgamento: 26/08/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-223, Divulgado em 26/11/2009, Publicado em 27/11/2009.
[4] Previsto no artigo 105, “f” da Constituição Federal.: “(..) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões (…)”.
[5] Resolução 12/2009, art. 1º.: “As reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil serão oferecidas no prazo de quinze dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, independentemente de preparo.”
[6] STJ, Corte Especial, Rcl 3.752-GO, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/11/2009.
[7] Resolução 03/2016, art. 1º.: “Caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes”.
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