A importância da prova da boa-fé para evitar a perda de imóvel adquirido

08/03/2019

Por Orlando Quintino Martins Neto

Por Orlando Quintino Martins Neto

Em meados de 2014, comentamos sobre a importância da realização de uma due diligence ao se adquirir um imóvel.

Due diligence, repete-se, pode ser definida como “um procedimento de análise de certidões, documentos e informações relativas a um imóvel que se pretende adquirir, bem como seus proprietários e antecessores, conforme o caso, objetivando mensurar riscos efetivos e potenciais.”
 

No artigo de 2014 justificamos a importância da realização da due diligence, pois, na prática, é muito comum nos depararmos com situações em que o comprador solicita do vendedor, simplesmente, a certidão de matrícula atualizada do imóvel, e cópia simples dos documentos pessoais necessários à outorga da escritura, dispensando-se as certidões de feitos ajuizados de que trata a Lei 7.433/85. Pois bem.
 

Em 19 de janeiro de 2015 foi promulgada a Lei 13.097/2015. O artigo 54 da referida lei diz o seguinte:

"Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei n 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil;

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.

Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel."

Podemos afirmar, portanto, que a due diligence não se faz mais necessária? Basta verificar a matrícula do imóvel?

Negativo!
 

A despeito do quanto disposto na referida lei, há entendimento recente da jurisprudência no sentido de que o comprador, para ser considerado de boa-fé, deve, no mínimo, adotar precauções básicas ao adquirir um imóvel. Veja-se:
 

a) TJSP, Apelação 1028979-80.2017.8.26.0576, 6ª Câmara, relatado pelo Desembargador Vito Guglielmi, julgado em 08/10/2018 (excertos extraídos do Acórdão);

 

“E a má-fé do embargante adquirente resta presente. Lembre-se que a publicidade decorrente da distribuição da ação judicial e citação não comporta presunção em sentido contrário.

 

Demais disso, é de praxe que, na realização de negócios jurídicos pertinentes à aquisição de imóvel, o adquirente exija certidões cíveis do alienante.

 

E a petição inicial dos presentes embargos não está acompanhada de documentos que indiquem tenham o requerente diligenciado na verificação necessária para a compra do bem. Pelo contrário, pois se constata da escritura de compra e venda do bem que o comprador dispensou a apresentação das certidões de que trata a Lei nº 7.433/85, regulamentada pelo Decreto nº 93.240/86, declarando que foi cientificado sobre a importância de tais certidões (fl. 50).

 

A dispensa das certidões não permite presumir a boa-fé do embargante. Ao revés. Também não diligenciou o adquirente junto ao distribuidor ou ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça para apurar a existência de ações contra a parte vendedora. Ignorar as regras básicas de compra e venda de imóvel e desprezar a cautela depõem contra o embargante, que por isso deve responder. Como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, ‘…só se pode considerar, objetivamente, de boa-fé, o comprador que toma mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição’ (REsp nº 655.000/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 23/08/2007).

 

Destarte, a ausência de cautela do embargante permite aferir o elemento subjetivo de sua conduta e a concluir pela ausência de boa-fé na realização do negócio jurídico.”

 

b) TJSP, Apelação 3001901-43.2013.8.26.0083, 10ª Câmara, relatado pelo Desembargador Torres de Carvalho, julgado em 17/09/2018 (excertos extraídos do Acórdão);

 

“Há sinais de mudança nesse entendimento; presume-se a fraude à execução quando o devedor, citado, aliena bens e se reduz à insolvência. A fraude atinge o adquirente de modo absoluto quando há penhora registrada no cartório de imóveis antes da alienação; na falta do registro, cabe ao comprador demonstrar o desconhecimento da demanda apresentando as certidões pessoais e imobiliárias da época da transação sem a anotação da ação; pois em anotação havendo, o conhecimento da demanda afasta também a boa-fé do adquirente. Se anotação da demanda não há, cabe então ao credor demonstrar esse conhecimento…

 

No caso, embora a alienação do imóvel tenha ocorrido antes da averbação da indisponibilidade na matrícula, os embargantes não se desincumbiram do ônus relativo à comprovação da boa-fé; ao contrário, afere-se da escritura pública de compra e venda, no capítulo “DAS CERTIDÕES”, que foi apresentada apenas a Certidão de propriedade e Negativa de Ônus e Alienações, havendo declaração das partes no sentido de “dispensarem a apresentação das demais certidões exigidas pelo Decreto Lei citado, quais sejam as Certidões de Feitos Ajuizados, assumindo, assim, as partes, a total responsabilidade disso decorrente” (fl. 60). Como se vê, os embargantes dispensaram a apresentação das certidões de feitos ajuizados o que demonstraria a existência de execução à época, não havendo como se concluir que agiram de boa-fé na aquisição do imóvel.”

 

c) TJSP, Apelação 1019282-63.2017.8.26.0114, 32ª Câmara, relatado pelo Desembargador Kioitsi Chicuta, julgado em 29/08/2018;

 

“Embargos de terceiro. Pretensão à desconstituição da constrição sobre bem imóvel. Embargos julgados improcedentes. Alienação do imóvel quando já em curso demanda executiva. Ausência de registro da penhora. Irrelevância. Adquirente que dispensa apresentação de certidões necessárias para a concretização do ato. Não adoção de cautela mínima pelo adquirente a afastar a presunção de boa-fé. Sentença mantida. Recurso desprovido, com observação. Não cuidou o embargante de providenciar pesquisa junto aos distribuidores do foro da situação do imóvel para a verificação de eventuais execuções tramitando contra o vendedor, deixando de adotar o mínimo cuidado que se espera do contratante. Tal conduta afasta a presunção de boa-fé do adquirente, que assumiu o risco de sua omissão. Logo, havendo demanda executiva contra o alienante em trâmite desde 1.994 e tendo ocorrido a alienação do imóvel em 2.010, está evidenciada a fraude à execução, razão pela qual deve ser mantida a constrição judicial que recaiu sobre o bem.”

 

Ou seja, sem prejuízo da entrada em vigor da Lei 13.097/2015, em nossa opinião, permanece sendo de extrema relevância, antes de se adquirir um imóvel, a realização de uma detalhada due diligence, em especial devido ao atual entendimento da jurisprudência sobre os requisitos a serem cumpridos pelo adquirente para ser considerado como terceiro de boa-fé.

 

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