Por Leticia Flaminio Oliveira
Constantemente publicam-se notícias e artigos que refletem a excessiva burocracia existente para abertura de empresas no Brasil. Não à toa, o país ocupa a 109ª posição (dentre 190) no ranking Doing Business – estudo realizado anualmente pelo Banco Mundial, que avalia o ambiente de negócios em diversas economias ao redor do mundo.
É preciso, no entanto, identificar as reais dificuldades impostas à atividade empresarial no Brasil, bem como reconhecer os avanços que foram feitos: a 109ª posição está longe de ser satisfatória, mas é a mais alta já alcançada desde a primeira publicação do Doing Business.
A melhora, perceptível no dia-a-dia empresarial, teve como principais fatores contributivos: (i) a implantação da REDESIM (Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios) pela Receita Federal; e (ii) o oferecimento de procedimentos de registros digitais pelas Juntas Comerciais, ainda que parcialmente ou não aplicáveis a alguns tipos societários.
A REDESIM, de fato, simplificou os cadastros, pois sincronizou a base de dados da Receita Federal com as Juntas Comerciais, de modo que todas as informações inseridas pelo usuário na REDESIM ficam acessíveis às Juntas Comerciais para análise dos pedidos de registro.
No âmbito estadual, nem todas as Juntas Comerciais oferecem o sistema digital, mas, nos estados de São Paulo e Minas Gerais, a inscrição do empresário individual, a constituição de EIRELI e de sociedades limitadas são realizadas integralmente pela internet.
Os sistemas eletrônicos contam ainda com convênios municipais para que a viabilidade do empreendimento, em determinado estabelecimento ou bairro, seja atestada pelo próprio município.
O governo parece empenhado em melhorar ainda mais esse cenário: acaba de ser publicada a Medida Provisória n. 876, alterando os prazos de análise e concessão dos registros empresários na Lei de Registro Público de Empresas Mercantis e, principalmente, estabelecendo o registro automático.
Para compreender os impactos que a MP 876 pode causar, antes é preciso entender como funciona o processo de abertura de empresas na prática.
Ao pensar em abrir uma empresa, antes de mais nada, recomenda-se procurar assistência jurídica, principalmente se tratando de sociedade, para que todos os aspectos da empresa sejam definidos dentro da legalidade, de forma clara e justa. O advogado está apto a esclarecer as dúvidas sobre a constituição de uma empresa, pode apresentar alternativas interessantes para o modelo de negócio pretendido e, muitas vezes, representa agilidade diante dos procedimentos burocráticos.
A partir daí, o primeiro passo é acessar o portal da REDESIM. Por meio dele é realizada a Consulta de Viabilidade, a fim de verificar a possibilidade de utilização do nome empresarial escolhido e se o local onde se pretende realizar a atividade está apto a recebê-la.
Deferida a Consulta de Viabilidade, o portal REDESIM solicitará as demais informações: valor do capital que será investido, sua composição e o quadro social, quem será o representante legal, entre outras. A depender do tipo de atividade que será desenvolvida – se oferece riscos ambientais ou é regulamentada pelo Estado, por exemplo -, outras informações poderão ser exigidas.
A conclusão desta etapa se dá com a emissão do Documento Básico de Entrada (DBE), que é utilizado para iniciar o procedimento nas Juntas Comerciais.
No âmbito das Juntas, tomando como exemplo Minas Gerais e São Paulo, o procedimento é totalmente digital:
(i) primeiro, faz-se a integração dos dados constantes na base da REDESIM, por meio do DBE;
(ii) em seguida, a Junta analisa e consolida as informações integradas com as demais constantes do instrumento de constituição da empresa (no caso da JUCEMG, o próprio sistema emite o ato constitutivo);
(iiI)por fim, verificada a consistência das informações e o cumprimento dos requisitos formais, a Junta Comercial disponibiliza para download o documento de constituição devidamente registrado, com os selos e códigos de autenticação que comprovam o registro da empresa.
Uma vez disponibilizado o documento pela Junta Comercial, já é possível emitir o cartão do CNPJ no portal REDESIM.
A possibilidade de realização de todos os atos pela internet, tanto do lado do empresário, como do Estado, conferiu enorme agilidade ao processo, que leva, em média, de 07 a 10 dias para ser concluído (prazo estimado, já que existem diversas variáveis a se considerar).
Até aqui, as mudanças propostas pela MP 876 não são muito instigantes, pois os prazos legais para análise e registro já não vinham sendo cumpridos pelas Juntas Comerciais, mas, a possibilidade do registro automático, com verificação posterior do preenchimento dos requisitos, pode impactar positivamente todo o processo.
É que o maior dos problemas para constituição (e alterações) de empresas, determinante para as diversas críticas que são feitas ao ambiente empresarial no Brasil, continua sendo a verificação das informações.
O indeferimento de uma solicitação, em razão de falha na análise das informações prestadas e documentos juntados, é muito comum e implica enorme atraso, já que, quase sempre, significa reiniciar o processo, ou a etapa.
O ponto central é a responsabilidade por todo o processo, que fica concentrada unicamente no Estado. Não há divisão com o empresário. Se a Receita Federal e/ou Junta Comercial demoram ou falham na análise das informações, o registro da empresa não é concedido, fica pendente da correção de um erro ou defeito – seja ele técnico ou prático – que, na grande maioria das vezes, é do próprio Estado.
Compartilhar essa responsabilidade é uma das chaves para agilizar o processo: o Estado pode conceder ao empresário seu registro como tal, e autorizar que ele busque a regularização em um segundo momento.
Trata-se de uma relação de confiança, mas que pode (e deve) ser garantida pela fiscalização, penalizando a empresa que, após o registro, não comprovar os dados que declarou no momento da solicitação, ou que não estiver adequada às normas para seu funcionamento.
A MP 876 parece ter finalmente concedido esse voto de confiança, possibilitando o registro automático – ressalta-se que somente após o deferimento da Consulta de Viabilidade – que será fiscalizado a posteriori e, não havendo adequação da empresa às normas, ela terá prazo para adequar-se, ou o registro será cancelado.
A confiança foi estendida também aos advogados e profissionais contábeis, que poderão declarar a autenticidade das cópias dos documentos.
Talvez seja muito cedo para comemorar, mas um importante passo foi dado para conferir agilidade ao ambiente empresarial no Brasil, com a publicação da Medida Provisória, cujos impactos práticos serão assistidos de perto e com entusiasmo ao longo dos próximos meses.
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